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Turquia vai às urnas: 'querem nos calar', diz estudante

Eleições municipais ocorrem no domingo; com o primeiro-ministro no centro de acusações de corrupção e duras manifestações espalhadas por todo o país, a Turquia enfrenta uma grande crise política

28 mar 2014 - 15h53
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<p>Milhares de pessoas acompanham o funeral de Berkin Elvan, em Istambul, em 12 de março de 2014. O jovem morreu meses após ser ferido por policiais durante uma manifestação em 2013</p>
Milhares de pessoas acompanham o funeral de Berkin Elvan, em Istambul, em 12 de março de 2014. O jovem morreu meses após ser ferido por policiais durante uma manifestação em 2013
Foto: AFP

O anúncio do bloqueio do Twitter seguido pela restrição ao acesso ao Youtube nas últimas semanas apenas colocaram mais lenha na fogueira construída pelo próprio primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, pivô central de uma série de acusações de corrupção e autoritarismo.

O primeiro-ministro viu no bloqueio das redes sociais a maneira mais eficaz de abafar a voz da população, insatisfeita com seu governo, e de impedir a difusão de provas contra si mesmo, como aconteceu há cerca de um mês, quando o conteúdo de ligações telefônicas que comprovaram suas atitudes ilícitas foi parar na rede.

<p>Liberdade de expressão e liberdade de imprensa são algumas das reivindicações dos manifestantes que desde 2012 protestam contra o regime 'autoritário' na Turquia</p>
Liberdade de expressão e liberdade de imprensa são algumas das reivindicações dos manifestantes que desde 2012 protestam contra o regime 'autoritário' na Turquia
Foto: AP

A mais recente forma de censura foi a gota d’água para população, que, desde o fim de 2012, reivindica mudanças no país - que, ao que tudo indica, caminha para uma ditadura, sob a liderança de Erdogan.

“Erdogan quer interferir em tudo, no que as mulheres vestem, no que as pessoas falam e fazem, no que os jovens bebem, e determinar até o que é pecado e o que é boa ação. Ele se comporta como se seu país fosse um de seus brinquedos”, conta o estudante turco Çagri, que prefere ser identificado apenas pelo primeiro nome, com receio de sofrer retaliações.

<p>"O governo quer nos impedir de denunciar o que está, de fato, acontecendo na Turquia", disse o estudante Mehmet Goren ao Terra</p>
"O governo quer nos impedir de denunciar o que está, de fato, acontecendo na Turquia", disse o estudante Mehmet Goren ao Terra
Foto: Arquivo Pessoal

Mehmet Goren, outro estudante que tem acompanhado de perto os desdobramentos da crise em seu país, recrimina, de forma enfática, o bloqueio do acesso às redes sociais.

“O governo quer nos manter calados, nos impedir de dividir com o mundo nossas ideias e denunciar o que está, de fato, acontecendo na Turquia. Ninguém concorda com essa ideia de que o bloqueio do Twitter foi uma medida judicial e não política. A Turquia não é mais o Império Otomano e nós vamos brigar por nossos direitos até acabar com a ditadura de Erdogan”, ressalta Goren.

<p>Representante da União Jovem Turca retrata o primeiro-ministro Erdogan como Adolf Hitler após o líder bloquear o acesso ao Twitter</p>
Representante da União Jovem Turca retrata o primeiro-ministro Erdogan como Adolf Hitler após o líder bloquear o acesso ao Twitter
Foto: AP

Reivindicações

Entre as principais reivindicações dos manifestantes, estão o direito à liberdade de expressão e de imprensa, bem como o fim da “venda de lugares públicos, como parques e símbolos urbanos, a empresas privadas e grandes corporações internacionais”.

O desrespeito a esta última reivindicação e a violência com que foram reprimidos manifestantes que se opunham ao plano de desenvolvimento urbano para o Taksim Gezi Park, em Istambul, foram o estopim para a explosão de protestos em toda a Turquia, a partir de maio de 2013.

Quando os manifestantes passaram a se organizar - montando barracas, bibliotecas e centros médicos, estabelecendo sua própria distribuição de alimentos e seus meios de comunicação - não apenas no Taskim Gezi Park, mas também em vários outros parques da Turquia, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan se pronunciou atacando todos os envolvidos nos protestos, a quem se referiu como “saqueadores”. 

Desde então, os protestos, a princípio motivados por preocupações ambientais, passaram a ser motivados pelo autoritarismo do primeiro-ministro. O uso excessivo da força e a falta de diálogo entre os dois lados foi parar nas capas de jornais de todo o mundo.

O regime ‘ditatorial’ de Erdogan

Recep Tayyip Erdogan é membro e líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), e está na liderança da Turquia desde 2002.

Sob o seu governo, a economia turca se recuperou da crise de 2001, devido, especialmente, ao boom da construção. A partir de 2011, no entanto, suas atitudes de restrição aos direitos humanos e de tentar impor uma agenda islâmica, passaram a contrariar a vontade popular.

Desde aquele ano, o uso da Internet e o conteúdo da televisão têm sido severamente controlados, e o governo tem formado coalizões com grupos de mídia do país, e tomado medidas administrativas e legais contra aqueles que se opuseram a estabelecer semelhantes conexões.

<p>O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan e seus ministros são acusados de envolvimento em esquemas de corrupção</p>
O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan e seus ministros são acusados de envolvimento em esquemas de corrupção
Foto: AP

Çagri ressalta também que, após o partido de Erdogan ter ganhado a segunda eleição, em 2007, não apenas o primeiro-ministro, mas também seus familiares adquiriram um enorme poder. “Parentes de Erdogan assumiram funções no Judiciário e passaram a manipular as leis. Não há nenhum outro meio que não seja o imposto por Erdogan, ainda que ele não seja o mais correto”, explica o estudante.

Medidas extremas, como uma reforma na educação, baseada nos ensinamentos islâmicos, a proibição de venda de álcool durante certos horários e ordens de prisão a pessoas acusadas de proferir blasfêmias, foram aprovadas sem consulta popular.

Além disso, o Governo tem, igualmente, ignorado as reclamações de grupos que se opõem aos inúmeros projetos de construção de pontes, hidrelétricas, usinas nucleares e fábricas nas cidades de Istambul e Ankara.

De olhos nas eleições presidenciais

Tornou-se fundamental para Erdogan a mudança do regime parlamentarista para o regime presidencialista. Dessa forma, ele seria presenteado com amplos poderes, caso saísse vitorioso da eleição presidencial de agosto deste ano.

<p>De olho nas eleições presidenciais de outubro, Erdogan participa de comícios de partidários em cidades da Turquia</p>
De olho nas eleições presidenciais de outubro, Erdogan participa de comícios de partidários em cidades da Turquia
Foto: AP

Para que essa mudança fosse concretizada, seria necessário que 330 dos 550 componentes da Grande Assembleia Nacional votassem a favor da realização de um referendo parlamentar. No Parlamento, se faria necessário que 367 dos 550 votos aprovassem a proposta.

Mas as coisas não parecem ter saído como Erdogan desejava. Além de o projeto ter sido recusado por grande parte dos partidos da oposição, ele não convenceu nem mesmo os apoiadores de seu partido, que, em sua maioria, acusam o primeiro-ministro de querer estender seu domínio sobre a Turquia.

Como se tudo isso não bastasse, o atual presidente, Abdullah Gul, participará da próxima eleição, o que leva analistas a preverem que será grande o clima de tensão e competição entre os dois.

Çagri conta que, apesar da série de acusações de corrupção contra Erdogan, o primeiro-ministro ainda exerce grande poder sobre seus eleitores: “Eles estão cegos, mesmo que você lhe dê evidências irrefutáveis de que o partido de Erdogan é corrupto, eles não vão acreditar”.

“Eu gostaria que houvesse uma grande mudança e que pudéssemos nos livrar do Reino de Erdogan, mas a verdade é que é difícil acreditar que isso possa se tornar realidade”, conclui o estudante.

Fonte: Terra
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