Guerra na Ucrânia: o bombardeio russo que destruiu uma família em Irpin
Mulher relata o momento em que o marido e o filho foram mortos em um ataque russo na cidade de Irpin.
"Ele era tudo o que eu poderia sonhar, um exemplo do que um homem deveria ser", diz Maryna.
"Ele era o centro da nossa família, nossa fortaleza e nosso coração. Ele fez meus sonhos mais profundos se tornarem realidade."
Marido de Maryna por 34 anos, Myhailo foi morto pelas forças russas em 6 de março, na cidade de Irpin, nos arredores da capital, Kiev.
Esta é a história de um bombardeio que atingiu um apartamento e destruiu uma família — mas quase três semanas depois da invasão russa, há inúmeras outras famílias como esta em toda a Ucrânia.
Maryna quer contar sua história em nome de Myhailo, 54 anos, e do filho Serhiy, de 32, que também foi morto no ataque.
Aviso: Alguns leitores podem achar os detalhes desta história perturbadores.
Conversamos por videochamada, já que Maryna está agora abrigada com parentes distantes no oeste da Ucrânia, junto com a filha Yanna e o neto. O menino de três anos se chama Myhailo, em homenagem ao avô que ele adorava.
Maryna aparece na minha tela com a aparência cansada e vestindo preto. E suas palavras jorram em uma torrente de dor, luto e raiva.
"Quando uma pessoa é morta em algum lugar", ela me diz, "a polícia procura o assassino. Há um processo judicial. A pessoa é punida. Agora não é apenas uma pessoa sendo morta, são muitas. A nação está sendo morta. Quero que o mundo veja quem está fazendo isso para que Putin e seu regime sejam culpados pelo assassinato dos meus entes queridos".
Quando os russos começaram a atacar Irpin, Maryna, o marido e o filho deixaram seu apartamento e se mudaram para a casa da filha nas proximidades. No dia do ataque, repetidos bombardeios os levaram ao estacionamento subterrâneo.
À noite estava mais calmo, então eles subiram até o apartamento no 15º andar para pegar um pouco de comida e dar banho no neto.
"Fizemos tudo rapidamente", diz ela, "depois ouvimos um estrondo de trovão. Myhailo e Serhiy nos empurraram para longe — eu, minha filha e meu neto. Conseguimos sair, mas eles não. Senti um assobio nos ouvidos, e algo quente na minha pele. Não sabia o que tinha acontecido, mas sabia que estava viva."
Um projétil atingiu o quarto do apartamento, que explodiu de ponta a ponta.
Do lado de fora, no corredor, ela começou a chamar pela família, e encontrou a filha e o neto, pelo tato. Eles estavam assustados, mas ilesos — foram salvos por um colchão que caiu em cima deles.
"Comecei a chamar pelo meu marido e meu filho", recorda.
"Eu estava chamando: 'Serhiy, Misha'. Meu filho respondeu. Segui sua voz e encontrei o apartamento. Meu marido estava na porta da casa. Se ele tivesse conseguido avançar apenas mais alguns centímetros, saindo do apartamento, isso teria salvo sua vida. A parede de concreto caiu toda sobre ele."
Serhiy estava vivo. "Meu filho estava gritando: 'Mamãe, não venha aqui. Corra! Fuja daqui e leve Yanna e o bebê com você'. Percebi que ele não conseguia se mexer. E disse: 'Querido, por favor, espere, vou voltar para (buscar) você'."
Maryna, Yanna e o pequeno Myhailo foram tateando escada abaixo em meio à fumaça e à poeira — degrau por degrau, aterrorizados. No estacionamento, ela implorou aos vizinhos por ajuda.
"Os homens foram primeiro", diz ela, "num piscar de olhos. Eles desceram e disseram que alguém estava vivo, mas não havia nada que pudessem fazer. Pedi lençóis e ataduras e disse que eu mesma iria lá".
"Uma médica foi comigo. Encontramos meu filho, ainda totalmente consciente. Seu estômago estava dilacerado e suas pernas estavam quebradas. Ele disse: 'Mãe, eu não consigo suportar. Me mate agora. Meu filho morreu nos meus braços, sem pedir nada, apenas xingando Putin."
Os planos de Serhiy morreram com ele — suas expectativas de se estabelecer e ter uma família.
"Nunca poderei ver os filhos do meu filho", diz Maryna.
"Putin não matou apenas meu filho e meu marido. Ele matou minha família."
A esposa e mãe enlutada tem seu próprio nome para a "operação militar especial" do líder russo, como ele chama. Segundo ela, é uma "operação especial de bombardeio".
Uma casa bombardeada pode ser um acaso, ela argumenta, mas não centenas de casas em toda a Ucrânia. Maryna acredita que os russos atacaram residências deliberadamente em Irpin.
"Os tanques se deslocaram de um lugar para outro, para obter a melhor visão", ela me diz.
A mulher de 53 anos rejeita com veemência o argumento de Putin de que sua missão é proteger os falantes de russo.
"Ele não precisava me resgatar", diz ela.
"Nunca fui oprimida. Tenho falado russo toda a minha vida. Poderia viajar. Poderia falar a língua que eu quisesse. Comecei a falar ucraniano como uma forma de protesto (como muitos outros). Putin me ensinou a amar minha pátria ainda mais."
Esta é a segunda vez que a longa sombra da Rússia paira sobre Maryna e sua família. Em 2014, ela e Myhailo tinham acabado de se mudar para a "casa dos sonhos" na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, quando rebeldes apoiados pelo Kremlin entraram em guerra com o governo ucraniano.
Eles tiveram que fugir e se estabeleceram em Irpin, onde a história — ou a versão russa dela — se repetiu.
Ironicamente, muitos que fugiram do leste começaram uma vida nova em Irpin e na vizinha Bucha — e ambas cidades foram alvo de incansáveis bombardeios russos.
Maryna diz que cada dia é mais difícil agora, já que sua perda está infiltrada até nos ossos.
"Você acorda de manhã, e a pessoa de quem você é mais próxima não está lá, aquela que sempre disse 'bom dia' e fez um café para você. Não há ninguém que possa vir e te abraçar se você não estiver de bom humor."
Myhailo era engenheiro mecânico e adorava a família. "Ele era um pai diferente de muitos, talvez porque passava todo o tempo com os filhos", conta Maryna.
"Quando o neto nasceu, ele fez o mesmo. E ensinou muitas coisas a ele".
Maryna afirma que ela e Myhailo eram "grandes sonhadores", sempre planejando o futuro. Agora, no lugar dos sonhos, há uma preocupação corrosiva pela família que restou.
"Meu neto não sabe que seu avô e tio faleceram", diz ela.
"Ele tem medo de barulho. Quando ouve um som, pergunta se são os bandidos atirando. Preciso salvar minha filha e meu neto e tirá-los da guerra."
Por um curto período de tempo, parecia que eles haviam conseguido fugir da ameaça ao chegar à cidade de Lviv, perto da fronteira polonesa. Mas no início da manhã de domingo, a cidade também foi atingida, com um ataque de míssil de cruzeiro matando 35 pessoas em uma base de treinamento militar.
Na Ucrânia, agora é seguro assumir que nenhum lugar é seguro.
Tendo sido privada do marido e do filho, Maryna implora às nações ocidentais que imponham uma zona de exclusão aérea.
"Estou pedindo para vocês protegerem o céu sobre a Ucrânia", diz ela.
"Não deixe que atirem em nós. A Ucrânia está protegendo toda a Europa, e não vamos conseguir isso sozinhos."
Dez dias depois, Irpin continua sob bombardeio, e a maioria dos 60 mil moradores da cidade fugiu. Myhailo e Serhiy ainda jazem não sepultados nas ruínas do apartamento — um tormento para Maryna.
"Meu marido e meu filho ainda estão naquele quarto", diz ela.
"Eu não poderia enterrá-los sozinha. Não há serviço funerário, nem médicos, nem necrotério. Espero que haja uma maneira de sepultá-los, com seus nomes nas sepulturas. Quero que haja uma cruz, e quero ir visitar."
Uma bomba, um apartamento e uma família são o reflexo da brutalidade da invasão russa e da agonia da Ucrânia.
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