Ucrânia: eleição não resolverá crise do país, diz professor
Em meio a ataques armados constantes, uma crise política e econômica e um país dividido, população deve comparecer às eleições presidenciais em todas as regiões do país
Mais de 24 candidatos às eleições presidenciais foram registrados na Ucrânia. Somente quatro conquistaram uma porcentagem considerável de intenções de votos nas últimas pesquisas divulgadas. Dentre eles, apenas dois possuem reais condições de concorrer ao cargo. Um deles está tão à frente nas pesquisas, que deve vencer a disputa já no primeiro turno. Logo, as principais questões ainda não respondidas sobre as eleições ucranianas deste ano não estão relacionadas com o resultado das urnas. O verdadeiro mistério é descobrir se o processo será ou não considerado legítimo.
Devido aos conflitos que têm acontecido no país desde o final de 2013, o até então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych foi deposto do cargo em fevereiro e eleições extraordinárias foram marcadas para 25 de maio deste ano.
O problema é que, nesse meio tempo, o clima tem ficado cada vez mais tenso no país, que passa por uma grave crise política, econômica e bifurcatória. De um lado, estão os pró-europeus, que defendem o governo ucraniano e seu envolvimento com a União Europeia. Do outro, estão os pró-russos, que apoiam uma aproximação maior com a nação de Vladimir Putin, gerando uma onda separatista no país.
Hoje, no leste, as regiões de Lugansk e Donetsk – declaradas "repúblicas populares independentes" pelos líderes do levante pró-Rússia – não são palcos ideais para uma eleição presidencial ucraniana. No entanto, cerca de 7 milhões de pessoas vivem nessas áreas, o que representa quase 15% da população da Ucrânia. Se esses 15% da população não participarem das eleições, o resultado poderá ser considerado ilegítimo, por não levar em conta a opinião dos eleitores em sua totalidade.
De acordo com o professor-doutor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Kai Enno Lehmann, a situação no país não é ideal para a realização de eleições. "Será interessante ver o grau de participação dos eleitores no leste ucraniano, assim como os resultados e o comportamento dos rebeldes em relação àquelas pessoas que gostariam de votar", comenta.
"Tenho certeza que, principalmente no leste do país, muitas pessoas não vão votar simplesmente para não legitimar o que elas consideram um golpe contra o governo anterior", completa Lehmann.
Apenas se as eleições forem consideradas justas e livres, o próximo governo será legitimado. No entanto, na atual situação política da Ucrânia, o cenário não caminha nesse sentido. "Dificilmente teremos uma eleição absolutamente limpa", acredita Lehmann.
“Um passo em boa direção”
Enquanto o governo provisório ucraniano acredita que, mesmo com dificuldades, as eleições acontecerão em todas as regiões do país, os líderes separatistas se negam a aceitar a organização de um pleito em seus Estados, considerados independentes. No entanto, além dessas duas opiniões, uma terceira influencia, e muito, nas questões relacionadas à Ucrânia: a avaliação russa.
Mesmo que de má vontade, o presidente Vladimir Putin anunciou, no último dia 7, que o pleito presidencial ucraniano é "um passo em boa direção", dando sinal verde para a realização das eleições nas regiões em que os pró-russos são a maioria. Na última sexta-feira, 23, Putin disse que vai respeitar o resultado das eleições. Na ocasião, Putin afirmou que a Rússia está pronta para trabalhar com quem quer que seja eleito presidente no país vizinho.
Pragmatismo: o tempero ideal para o sucesso
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem tanto a favor da Rússia, nem tanto da União Europeia. Foi assim que o empresário Petro Poroshenko alcançou os seus 54,7% nas pesquisas de intenções de voto para as eleições presidenciais da Ucrânia.
Em um cenário politicamente dividido, o fato de Poroshenko ter atuado como ministro tanto no governo de Yushchenko como no de Yanukovych, lhe é favorável. Afinal, o magnata deve conseguir conquistar votos tanto de pró-russos como de pró-europeus.
No entanto, tal apoio pode se virar contra o candidato, quando for eleito. "Poroshenko vai enfrentar o problema de expectativas enormes por parte dos seus eleitores", afirma Lehmann. O magnata terá que se desdobrar para agradar a todos que o apoiaram durante a campanha.
A ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko, principal rival de Poroshenko nessas eleições, por outro lado, traz consigo uma imagem bastante radical. Recém-liberada da prisão, sob a acusação de abuso de poder em 2011, a candidata foi considerada a "Joana d'Arc da Revolução Laranja" – nome dado aos protestos ocorridos entre novembro de 2004 e janeiro de 2005, após outra eleição vencida por Yanukovych, com denúncias de fraude, intimidações e irregularidades.
No entanto, os números das pesquisas demonstram que o apoio dos ucranianos à Timoshenko, que atingiu apenas 9,6% das intenções de voto, caiu nos últimos dez anos. Assim, é possível concluir que, até mesmo o lado ocidental do país parece preferir um candidato pragmático a uma candidata que possa ser considerada instransigente. "Timoshenko faz parte da história recente do país, mas é relacionada a governos incompetentes" , diz o especialista. Em geral, os eleitores não enxergam na ex-primeira-ministra uma "solucionadora de problemas", e sim como uma "líder em casos de revolta".
Próximos capítulos para a crise
As eleições presidenciais, se consideradas legítimas, podem ser apenas um primeiro passo para a solução da crise no país. "As eleições não vão automaticamente transformar o país ou resolver os problemas do mesmo. Nem mesmo vão acabar com as divisões que existem no país", comenta Lehmann.
De acordo com o professor, dois comportamentos deverão ser observados com atenção após o pleito: a reação da Rússia ao candidato eleito e a reação de quem não vencer nas urnas. Se, por exemplo, Timoshenko liderar mais uma revolta criticando o processo eleitoral, como fez na Revolução Laranja, a crise pode se acirrar e seguir um rumo sem solução aparente.
"Não acredito que as eleições sejam suficientes para unificar o país. Muitas pessoas morreram e o ódio entre os dois lados me parece grande. Logo, qualquer processo de reconciliação será lento e vai seguir com muitas dificuldades. Esse episódio ainda tem muitos capítulos", concluiu o especialista.