Guerra na Ucrânia: Lviv tenta proteger tesouro artístico da ofensiva russa
Milhares de obras de arte e artefatos foram cuidadosamente removidos e levados para locais subterrâneos secretos ou para porões que funcionam como depósitos.
Em uma sala do Museu Nacional de Lviv, um enorme andaime está vazio. Em outro, os suportes pendem frouxamente das paredes.
Pedestais aparecem vazios ao longo dos corredores, e estrados de madeira e caixas de papelão estão espalhadas pelo chão. Funcionários usaram o que tinham à mão para embalar às pressas os valiosos artefatos do museu.
Enquanto outras partes da Ucrânia foram devastadas pelo bombardeio russo, a esplendorosa cidade de Lviv, no oeste ucraniano, permaneceu intocada, até agora. Mas está se preparando para a guerra. Alguns preparativos já estão nas ruas - os postos de controle nas estradas principais e a presença dos soldados -, mas alguns cuidados estão ocorrendo a portas fechadas.
Em galerias, museus e igrejas de Lviv, está em curso uma grande operação para proteger o patrimônio cultural da cidade. Milhares de obras de arte e artefatos foram cuidadosamente removidos e levados para locais subterrâneos secretos ou para porões que funcionam como depósitos.
Ihor Kozhan, diretor do Museu Nacional de Lviv - o maior museu de arte da Ucrânia - levou a BBC em uma visita por salas agora vazias, que pareciam ter sido saqueadas. Espaços climatizados, que geralmente abrigam obras de arte, ícones e manuscritos que datam do século XIV, estavam vazias.
Quase todos os 1.500 artefatos em exibição já foram removidos do museu. Os outros 97% da coleção - 180 mil peças no total - já estavam armazenados de alguma forma.
"Tudo, tudo se foi", disse Kozhan.
Apesar de supervisionar a operação, Kozhan ficou impressionado com a velocidade com que a iconóstase Bohorodchany - um agrupamento de pinturas de arte sacra do século 17, medindo 10 por 8 metros, e uma das peças mais valiosas do museu - foi desmontado por sua equipe.
Originalmente foram seis meses para o conjunto ser pendurado, peça por peça, e menos de seis dias para ser desmontado do andaime e guardado, disse ele.
Escondendo novamente
Construída e pintada ao longo de sete anos a partir de 1698, a iconóstase (uma espécie de parede ou biombo com ícones, mais comum no cristianismo oriental) representa o ápice da obra do pintor de ícones Yov Kondzelevych.
Está em Lviv desde 1924, quando o arcebispo da Igreja Greco-Católica Ucraniana o trouxe de volta à Ucrânia, vindo da Polônia.
Foi desmontado e escondido dos nazistas em 1939, proibido de ser exibido durante a era soviética, meticulosamente restaurado em 2006 e agora desmontado mais uma vez.
Não havia plano para a retirada das peças do museu antes da invasão, iniciada há duas semanas, disse Kozhan - nem mesmo depois que a Rússia começou meses atrás a enviar tropas em massa ao longo das fronteiras da Ucrânia.
"Não havia plano porque ninguém poderia imaginar que isso aconteceria", disse ele. "Não tínhamos nenhum plano - nem antes da guerra, nem mesmo em dezembro. Você deve entender, não acreditávamos que chegaria a isso."
Em Lviv, autoridades culturais e religiosas estão realizando operações complexas para embrulhar estátuas, selar vitrais e esconder artefatos sagrados.
Na praça principal da cidade, fontes com esculturas de deuses e deusas gregos foram envoltas em tecido contra chamas e outras proteções para evitar quedas.
"No começo foi um pouco caótico, mas ficou mais organizado", disse Liliya Onischenko, chefe do departamento encarregado de preservar o patrimônio de Lviv.
"Estamos fotografando tudo antes de retirar e estamos fotografando todas as peças nos lugares onde estão escondidas", disse ela.
Onischenko disse que a prioridade é proteger os vitrais do centro histórico da cidade, um patrimônio mundial da Unesco cuja arquitetura foi construída ao longo de séculos por diferentes nacionalidades - poloneses, austríacos, húngaros, alemães, armênios - à medida que a região mudou de controle.
Na catedral armênia, uma valiosa escultura de madeira do século 15 que retrata Cristo na cruz foi removida pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial e levada para um lugar secreto e seguro.
Outros artefatos além dessa escultura foram removidos, disse o diácono, Armen Hakopian, mas ele não quis dar mais detalhes. "O que precisava ser retirado foi retirado", disse ele, com um sorriso.
As janelas ao lado da catedral armênia de 850 anos são simples, porque o vitral original foi destruído na década de 1940 pelo bombardeio alemão. Mas, na parte de cima, vitrais permanecem na cúpula e nas partes altas da igreja.
As instituições de Lviv tiveram tempo para se preparar. E eles ainda podem escapar da violência. Mas há grandes temores pelos tesouros culturais, religiosos e arquitetônicos nas partes da Ucrânia sob ataque.
Já houve danos significativos. Os vitrais e a nave da Catedral da Assunção, em Kharkiv, foram danificados pelos bombardeios russos.
Tropas russas teriam destruído uma igreja de madeira do século 19 na vila de Viazivka em Zhytomyr. E um museu em Ivankiv, ao norte de Kiev, foi demolido, destruindo 25 obras da artista folclórica ucraniana Maria Prymachenko.
Kozhan, o diretor do museu nacional, disse temer que a destruição da cultura ucraniana seja parte do objetivo da Rússia, e por isso a preocupação com os tesouros de Lviv.
"Se o mesmo dano ocorrer aqui como em Kharkiv ou Mariupol, seria uma tragédia terrível", disse ele.
"Este é um lugar de memória histórica. Os museus aqui guardam a história da nação. Eles nos dão uma compreensão de quem fomos, quem somos e quem seremos.
"A Rússia quer destruir isso."
O trabalho de retirar as peças do museu nacional estava praticamente concluído na quarta-feira - apenas algumas caixas de papelão com manuscritos foram deixadas perto das portas, ao lado de uma escultura caída no chão - uma das várias peças que eram pesadas demais para serem transferidas e que terão de ser protegidas de outras maneiras.
Os artefatos que foram movidos para o subsolo têm uma luta contra o tempo - um período muito longo sem controle climático adequado e eles começam a se degradar, disse Kozhan.
E eles provavelmente não sobreviveriam a um ataque direto, disse ele, com um longo suspiro, porque os bunkers não são projetados para resistir a bombas potentes.
"Espero que possamos trazer as peças de volta em breve", disse ele. "É difícil para mim estar aqui nestas salas e corredores vazios. Poderíamos ter caminhado o dia inteiro aqui juntos olhando nossa história e nossa arte."
Kozhan não quis estimar em quanto estaria avaliado esse acervo.
"Claro que não há um valor", disse ele.
"Se essas coisas forem destruídas, não poderão ser refeitas."
Svitlana Libet contribuiu nessa reportagem.
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