Turquia vai às urnas: 'querem nos calar', diz estudante
Eleições municipais ocorrem no domingo; com o primeiro-ministro no centro de acusações de corrupção e duras manifestações espalhadas por todo o país, a Turquia enfrenta uma grande crise política
O anúncio do bloqueio do Twitter seguido pela restrição ao acesso ao Youtube nas últimas semanas apenas colocaram mais lenha na fogueira construída pelo próprio primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, pivô central de uma série de acusações de corrupção e autoritarismo.
O primeiro-ministro viu no bloqueio das redes sociais a maneira mais eficaz de abafar a voz da população, insatisfeita com seu governo, e de impedir a difusão de provas contra si mesmo, como aconteceu há cerca de um mês, quando o conteúdo de ligações telefônicas que comprovaram suas atitudes ilícitas foi parar na rede.
A mais recente forma de censura foi a gota d’água para população, que, desde o fim de 2012, reivindica mudanças no país - que, ao que tudo indica, caminha para uma ditadura, sob a liderança de Erdogan.
“Erdogan quer interferir em tudo, no que as mulheres vestem, no que as pessoas falam e fazem, no que os jovens bebem, e determinar até o que é pecado e o que é boa ação. Ele se comporta como se seu país fosse um de seus brinquedos”, conta o estudante turco Çagri, que prefere ser identificado apenas pelo primeiro nome, com receio de sofrer retaliações.
Mehmet Goren, outro estudante que tem acompanhado de perto os desdobramentos da crise em seu país, recrimina, de forma enfática, o bloqueio do acesso às redes sociais.
“O governo quer nos manter calados, nos impedir de dividir com o mundo nossas ideias e denunciar o que está, de fato, acontecendo na Turquia. Ninguém concorda com essa ideia de que o bloqueio do Twitter foi uma medida judicial e não política. A Turquia não é mais o Império Otomano e nós vamos brigar por nossos direitos até acabar com a ditadura de Erdogan”, ressalta Goren.
Reivindicações
Entre as principais reivindicações dos manifestantes, estão o direito à liberdade de expressão e de imprensa, bem como o fim da “venda de lugares públicos, como parques e símbolos urbanos, a empresas privadas e grandes corporações internacionais”.
O desrespeito a esta última reivindicação e a violência com que foram reprimidos manifestantes que se opunham ao plano de desenvolvimento urbano para o Taksim Gezi Park, em Istambul, foram o estopim para a explosão de protestos em toda a Turquia, a partir de maio de 2013.
Quando os manifestantes passaram a se organizar - montando barracas, bibliotecas e centros médicos, estabelecendo sua própria distribuição de alimentos e seus meios de comunicação - não apenas no Taskim Gezi Park, mas também em vários outros parques da Turquia, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan se pronunciou atacando todos os envolvidos nos protestos, a quem se referiu como “saqueadores”.
Desde então, os protestos, a princípio motivados por preocupações ambientais, passaram a ser motivados pelo autoritarismo do primeiro-ministro. O uso excessivo da força e a falta de diálogo entre os dois lados foi parar nas capas de jornais de todo o mundo.
O regime ‘ditatorial’ de Erdogan
Recep Tayyip Erdogan é membro e líder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), e está na liderança da Turquia desde 2002.
Sob o seu governo, a economia turca se recuperou da crise de 2001, devido, especialmente, ao boom da construção. A partir de 2011, no entanto, suas atitudes de restrição aos direitos humanos e de tentar impor uma agenda islâmica, passaram a contrariar a vontade popular.
Desde aquele ano, o uso da Internet e o conteúdo da televisão têm sido severamente controlados, e o governo tem formado coalizões com grupos de mídia do país, e tomado medidas administrativas e legais contra aqueles que se opuseram a estabelecer semelhantes conexões.
Çagri ressalta também que, após o partido de Erdogan ter ganhado a segunda eleição, em 2007, não apenas o primeiro-ministro, mas também seus familiares adquiriram um enorme poder. “Parentes de Erdogan assumiram funções no Judiciário e passaram a manipular as leis. Não há nenhum outro meio que não seja o imposto por Erdogan, ainda que ele não seja o mais correto”, explica o estudante.
Medidas extremas, como uma reforma na educação, baseada nos ensinamentos islâmicos, a proibição de venda de álcool durante certos horários e ordens de prisão a pessoas acusadas de proferir blasfêmias, foram aprovadas sem consulta popular.
Além disso, o Governo tem, igualmente, ignorado as reclamações de grupos que se opõem aos inúmeros projetos de construção de pontes, hidrelétricas, usinas nucleares e fábricas nas cidades de Istambul e Ankara.
De olhos nas eleições presidenciais
Tornou-se fundamental para Erdogan a mudança do regime parlamentarista para o regime presidencialista. Dessa forma, ele seria presenteado com amplos poderes, caso saísse vitorioso da eleição presidencial de agosto deste ano.
Para que essa mudança fosse concretizada, seria necessário que 330 dos 550 componentes da Grande Assembleia Nacional votassem a favor da realização de um referendo parlamentar. No Parlamento, se faria necessário que 367 dos 550 votos aprovassem a proposta.
Mas as coisas não parecem ter saído como Erdogan desejava. Além de o projeto ter sido recusado por grande parte dos partidos da oposição, ele não convenceu nem mesmo os apoiadores de seu partido, que, em sua maioria, acusam o primeiro-ministro de querer estender seu domínio sobre a Turquia.
Como se tudo isso não bastasse, o atual presidente, Abdullah Gul, participará da próxima eleição, o que leva analistas a preverem que será grande o clima de tensão e competição entre os dois.
Çagri conta que, apesar da série de acusações de corrupção contra Erdogan, o primeiro-ministro ainda exerce grande poder sobre seus eleitores: “Eles estão cegos, mesmo que você lhe dê evidências irrefutáveis de que o partido de Erdogan é corrupto, eles não vão acreditar”.
“Eu gostaria que houvesse uma grande mudança e que pudéssemos nos livrar do Reino de Erdogan, mas a verdade é que é difícil acreditar que isso possa se tornar realidade”, conclui o estudante.