Governos precisam levar coronavírus 'a sério', diz brasileira ex-assessora de Trump
Luciana Borio trabalhava na unidade de segurança global de saúde do Conselho de Segurança Nacional até presidente dos EUA decidir desmantelar departamento; segundo ela, governos precisam agir para evitar mortes.
A brasileira Luciana Borio ainda trabalhava como assessora da Casa Branca em maio de 2018, quando alertou, durante um simpósio, que uma pandemia de gripe seria a principal ameaça à segurança sanitária nos Estados Unidos.
"Estamos preparados para responder a uma pandemia? Receio que a resposta seja não", afirmou ela durante uma palestra para marcar o aniversário de 100 anos da pandemia de gripe espanhola.
Vivendo desde o fim da década de 80 nos EUA, a brasileira era responsável pela política de preparação médica e biodefesa da unidade de segurança global de saúde do Conselho de Segurança Nacional (NSC, na sigla em inglês), órgão ligado à Presidência.
Naquele mês, no entanto, o presidente Donald Trump decidiu fechar o departamento. Alguns de seus integrantes, como Borio, foram remanejados para outras unidades dentro do NSC.
Agora, o alerta da brasileira volta a ganhar destaque, em meio a uma pandemia de coronavírus que está se espalhando pelos Estados Unidos e ameaça saturar o sistema hospitalar de Nova York.
E principalmente depois que Trump disse no início deste mês que "ninguém sabia que haveria uma pandemia ou epidemia dessa proporção".
Borio renunciou ao cargo de assessora da Casa Branca em março de 2019, mas nega ter feito isso por causa de mudanças internas. Ela alega que ficou tentada por uma oportunidade em trabalhar para a In-Q-Tel, uma empresa de investimento estratégico em tecnologia de ponta para defesa e segurança nacional.
A brasileira trabalhou no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca entre 2017 e 2019.
Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, Borio, que tem especialização em doenças infecciosas, afirma que os Estados Unidos e a América Latina devem fazer de tudo para reduzir o número de infectados com covid-19.
"Se os hospitais ficarem sobrecarregados, não vão poder cuidar dos pacientes e as pessoas morrerão desnecessariamente", diz ela, que também foi cientista-chefe da Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês), a Anvisa americana.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Mundo - A sra. alertou em 2018 que a principal ameaça à segurança sanitária dos EUA seria uma pandemia de gripe, e que o país não estava preparado para isso. A atual crise do coronavírus mostra que estava certa?
Luciana Borio - Acho que sim. No entanto, não fui a única a fazer essa avaliação. Muitas figuras importantes de saú de pública destacaram há muito tempo os perigos de uma pandemia e trabalharam para combatê-los.
Muitas pessoas estavam trabalhando para aumentar a conscientização e melhorar a preparação de nossa nação sobre como responder (a isso).
BBC News Mundo - E qual sua opinião sobre como os EUA estão respondendo a essa pandemia?
Borio - Muitas coisas ainda precisam ser feitas, como o rápido desenvolvimento de testes de diagnóstico, porque ainda precisamos tentar tomar medidas de saúde pública em pontos críticos emergentes.
Ainda precisamos desenvolver um sistema no qual possamos integrar informações sobre os testes, portanto, precisamos encontrar uma maneira de tornar mais fácil a testagem dos pacientes e a disseminação dos resultados para aqueles que precisam saber disso.
Ainda precisamos de um sistema que adeque o suprimento limitado de itens, como equipamentos de proteção individual e respiradores, a quem ou a locais que mais precisam deles, para ter a alocação de recursos mais justa e eficiente.
Precisamos continuar aumentando as capacidades dos testes clínicos, para avaliar mais rapidamente os diferentes tipos de medicamentos experimentais em desenvolvimento.
Precisamos continuar identificando a melhor estratégia de saúde pública para conter a propagação de doenças em áreas que foram duramente atingidas.
E a capacidade pode continuar a ser desenvolvida em hospitais para cuidar de pessoas doentes.
Há muito o que fazer...
BBC News Mundo - Quanto a situação nos EUA pode piorar nas próximas semanas?
Borio -Acho que estamos vendo isso em Nova York, onde a situação é muito difícil: a densidade populacional é maior lá do que em outras áreas.
E acho que o pior cenário é quando a demanda por atendimento excede as capacidades que o sistema de saúde tem para prestar assistência, porque é quando começaremos a perder vidas e seria uma situação muito trágica.
BBC News Mundo - A sra. concorda com a ideia de que o coronavírus expôs a vulnerabilidade dos EUA à guerra biológica?
Borio -A estratégia nacional de biodefesa que desenvolvemos e publicamos exige medidas a serem tomadas para mitigar as ameaças à saúde, independentemente de sua origem.
Portanto, não importa fundamentalmente se é uma infecção natural, ou se um patógeno foi liberado de propósito ou se foi um acidente de laboratório, porque o que importa é preservar a vida, mitigar os impactos na saúde.
Sabíamos que a vulnerabilidade existe, mas os sistemas fundamentais são os mesmos para todos, independentemente da fonte da ameaça.
BBC News Mundo - Os Estados Unidos poderiam estar mais preparados e responder melhor a essa crise se tivessem mantido a unidade de segurança global de saúde no Conselho de Segurança Nacional?
Borio -Acho que ter o talento e a experiência certos nesses níveis de governo para coordenar esforços é mais crítico do que como eles são organizados.
BBC News Mundo - Mas não foi uma decepção para a sra. ver o desmantelamento de sua unidade?
Borioc-Não. Sempre estive muito acostumada a reorganizações e nunca deixei isso afetar minha capacidade de trabalhar.
Portanto, não concordo com a narrativa de que a reorganização dessa unidade teve um impacto negativo.
Há muitas pessoas com quem trabalhei e cujas posições respeito que têm uma opinião diferente da minha. Mas eu não compartilho (das opiniões).
BBC News Mundo - Inicialmente, o presidente Trump disse que queria 'reabrir' os Estados Unidos na Páscoa. Era uma previsão realista? (O presidente depois recuou e estendeu as medidas de isolamento até o dia 30 de abril)
Borio -Não acredito. Acredito ser muito importante proteger a saúde pública, a vida de nossos cidadãos.
E é importante que tenhamos uma estratégia para controlar a epidemia, que garantamos que nossos hospitais estejam bem equipados em termos de pessoas e recursos para lidar com o aumento no número de pacientes.
Sabemos muito bem que, quando voltarmos à vida normal, o número de casos aumentará novamente. Então temos que nos preparar para isso.
BBC News Mundo - Qual conselho daria aos governos da América Latina? Está preocupada com o impacto que esse vírus pode ter na região?
Borio -Estou. Esperamos que haja um impacto sazonal benéfico, para que eles possam obter toda a ajuda possível.
Mas não podemos contar com isso. E eles têm a responsabilidade de cuidar de seus pacientes e da população, garantindo uma saúde de qualidade.
Essa é uma doença realmente grave. E existem ferramentas que podem ser implementadas para mitigar seu impacto.
Recomendo que eles realmente sigam os conselhos da OMS e da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) em particular, para tomar medidas e ser um exemplo para o restante do mundo sobre como a doença pode ser contida.
É hora de se destacar, não de negar.
BBC News Mundo - O presidente Jair Bolsonaro minimizou a gravidade da pandemia, comparando-a com um 'resfriadinho' e criticando o fechamento de escolas. Qual é a sua opinião sobre isso?
Borio -É realmente importante que os governos tenham a responsabilidade de mitigar a perda de vidas e apoiar a saúde pública.
É importante que eles levem isso a sério.
A coisa mais importante agora é evitar uma situação em que o número de doentes ultrapasse a capacidade de atendimentos dos hospitais. Isso é o mais perigoso, porque é quando começamos a perder vidas desnecessariamente.
Devemos evitar uma situação em que não possamos prestar assistência médica às pessoas que dela necessitam.
Não é uma doença fácil de tratar.
Meus amigos que trabalham em hospitais e em cuidados intensivos dizem que é uma doença longa e séria.