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Guerra na Ucrânia: crianças sem comida no frio congelante, o drama na cidade sitiada de Mariupol

Alvo é estratégico para a Rússia e está sob fortes bombardeios há nove dias. Centenas de milhares de pessoas estão presas lá, dizem autoridades ucranianas, que denunciam que ataques criaram uma crise humanitária.

10 mar 2022 - 19h14
(atualizado às 19h32)
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Mariupol está sob ataque há nove dias
Mariupol está sob ataque há nove dias
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Muitas pessoas na cidade ucraniana sitiada de Mariupol ficaram sem comida para seus filhos, de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Eles também dizem que não há água ou aquecimento na cidade, onde mais de 400 mil pessoas estão cercadas pelas forças russas.

A equipe do CICV em Mariupol diz que as pessoas estão brigando entre si por comida e roubando combustível dos carros de outros.

Todas as lojas e farmácias foram saqueadas e, como não há abastecimento de gás e a temperatura à noite deve cair para -5°C, será muito difícil se manter aquecido.

A equipe do CICV está alertando que as pessoas já estão ficando doentes.

Na quinta-feira (10/3), pessoas que têm entes queridos presos dentro da cidade estavam tentando desesperadamente ligar para eles.

Dmytro Gurin, um parlamentar ucraniano que cresceu em Mariupol e cujos pais estão presos lá, disse que conseguiu falar com seus vizinhos pela última vez há quatro dias.

"Conversamos por 30 segundos depois que eles foram para um local com sinal - há alguns desses locais que as pessoas conhecem", disse Gurin.

"Eles disseram que meus pais estavam vivos, morando no porão do prédio deles. Não é um abrigo com luz, água e banheiro, é um porão sem nada."

Gurin disse que seus pais estavam usando neve para beber água e tentando cozinhar em uma fogueira do lado de fora.

"Você pode tentar imaginar isso? Seus pais, 67 e 69 anos, estão bebendo neve e tentando cozinhar em uma fogueira no inverno, e há bombardeios contínuos", disse ele.

Rússia atacou maternidade
Rússia atacou maternidade
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Isso não é mais guerra. Isso não é exército contra exército. É a Rússia contra a humanidade."

Arthur Bondarenko, um distribuidor de café de 35 anos em Odessa, disse que estava enviando mensagens todos os dias para seus amigos íntimos, um casal com um filho de 6 anos.

"Todos os dias eu mando uma mensagem para eles e digo: 'Olá, bom dia, como você está?' Nenhuma das mensagens chega até eles."

Bondarenko disse que falou com o casal pela última vez em 2 de março. "Eles não tinham água, eletricidade, aquecimento e não havia abrigo embaixo da casa."

Mariupol é um alvo estratégico importante para a Rússia, porque tomá-la permitiria que rebeldes apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia unissem forças com tropas na Crimeia, península anexada pela Rússia em 2014.

A cidade está há nove dias sob bombardeio pesado, que vem destruindo prédios de apartamentos e arrasando áreas residenciais.

Imagens verificadas pela BBC mostraram bombardeios na quinta-feira, confirmando uma declaração do conselho da cidade de que o ataque estava em andamento.

Cidade vive crise humanitária, dizem autoridades
Cidade vive crise humanitária, dizem autoridades
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Dmytro Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, disse que a situação em Mariupol era a mais difícil do país.

Na quarta-feira, três pessoas - dois adultos e uma menina - foram mortas em Mariupol e 17 ficaram feridas em um ataque devastador que destruiu uma maternidade e uma ala infantil de um hospital.

Diana Berg, uma moradora de Mariupol que conseguiu fugir com o marido, disse que soube do ataque por meio das notícias.

"Ontem foi a coisa mais brutal e chocante", disse ela. "Aquele hospital é muito perto de onde eu morava, estive lá uma semana antes, meu médico de família é de lá. Não sei se ele ainda está vivo", disse Berg.

Berg também não consegue falar com a sogra desde sábado (6/3) e não sabe se ela está viva ou morta.

"Ela mandou uma mensagem no dia seguinte à nossa partida para dizer que ela estava viva e sabia que ainda estávamos vivos", disse Berg. "Desde então não sabemos nada."

As autoridades municipais finalmente conseguiram começar a enterrar corpos que estavam nas ruas, disse o vice-prefeito Serhiy Orlov à BBC na quinta-feira.

Autoridades da cidade estimam que 1,3 mil civis foram mortos até agora, disse Orlov. "Por causa do grande número e do bombardeio contínuo, eles estão sendo colocados em valas comuns."

Berg disse que as notícias das valas comuns se espalharam pelos grupos de bate-papo do aplicativo Telegram que as pessoas estão usando para monitorar a situação dentro da cidade.

"Não temos notícias de nossos amigos, tudo o que sabemos é que eles podem ser enterrados nessas valas comuns", disse ela.

Inúmeras tentativas de evacuação planejadas para os moradores de Mariupol desmoronaram nos últimos cinco dias depois que as forças russas voltaram a bombardear a cidade, apesar dos acordos de cessar-fogo.

Falta de medicamentos

Orlov disse que as autoridades da cidade estão prontas a qualquer momento para colocar em prática os planos de evacuação, mas nenhum acordo foi alcançado com a Rússia sobre o estabelecimento de um corredor humanitário.

Orlov disse que um grupo de cem cidadãos tentou deixar Mariupol na quinta-feira em um carro particular e passou por um posto de controle ucraniano, mas foi forçado a recuar quando as forças russas dispararam perto dos carros, bloqueando seu caminho.

Os próprios pais e irmão de Orlov ainda estavam presos dentro de um bairro de Mariupol fortemente bombardeado, disse ele, e ele não conseguia alcançá-los há nove dias.

Oleksandr Protyah, um professor de inglês de 43 anos, disse que sua mãe e um amigo próximo ficaram presos dentro da cidade e seu amigo pode ter ficado sem remédio para diabetes.

"Consegui arranjar insulina para ela no primeiro dia da guerra, mas acabou ou vai acabar em breve", disse ele. "Esta é uma catástrofe humanitária."

Também haverá em breve uma crise alimentar, disse Gurin. "A próxima coisa será a fome", disse ele. "Isso não é uma piada, em uma semana você terá fome no centro da Europa."

Respondendo ao ataque ao hospital Mariupol na quarta-feira, o prefeito de Mariupol, Vadym Boychenko, disse: "Como isso pode ser justificado? Este é um genocídio organizado pela Rússia contra nosso povo".

A Rússia afirmou na quinta-feira que a maternidade destruída no ataque havia sido tomada por tropas ucranianas muito antes de ser atingida, mas imagens da agência de notícias Associated Press mostraram uma equipe médica do lado de fora após a explosão e uma mulher grávida sendo carregada para fora do prédio em uma maca.

"Graças a Deus a maioria das pessoas já estava no abrigo antiaéreo", disse Orlov, vice-prefeito. "Caso contrário, teria sido muito pior."

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, chamou o ataque de "atrocidade" e reiterou seu pedido para que as potências mundiais imponham uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia - um pedido que até agora foi negado.

O ministro das Relações Exteriores, Kuleba, disse na quinta-feira que seu colega russo, Sergey Lavrov, havia dito às autoridades ucranianas que a Rússia continuaria a atacar até que a Ucrânia atendesse a todas as suas demandas, incluindo a rendição.

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