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Funeral da rainha Elizabeth 2ª: por que fiquei 30 horas na fila para ver o caixão

Alguns acamparam durante a noite anterior ao início do velório público - e amizades foram formadas em uma noite chuvosa

15 set 2022 - 10h31
(atualizado às 11h49)
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Kristian Johnson, da BBC, juntou-se às pessoas que acamparam para garantir que conseguiriam ver o caixão da rainha Elizabeth 2ª
Kristian Johnson, da BBC, juntou-se às pessoas que acamparam para garantir que conseguiriam ver o caixão da rainha Elizabeth 2ª
Foto: BBC News Brasil

Estima-se que centenas de milhares de pessoas prestarão seus respeitos à rainha Elizabeth 2ª durante o velório público de quatro dias. O jornalista da BBC Kristian Johnson juntou-se àqueles que acamparam durante a noite anterior ao início do velório público para garantir que estariam entre os primeiros da fila - e eles fizeram amizades em uma noite chuvosa em Londres.

Às 22h de terça-feira (13/9), a chuva começou a cair. Pessoas que só haviam se conhecido horas antes se amontoavam. Seus guarda-chuvas ofereciam pouca proteção da chuva.

Eu fui um dos sortudos. Minha barraca, armada na calçada fria do South Bank de Londres, me protegeu da chuva. Mas mesmo assim, depois de apenas alguns minutos do lado de fora, minha calça jeans estava encharcada.

Eu não era o único.

"Temos a calça molhada, mas pés secos", disse Sheila Morton, que estava enfiada sob um lençol com sua amiga Lesley O'Hara.

Os jornalistas eram a grande maioria das pessoas na fila na segunda-feira, quando Vanessa Nathakumaran orgulhosamente assumiu seu lugar na frente. Ela só carregava uma bolsa com ela - e ela tinha mais de 48 horas de espera antes de poder entrar no Westminster Hall.

Quando me juntei a ela na terça-feira, na hora do almoço, tinha garantido a posição número 17 na fila. Michael Darvill, de 85 anos, e sua filha Mandy Desmond, de 55, eram meus novos vizinhos. Eles já haviam se acomodado em cadeiras de acampamento.

Não havia livros, jogos de baralho e tablets para mantê-los ocupados, apenas conversa. Era um tema que todos os outros pareciam seguir inconscientemente. Ninguém estava olhando para a tela do telefone e nem uma única pessoa havia conectado seus fones de ouvido. Havia muito o que falar.

Quando a chuva - que caiu como garoa na tarde de terça-feira - ficou mais forte e se tornou um dilúvio, havia cerca de 50 de nós na fila.

Um homem chamado Gary Keen caminhou ao longo da fila oferecendo fatias de pizza. Jacqueline Nemorin, das Ilhas Maurício, dividiu seu pote de morangos com as mulheres sentadas ao lado dela. Na frente da fila, uma instituição de caridade local chegou para distribuir xícaras de chá e café.

Yaqub Yousuf, que mora perto de Lambeth Bridge, trouxe inúmeros suprimentos de sua casa para tornar a vida mais confortável para quem estava na fila.

"Eu vi essas senhoras completamente despreparadas, então decidi trazer cinco cadeiras do meu apartamento para que elas pudessem se sentar", disse ele. "Então percebi que ficariam encharcadas a noite toda, aí trouxe bolsas e cobertores."

Um pouco mais adiante, cantigas improvisadas de God Save the King começaram e velas foram acesas para lembrar a rainha. Outros pediram comida pelo aplicativo Deliveroo.

Truus Nayman chegou pela primeira vez à Inglaterra em 1954 - um ano após a coroação da rainha
Truus Nayman chegou pela primeira vez à Inglaterra em 1954 - um ano após a coroação da rainha
Foto: BBC News Brasil

Mesmo em meio à chuva torrencial, Andrew Israels-Swenson continuou a dividir histórias com Truus Nayman, de 85 anos. A dupla não se moveu de um banco de madeira que eles compartilharam desde que se encontraram pela primeira vez naquele dia.

Andrew, que voou de Minnesota na noite de sábado, disse que sentiu como se tivesse ganhado um "bilhete premiado" ao garantir um lugar durante a noite em um banco.

infografico mostra fila no mapa londrino
infografico mostra fila no mapa londrino
Foto: BBC News Brasil

'Sou monarquista de coração'

Truus, originalmente da Holanda, me disse que chegou à Inglaterra pela primeira vez em 1954 - um ano após a coroação da rainha. "Eu sou um pouco mais experiente nesse tipo de coisa agora", brincou ela, "porque meu marido e eu fizemos fila quando [Winston] Churchill morreu [em 1965]. Passamos uma noite inteira aqui.

"Quando a princesa Diana morreu [em 1997], meu filho e eu fizemos fila no Palácio de Kensington para assinar o livro de condolências. Então, quando a rainha-mãe morreu [em 2002], fiz fila sozinha. Sou monarquista de coração."

Eu rastejei para minha barraca às 2 da manhã, encharcado da cabeça aos pés.

Quando acordei duas horas depois, Michael e sua filha Mandy ainda estavam sorrindo, apesar de não dormirem.

"Nós nos molhamos antes das 2 da manhã e não secamos desde então", disse Michael. "A água desceu pelo encosto da cadeira, então estamos sentados na água."

Monica Farag era a sexta pessoa na fila
Monica Farag era a sexta pessoa na fila
Foto: BBC News Brasil

Felizmente, a chuva havia parado quando o sol começou a nascer. A mudança no clima não só parecia aquecer os corpos, mas também os espíritos. As pessoas bebiam cafés e esfregavam os olhos turvos quando se deram conta de que estavam a apenas algumas horas de um momento histórico.

Monica Farag, originária das Filipinas, era a sexta pessoa da fila. Ela não tinha uma cadeira para sentar, mas a mulher de 61 anos ainda estava radiante às 7 da manhã.

"Estou tão animada, mesmo sem dormir", disse ela. "É uma bela experiência. Este é o ponto alto dos meus 36 anos na Inglaterra."

Pouco antes da hora do almoço, me disseram para arrumar minha barraca. A multidão atrás de nós tinha aumentado. Na noite anterior, a fila era uma fila organizada de pessoas sentadas uma ao lado da outra. Agora tinha cinco pessoas de largura, enquanto os recém-chegados começaram a se acotovelar por uma posição.

Os ânimos esquentaram momentaneamente quando alguém tentou entrar na fila. Mas finalmente, às 15h, fomos conduzidos em grupos de 20.

Atmosfera melancólica

Juntei-me a Truus, Andrew, Michael, Mandy e Paul - meus vizinhos durante a noite - em uma lenta procissão sobre Lambeth Bridge enquanto nos dirigíamos em direção a Westminster.

Embora a chuva já tivesse passado há muito tempo e o sol estivesse brilhando, uma atmosfera sombria rapidamente se instalou enquanto passávamos pela Victoria Tower. As piadas e a camaradagem de nossa noite sob guarda-chuvas ficaram para trás.

Às 17h, as portas do Parlamento se abriram lentamente e todos ficaram em completo e absoluto silêncio. Pela primeira vez desde que entrei na fila, não houve um único som.

No centro do Westminster Hall estava o caixão da rainha. Uma mulher atrás de mim caiu em lágrimas. À minha frente, Andrew e Truus caminhavam juntos, de braços dados.

Olhei para o teto, me aproximei do caixão e acenei com a cabeça. E num piscar de olhos, acabou. Após 30 horas de espera, o momento no Westminster Hall não durou mais que 90 segundos.

Quando emergi novamente para o sol da tarde, um dos meus vizinhos da fila estava esperando. "Eu estava lá para sua jornada final", disse Paul. "Aquele momento em que inclinei minha cabeça para aquela grande mulher... eu passaria de novo por tudo isso."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62915392

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