Por que governo pós-Merkel na Alemanha pode aumentar pressão sobre Bolsonaro?
Especialistas avaliam que nova composição política na Alemanha deve aumentar ainda mais a distância diplomática e impor mais pressão sobre o Brasil em temas como o comércio e a agenda ambiental.
Os resultados preliminares das eleições alemãs indicam uma vitória apertada do Partido Social-Democrata (SPD) sobre a aliança conservadora comandada pela chanceler Angela Merkel, da União Democrata-Cristã (CDU).
A formação do novo governo ainda pode levar alguns meses, mas o principal cenário envolveria uma coalizão entre o SPD (o mais votado), Partido Verde e o Partido Democrático Livre (FDP). Mas como essa eleição que acontece a mais de 9 mil quilômetros de distância pode afetar a vida aqui no Brasil?
Especialistas nas relações entre o país e a Alemanha avaliam que essa composição política deve aumentar ainda mais a distância diplomática entre os dois países e impor mais pressão sobre o Brasil em temas como o comércio e a agenda ambiental.
A Alemanha é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. De acordo com o Ministério da Economia, o país foi o sétimo maior comprador de produtos brasileiros em 2020, com importações de US$ 4,1 bilhões. No mesmo período, a Alemanha foi o terceiro maior exportador para o Brasil: R$ 9,3 bilhões.
Além de um importante parceiro no comércio, a Alemanha tem uma forte tradição de investimentos em cooperação internacional com o Brasil. O país é o segundo maior doador do Fundo Amazônia (R$ 192 milhões), atrás apenas da Noruega (R$ 3,1 bilhões).
A Alemanha vem sendo governada pela coalizão liderada por Angela Merkel há 16 anos. Nestas eleições, ela decidiu não concorrer, abrindo espaço para uma das eleições mais disputadas do país.
Os resultados apontam que o SPD, partido de centro-esquerda, saiu de 153 para 206 vagas no Parlamento alemão. O Partido Verde cresceu de 67 para 118. Na contramão, a coalizão liderada por Merkel saiu de 246 assentos para 196.
Para ter o direito de indicar o novo chanceler do país, os partidos precisam formar uma coalizão englobando a maioria dos votos do Parlamento. Na segunda-feira, o líder do SPD, Olaf Scholz, anunciou que deverá formar uma aliança com verdes e liberais.
A brasileira Aline Burni é doutora em Ciência Política e trabalha em um think tank na Alemanha desde 2019. Ela avalia que a tendência é que uma coalizão liderada pelo SPD e composta por um Partido Verde "turbinado" deverá manter ou até mesmo aumentar a distância diplomática do país com o Brasil. Segundo ela, esse distanciamento passa tanto por diferenças ideológicas entre o SPD, (centro-esquerda) com o governo de direita de Jair Bolsonaro, quanto pela questão ambiental.
"Há uma diferença programática significativa entre o SPD e o governo do presidente Jair Bolsonaro, que é um governo de direita. O SPD tem uma agenda social muito forte que defende a inclusão de minorias sociais e culturais. Nesse sentido, não há uma identificação muito grande entre o SPD e o atual governo brasileiro", afirma.
Aline diz ainda que um outro elemento que pode ampliar o isolamento do Brasil em relação ao novo governo alemão é o fato de Bolsonaro ter recebido a vice-líder da AfD, Beatrice von Storch, no Palácio do Planalto. A AfD é um partido de extrema-direita conhecido por suas posições ultraconservadoras e uma agenda anti-imigração. A legenda teve uma votação menor que a registrada nas eleições passadas e não deverá fazer parte da coalizão que vai governar o país.
"O fato de Bolsonaro ter manifestado proximidade com a AfD, um partido com o qual os partidos já excluíram qualquer possibilidade de coalizão, aumenta ainda mais esse isolamento", afirmou.
Mercado e meio ambiente
Outro ponto no qual o novo governo alemão deverá representar um desafio à diplomacia brasileira é a questão econômica e ambiental. O Brasil aguarda a União Europeia ratificar o acordo comercial entre o bloco e o Mercosul. Aprovado em 2019, ele precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países do bloco para entrar em vigor.
O processo, que não é simples, está paralisado há quase dois por críticas feitas por governos como o francês em relação à política ambiental brasileira. O Partido Verde alemão, por exemplo, defende que o acordo só pode entrar em vigor se países como o Brasil mudarem suas políticas ambientais, especialmente em pontos como o aumento do desmatamento da Amazônia.
Os europeus cobram medidas para garantir que os produtos exportados para o bloco não serão produzidos contrariando normas ambientais e contribuindo para a crise climática global.
Para a diretora de programas da Plataforma Cipó, Maiara Folly, as chances de o acordo ter o apoio de um governo alemão integrado por um Partido Verde fortalecido são mínimas.
"O acordo já está 'congelado' em função da política ambiental brasileira e não teria a menor chance de ser aprovado pelo Parlamento Europeu com um governo verde na Alemanha. Pelo menos até que haja eleição no Brasil ou uma mudança de postura bastante relevante da política ambiental, não vejo o governo alemão apoiando esse acordo. As chances são mínimas", afirma.
O professor aposentado do Instituto de Relações Internacionais da UnB Argemiro Procópio Filho, que viveu e estudou na Alemanha, concorda com Maiara. Na avaliação dele, a provável nova composição do governo alemão deverá aumentar ainda mais a pressão sobre o Brasil.
"A Alemanha é a locomotiva da Europa. O bloco vai para onde ela for. Se a Alemanha não apoiar o acordo, o bloco não o fará. E se isso continuar acontecendo, especialmente agora que os verdes têm um poder significativo, a pressão para que o Brasil altere suas políticas ambientais cresce", disse.
Maiara e Aline pontuam, porém, que o novo governo alemão não deverá buscar uma ruptura visível com o Brasil. Isso acontece tanto por conta da tradição diplomática do país, pelo fato de o Brasil não ser um parceiro considerado estratégico e pelas eleições brasileiras de 2022.
"Não creio em uma ruptura no médio prazo. Em 2022, há eleições no Brasil e pode haver mudança no comando do país. Creio que os alemães vão esperar o resultado da disputa para ver que linha adotar em relação ao Brasil", afirma Maiara.