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Guerra na Ucrânia: as revelações à BBC de militar russo que desertou

O tenente Dmitry Mishov, de 26 anos, colocou uma mochila nas costas e partiu para a floresta em busca de asilo na Lituânia.

12 jun 2023 - 08h07
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'Sou um oficial, não um cúmplice de um crime', diz Dmitry Mishov
'Sou um oficial, não um cúmplice de um crime', diz Dmitry Mishov
Foto: BBC News Brasil

Um militar que desertou e fugiu da Rússia a pé concedeu uma entrevista à BBC, na qual ele fala sobre as fortes perdas que o Exército russo está sofrendo na Ucrânia e como o moral das tropas está baixo.

O tenente Dmitry Mishov, um aviador de 26 anos, se entregou às autoridades na Lituânia em busca de asilo político.

Ele conta que fugir da Rússia de forma tão dramática, somente com uma pequena mochila nas costas, foi seu último recurso.

Dmitry está entre um pequeno grupo de casos conhecidos de militares em serviço que fugiram do país para evitar serem enviados para lutar na Ucrânia— e o único caso de um aviador em serviço que a BBC tem conhecimento.

Procurando uma saída

Dmitry, um navegador de helicóptero de ataque, estava baseado na região de Pskov, no noroeste da Rússia. Quando a aeronave começou a ser preparada para combate, ele sentiu que uma verdadeira guerra estava por vir, não se tratava apenas exercícios militares.

Ele tentou deixar a Força Aérea em janeiro de 2022, mas seu documento não havia sido aprovado quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro. Ele foi enviado então para a Belarus, onde pilotou helicópteros de entrega de carga militar.

Dmitry diz que nunca foi para a Ucrânia. Não conseguimos verificar esta parte da história, mas os documentos dele parecem ser genuínos e muitas das declarações que ele deu correspondem ao que sabemos por meio de outras fontes.

Em abril de 2022, ele voltou à base dele na Rússia, onde esperava dar continuidade à solicitação de baixa. Era um processo demorado que estava quase concluído — mas em setembro de 2022, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou a mobilização militar parcial. Ele foi informado então que não teria permissão para deixar o Exército.

Ele sabia que mais cedo ou mais tarde seria enviado para a Ucrânia e começou a procurar maneiras de evitar que isso acontecesse.

"Sou um oficial militar, meu dever é proteger meu país de agressões. Não preciso me tornar cúmplice de um crime. Ninguém nos explicou por que esta guerra começou, por que tivemos que atacar os ucranianos e destruir suas cidades?"

Ele descreve o clima no exército como variado. Alguns militares apoiam a guerra, diz ele, outros são totalmente contra. Muito poucos acreditam que estão lutando para proteger a Rússia de um perigo real. Essa tem sido a narrativa oficial — que Moscou foi forçada a recorrer a uma "operação militar especial" para impedir um ataque contra a Rússia.

Avassalador e comum, de acordo com Mishov, é o descontentamento com os baixos salários.

Ele diz que oficiais experientes da Força Aérea ainda recebem o salário do contrato pré-guerra de até 90.000 rublos (cerca de R$ 5.340). Isso acontece enquanto novos recrutas estão sendo tentados a entrar no Exército por 204.000 rublos (aproximadamente R$ 12.100) como parte de uma campanha oficial anunciada publicamente.

Dmitry afirma que, embora as posturas em relação à Ucrânia possam variar, ninguém no Exército acredita nos relatórios oficiais sobre as coisas indo bem na linha de frente ou sobre poucas baixas.

Os documentos de Dmitry Mishov mostram sua patente e posição no Exército
Os documentos de Dmitry Mishov mostram sua patente e posição no Exército
Foto: BBC News Brasil

"Nas Forças Armadas, ninguém acredita nas autoridades. Eles conseguem ver o que realmente está acontecendo. Não são civis na frente da televisão. Os militares não acreditam nos relatórios oficiais, porque eles simplesmente não são verdadeiros."

Ele conta que, embora nos primeiros dias da guerra o comando russo afirmasse que não havia baixas ou perdas de equipamentos, ele conhecia pessoalmente alguns dos que haviam sido mortos.

Antes da guerra, a unidade dele tinha entre 40 e 50 aeronaves. Nos primeiros dias após o início da invasão russa, seis foram abatidas e três destruídas em solo.

As autoridades russas raramente reportam baixas militares. Em setembro do ano passado, o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, disse que a Rússia havia perdido cerca de 6 mil homens, um número que a maioria dos analistas, incluindo blogueiros militares pró-Kremlin, considerou subestimado.

Na parte mais recente de um projeto de pesquisa que identifica militares russos mortos na guerra na Ucrânia, a jornalista Olga Ivshina, do serviço de notícias russo da BBC, compilou uma lista de 25 mil nomes e, em muitos casos, patentes de soldados e oficiais. Os números reais, incluindo os desaparecidos em ação, ela acredita, são muito maiores.

Dmitry descreve as perdas entre as tripulações de aeronaves militares como extremamente altas. Isso corresponde às descobertas de uma investigação que a jornalista Olga Ivshina vem conduzindo — ela descobriu que a Rússia perdeu centenas de militares altamente qualificados, incluindo pilotos e técnicos, cujo treinamento é demorado e caro.

"Agora eles podem substituir os helicópteros, mas não há pilotos suficientes", diz Dmitry. "Se compararmos isso com a guerra no Afeganistão na década de 1980, sabemos que a União Soviética perdeu 333 helicópteros lá. Acredito que sofremos as mesmas perdas em um ano."

A grande fuga

Em janeiro deste ano, Dmitry foi informado de que seria enviado "em uma missão".

Percebendo que isso poderia significar apenas uma coisa — ir para a Ucrânia —, ele recorreu a uma tentativa de suicídio. Ele esperava que isso levasse à sua baixa por motivos de saúde. Mas isso não aconteceu.

Enquanto se recuperava no hospital, ele leu um artigo sobre um ex-policial de 27 anos da região de Pskov que escapou com sucesso para a Letônia. Dmitry decidiu seguir o exemplo dele.

"Eu não estava me recusando a servir no Exército em si. Eu serviria ao meu país se enfrentasse uma ameaça real. Estava me recusando apenas a ser cúmplice de um crime."

"Se eu tivesse embarcado naquele helicóptero, teria tirado a vida de várias dezenas de pessoas, no mínimo. Não queria fazer isso. Os ucranianos não são nossos inimigos."

Dmitry procurou ajuda nos canais do Telegram para traçar uma rota de fuga por meio da floresta na fronteira com a União Europeia. Ele levou consigo apenas o mínimo necessário em uma mochila.

Ele conta que caminhar pela floresta foi assustador pois temia ser parado pelos guardas de fronteira.

"Se eles tivessem me prendido, eu poderia ter ido para a prisão por um longo tempo."

Ele lembra que em determinado momento uma aeronave foi lançada em algum lugar perto dele, e depois outra. Ele entrou em pânico pensando que eram guardas de fronteira vindo atrás dele e começou a correr.

"Eu não conseguia ver para onde estava indo, meus pensamentos estavam confusos."

Ele chegou a uma cerca de arame e passou para o outro lado dela. Logo ele soube que havia conseguido.

Uma reconstituição do momento em que Dmitry sentiu que poderia respirar livremente
Uma reconstituição do momento em que Dmitry sentiu que poderia respirar livremente
Foto: BBC News Brasil

"Finalmente consegui respirar livremente."

Dmitry supõe que as autoridades russas vão abrir um processo criminal contra ele. Mas acredita que muitos de seus companheiros no Exército vão entender sua motivação.

Alguns até o haviam aconselhado a tentar se esconder na própria Rússia, mas ele acredita que mesmo em um país tão vasto não conseguiria escapar de ser encontrado e punido por deserção.

Ele não sabe o que vai acontecer a seguir com ele.

Mas Dmitry diz que prefere tentar começar uma vida nova na União Europeia do que ficar aflito em casa.

Editado por Kateryna Khinkulova.

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