Execução de detento por gás de nitrogênio causa divergências no EUA: "Filme de horror"
Conforme testemunhas, uma máscara foi colocado no rosto de Smith para que ele inalasse o gás nitrogênio puro
O estado do Alabama, nos Estados Unidos, executou na quinta-feira, 25, o prisioneiro Kenneth Eugene Smith, 58 anos, com o método de asfixia com gás nitrogênio.O metódo inédito causou divergências divergências, por ser enquadrado como tortura.
O caso abriu caminho para o uso de um novo e controverso método de execução que as Nações Unidas consideram "cruel, desumano e degradante". Este método controverso funciona ao privar o corpo de oxigênio por meio da respiração de nitrogênio puro.
O médico australiano Philip Nitschke, especialista em asfixia por nitrogênio para eutanásia, conversou com a reportagem do Fantástico. Ele visitou Kenneth Smith, o homem executado na última quinta, no presídio e examinou as instalações. Ele deu parecer contra a execução.
“Até me puseram a máscara usada para aplicar o nitrogênio, e depois fui depor no tribunal. A asfixia por nitrogênio não pode ser usada numa execução, porque a pessoa pode se debater e resistir. Para pessoas condenadas a morrer, acho que deveria ser abandonada", opina.
Sgundo o pastor Jeff Hood, que acompanhou a execução e deu a extrema-unção ao criminoso.
"Foi um filme de horror. Ele parecia um peixe fora d'água. Se sacudia para cima e para baixo, e a cara dele foi ficando azul e vermelha. Eu só pensava: meu Deus, quando isso vai parar? Vou ter pesadelos por muito tempo por causa do que eu vi", afirma o reverendo.
O Dr. Nitshcke afirmou que um dos problemas no Alabama foi o uso de uma máscara mal ajustada, que poderia ter deixado sequelas graves se não funcionasse.
"Smith segurou a respiração para o nitrogênio não entrar nos pulmões. Isso fez com que o processo fosse lento. Ele teve convulsões e espasmos quando o cérebro dele foi recebendo menos oxigênio, o que deixou os espectadores muito perturbados", explica.
ONU denuncia possível tortura
A ONU expressou sérias preocupações sobre este caso por meio do seu Gabinete de Direitos Humanos. O órgão exigiu que o estado do Alabama suspendesse a execução de Smith, considerando que poderia resultar em tortura.
"Estamos preocupados que a execução de Smith nestas circunstâncias possa violar a proibição de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, bem como o seu direito (de pessoa condenada) a soluções eficazes", disse Ravina Shamdasani, porta-voz do Escritório de Direitos Humanos.
Kenneth Smith Executado
Smith, condenado por homicídio, foi declarado morto às 20h25 (horário local), segundo informações da agência de notícias AP. A execução durou cerca de 22 minutos e algumas pessoas foram autorizadas a acompanhar a morte do prisioneiro.
Conforme testemunhas, uma máscara foi colocado no rosto de Smith para que ele inalasse o gás nitrogênio puro, o que resultou em uma morte por falta de oxigênio. Na execução, ele pareceu consciente por vários minutos. Durante pelo menos dois minutos, ele pareceu tremer e se contorcer na maca. Depois, ele começou a respirar fundo, até que a respiração não fosse mais perceptível.
"Esta noite, o Alabama faz com que a humanidade desse um passo para trás", afirmou Smith em uma declaração final. "Vou embora com amor, paz e luz", acrescentou. Ele também fez o sinal "Eu te amo" com as mãos em direção aos familiares presentes. "Obrigado por me apoiar. Amo todos vocês", disse.
Após a morte do detento, a governadora do Alabama, Kay Ivey, disse que a execução foi uma justiça. "Depois de mais de 30 anos e após tentativas de manipular o sistema, o Sr. Smith respondeu por seus crimes horrendos", afirmou ela.
Mike Sennett, o filho de Elizabeth Sennett, mulher assassinada em 1988 com a participação de Smith, também se pronunciou: "Nada que aconteceu aqui hoje vai trazer a mamãe de volta. Não vamos ficar pulando e gritando viva. Vou terminar dizendo que Elizabeth Dorlene Sennett conseguiu justiça esta noite".
A execução
A execução de Smith por asfixia com gás nitrogênio se transformou em polêmica no Alabama nas últimas semanas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que o método nunca antes utilizado pode ser o equivalente à tortura e pediu para que o plano fosse abandonado. Médicos e ativistas também alertaram sobre o risco de consequências, como convulsões e até sobrevivência em estado vegetativo.
O estado do Alabama previu que o nitrogênio causaria inconsciência em segundos no detento e morte em minutos. Questionado sobre os tremores de Smith na maca, o comissário penitenciário do Alabama, John Q. Hamm, disse que pareciam ser movimentos involuntários. "Isso tudo era esperado e estava nos efeitos colaterais que vimos ou pesquisamos sobre a hipóxia por nitrogênio. Nada estava fora do comum do que esperávamos", afirmou Hamm.
O conselheiro espiritual de Smith, o reverendo Jeff Hood, que também esteve presente, disse que a execução não correspondeu ao que era previsto. "Não vimos ninguém ficar inconsciente em 30 segundos. O que vimos foram minutos de alguém lutando pela vida", comentou o conselheiro.
Antes da morte, Smith se reuniu com familiares e seu conselheiro espiritual. Ele comeu uma última refeição de bife, batatas fritas, torradas e ovos cobertos com molho de bife.
Recurso negado
Na quarta-feira, 24, a Suprema Corte dos Estados Unidos negou o pedido de Smith para suspender a execução. Os juízes se recusaram a ouvir sua contestação legal de que uma segunda tentativa de execução do Alabama – após a primeira ter lhe causado trauma severo – violaria as proteções da Oitava Emenda da Constituição dos EUA contra punições cruéis e incomuns. Nenhum juiz discordou publicamente da decisão.
A primeira tentativa de execução de Smith ocorreu em novembro de 2022. Na ocasião, os funcionários não conseguiram devido à dificuldade de injetar na veia dele uma mistura letal de produtos químicos dentro do tempo estabelecido para cumprir a sentença.
Smith foi condenado em 1989 pelo assassinato da esposa de um pastor, Elizabeth Sennett, que foi esfaqueada e espancada. Ele e seu cúmplice foram contratados pelo marido da vítima, Charles Sennett. Em 1996, um júri recomendou prisão perpétua sem liberdade para Smith, mas o juiz decidiu sentenciá-lo à morte.