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Que diferença faz morrer na Síria ou no mar?, diz refugiado

2 set 2015 - 05h59
(atualizado às 08h53)
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"Que diferença faz morrer lá (na Síria ou no Egito) e morrer no mar?", disse Nabir, que nadou da Turquia até a Grécia
"Que diferença faz morrer lá (na Síria ou no Egito) e morrer no mar?", disse Nabir, que nadou da Turquia até a Grécia
Foto: Márcia Bizzotto

Fazia quase sete horas que Sinan Nabir nadava no mar Egeu, da Turquia à Grécia, debaixo de um céu sem nuvens e um calor de 33 graus, quando dois barcos da guarda costeira – um turco, outro grego – se aproximaram para detê-lo.

"Os turcos me seguiram por uns trezentos metros. Queriam me levar de volta a Bodrum. Eu disse: 'eu me afogo, mas não volto'. Preferia morrer ali mesmo", lembra o franzino refugiado sírio de 51 anos, um dia depois de chegar à ilha grega de Kos, porta de entrada para as milhares de pessoas que, como ele, estão buscando uma vida segura na União Europeia.

Originário de Damasco, Nabir abandonou a Síria há dois anos, depois de que uma bomba lançada pelo Exército do presidente Bashar Al-Assad destruiu parte do bairro onde vivia, na periferia.

Instalou-se em Sharm el-Sheikh, um dos principais destinos turísticos do Egito, no Mar Vermelho, mas ações extremistas creditados ao grupo autodenominado "Estado Islâmico" (EI) na região o convenceram a emigrar outra vez.

"Sim, tive medo. Mas pensei: se eu morrer, eu morro. Que diferença faz morrer lá (na Síria ou no Egito) e morrer no mar? Que seja o que Deus quiser. Eu quero viver, mas pra isso preciso chegar à Europa. Tenho 51 anos, não tenho filhos, não tenho nada a perder", diz à BBC Brasil, recordando a jornada em alto-mar.

"Hoje é meu primeiro dia de vida. Antes eu estava morrendo."

A distância de Bodrum a Kos pelo mar é de cerca de 22 quilômetros – para efeito de comparação, a parte mais estreita da travessia entre Inglaterra e França pelo canal da Mancha tem 33 quilômetros.

As patrulhas da Grécia e da Turquia discutiram durante alguns minutos sobre a quem cabia a responsabilidade sobre o estranho nadador encontrado a meio caminho entre os dois países, até que os oficiais gregos aceitaram que Nabir subisse a bordo e o levaram a Kos.

Fraco e desidratado, o homem foi registrado pelas autoridades e conduzido ao hospital local, mas não precisou receber tratamento e, duas horas mais tarde, ao cair da noite, se juntou às centenas de refugiados que dormem nas ruas da ilha grega.

Desespero

A ilha grega de Kos tem recebido migrantes da África e do Oriente Médio que tentam chegar a outros países europeus
A ilha grega de Kos tem recebido migrantes da África e do Oriente Médio que tentam chegar a outros países europeus
Foto: Márcia Bizzotto

Os primeiros turistas ainda não haviam chegado à praia do balneário turco de Bodrum e a guarda costeira estava ocupada com os botes clandestinos detidos durante a madrugada quando Nabir se lançou ao mar, na manhã de 29 de agosto, equipado com um par de pés de pato e um colete salva-vidas comprados na véspera em uma loja do passeio marítimo.

"Quando eu me cansava, deitava de costas e relaxava, olhando o céu", conta à BBC Brasil.

De sua vida anterior, levava apenas a cueca, os óculos brancos e a carteira de identidade síria embrulhada em um plástico dentro de uma pochete amarrada à cintura.

Ele havia usado todas suas economias para comprar uma passagem de avião de Sharm el-Sheikh, onde trabalhava como cozinheiro, até Istambul, na Turquia, onde tentou se estabelecer durante dois meses."Não consegui aprender turco e pouca gente fala inglês na Turquia. Eu não podia ficar lá. Não tinha trabalho", assegura.

O trajeto em ônibus de Istambul a Bodrum e os preparativos para a travessia a Kos deram conta do pouco dinheiro que lhe restava.

"A viagem de barco custa cerca de 1,2 mil euros (R$ 4,8 mil). Eu não tinha esse valor. Por isso, há dois dias eu decidi que teria que vir nadando", afirma, vestido com uma camiseta branca e uma calça jeans doados pelo hospital de Kos.

Os tênis vermelhos, a mochila e os braceletes de cordão foram presentes de uma família italiana que havia passado por ele em alto-mar e voltou a encontrá-lo um dia depois, já em terra firme.

Esperança

Nabir diz que confia na solidariedade de outros turistas e de refugiados para reunir os 57 euros necessários para a passagem de para Atenas, de onde pretende seguir viagem até a Alemanha, atravessando a Macedônia, a Sérvia, a Hungria e a Áustria.

"Pedi a um amigo e ele me deu cinco euros, outro deu mais cinco. Amanhã talvez eu possa pegar o ferry. Se não conseguir dinheiro, vou achar outro caminho. Preciso ir à Alemanha", insiste.

A guarda costeira de Kos confirmou a história de Nabir e afirmou que já resgatou uma dezena de refugiados atravessando o mar Egeu a nado.

Por outro lado, se recusou a dar detalhes sem uma autorização por escrito do Ministério do Interior grego, que tarda semanas em chegar.

"(A travessia) é muito difícil, mas não é impossível. Em alguns pontos da costa, a distância (entre Bodrum e Kos) diminui para 5 quilômetros. Quem tenta nadar costuma procurar essa região", explicou à BBC Brasil um oficial da marinha grega que pediu para não ser identificado.

"As pessoas não têm dinheiro e estão desesperadas", disse outra oficial sob condição de anonimato.

Nabir espera que o Estado alemão o ajude a começar uma vida nova, trabalhando como cozinheiro ou professor de inglês ou árabe. "Se Deus quiser", ao lado de uma antiga namorada alemã que ele conheceu há dez anos em Dubai.

"Quem sabe minha aventura entre para o livro dos recordes", sorri.

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