Guerra na Ucrânia: os cidadãos que cavam trincheiras para lutar contra tropas russas em florestas
Nas entranhas das florestas fora da capital da Ucrânia, Kiev, combatentes amadores se preparam para o campo de batalha.
A cada dia que passa, aumenta a tensão na capital ucraniana, Kiev.
Postos de controle, barricadas e bloqueios nas estradas surgem nas ruas imponentes do centro da capital ucraniana e nas rodovias próximas. Armadilhas espinhosas contra tanques foram instaladas em locais estratégicos.
As tropas estão mais atentas e inspecionam todos os carros. Alguns ainda sorriem e dizem "bem-vinda", mas muitos parecem distraídos, já concentrados na batalha que está por vir.
Parece que as forças ucranianas na capital estão posicionadas e prontas para lutar. Esta cidade antiga, com suas fachadas elegantes e abóbadas nas igrejas, agora está em pé de guerra.
O avanço russo claramente não está saindo como o planejado para o presidente Vladimir Putin. Na segunda semana, suas tropas e tanques ainda estavam fora da capital ucraniana, mas talvez não por muito tempo. As forças ucranianas com quem falamos na quinta-feira (3/3) esperam que os russos cheguem a Kiev em poucos dias.
Por isso, no meio da floresta nos arredores da cidade, membros das unidades de defesa territorial da Ucrânia estão cavando trincheiras.
"Bem-vindos à nossa festa", disse o soldado que nos trouxe, após uma viagem cheia de solavancos na traseira de um caminhão militar cheio de caixas de munição.
A cena apresenta certas reminiscências da Segunda Guerra Mundial. Não há máquinas pesadas, apenas uma pá ou serra em cada mão. Bloquear o caminho das forças russas é algo urgente a fazer. Não conseguimos identificar o local. Um homem empunha uma motosserra, lutando contra um pinheiro que teima em ficar ali.
Mykhaylo desaparece na floresta. Esse programador de computadores de 25 anos de idade fica em pé, orgulhoso e totalmente camuflado. Ele entrou para uma das unidades de defesa territorial no início deste ano e teve apenas alguns dias de treinamento, mas insiste que está pronto para o combate.
"Não tenho medo", disse ele firmemente. "Estamos preparados e temos muita gente forte ali. É bem possível que os russos nem mesmo venham para cá. Tenho muita confiança nas nossas forças armadas. Se os russos chegarem até aqui, nós os expulsaremos."
Perto daqui, outros soldados (alguns veteranos, outros voluntários mais jovens) estão em um curso intensivo de primeiros-socorros no campo de batalha. Eles estão aprendendo como aplicar um torniquete nos membros de outras pessoas ou deles próprios, deitados no chão. O objetivo é evitar perdas de sangue desastrosas, que são uma das principais causas de morte nas guerras.
"Eles precisam saber como podem salvar a si próprios e aos seus amigos", segundo Olga, com seus longos cabelos castanhos cobertos pelo gorro de lã preto. "Não temos tempo para mostrar tudo, então estamos mostrando o mais importante."
Ela própria não é paramédica - ela trabalha em compra de suprimentos - mas está passando adiante o que sabe. Enquanto falávamos, ela foi distraída pelo barulho inesperado de um tiro.
Ela espera que a aula de hoje em breve possa ser colocada em prática, se e quando as forças russas invadirem a cidade. "Infelizmente, acho que faltam poucos dias e estamos com medo. Mas é a nossa cidade, é o nosso país, e precisamos lutar."
Desde que a invasão começou, muitos ucranianos formam filas em temperaturas congelantes para alistar-se voluntariamente nas unidades de defesa territorial em Kiev. Em uma das filas, conhecemos Denys, que é advogado e ativista anticorrupção, embaixo de uma neve fina. Ele tem 36 anos de ida
"Estou me preparando para lutar com meus amigos pela minha pátria", contou ele. "Agora, somos guerreiros e defenderemos o país do agressor contra a ocupação. Lutaremos até a nossa última gota de sangue."
Como muitos outros por aqui, ele acredita que existe muito mais em jogo que o futuro da Ucrânia. "Lutaremos até o fim e venceremos", diz ele. "Não temos escolha, pois esta é a luta pela democracia, pela liberdade, pelos direitos humanos. Lutaremos pela Ucrânia, pela Europa e pelo mundo."
Havia camaradagem na fila, com pessoas oferecendo chá quente em garrafas e café com leite de banana. Está muito difícil conseguir leite fresco.
Um homem robusto com 28 anos de idade chamado Pavlo disse que, se não conseguir uma arma (elas estão em falta), ele "mataria os invasores com as próprias mãos". Oito dias atrás, ele era gerente de uma loja.
"Esta é a minha cidade", afirma ele. "Conheço todas as ruas, pedras, árvores e construções. Eu vou defender esta cidade. Minha família está aqui. Eu sei onde eles estão escondidos. A única opção é vencer."
Para outras pessoas da cidade, ainda existe um sentimento de choque profundo por Moscou ter invadido o solo ucraniano e tentar tomar a capital.
"Você não espera isso de um vizinho", afirma Lilya Romanova, diretora de vendas de 39 anos de idade e mãe de duas filhas pequenas. Nós a conhecemos no abrigo antibombas do seu bairro.
"Nós nunca imaginamos que teríamos que explicar aos nossos filhos o que é a guerra", disse ela, "e a Rússia é o agressor. Nós costumávamos ensinar as crianças a falar russo, mas agora não mais. Agora, existe apenas a língua ucraniana. Até a minha avó está aprendendo, com 90 anos de idade."
O som típico da cidade agora é uma mistura surreal de silêncio e sirenes, intercalada pelo ruído surdo das explosões, especialmente à noite. Está começando a haver mais postos de controle que cafeterias. "Parece [o jogo eletrônico de tiro] 'Call of Duty - Ucrânia", segundo nosso jovem tradutor.
Kiev parece um campo de batalha à espera do inimigo.
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