Huawei: com presença pequena no Brasil, chinesa é grande nos países vizinhos
A empresa cresceu vertiginosamente em diversos países da região, embora apenas recentemente tenha se voltado ao Brasil; mas restrições impostas pelos EUA deixam analistas cautelosos quanto a expansões futuras.
Enquanto em algumas partes do mundo as portas se fecham à Huawei em decorrência de restrições impostas pelos Estados Unidos, a empresa chinesa vê surgirem oportunidades de negócios na América Latina.
Na noite de quinta-feira (24/5), o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou um "investimento imediato" em tecnologia da Huawei para instalar uma rede móvel 4G em todo o território venezuelano.
"Ordenei um investimento imediato junto a nossos irmãos chineses, e a tecnologia da Huawei, da ZTE e de todas as empresas chinesas e de todas as empresas russas, para que elevemos a capacidade de todo o sistema de comunicação e façamos com que o sistema 4G vire realidade", afirmou Maduro em um ato em Caracas.
Maduro criticou as medidas tomadas pelo governo de Donald Trump, que nesta semana proibiu empresas americanas de fazer negócios com a Huawei, a qual acusa de tentar espionar os EUA, por meio de sua rede de telecomunicações - algo que a empresa nega.
Na prática, as medidas americanas implicam que os celulares da empresa chinesa não terão capacidade de instalar no futuro apps do Google e, além disso, a Huawei tampouco poderá comprar, nos EUA, peças e componentes essenciais para a produção de seus equipamentos e aparelhos.
Apesar das dúvidas que pairam sob a possibilidade real de Maduro investir quantias milionárias em tecnologias da Huawei - no momento em que a Venezuela enfrenta sua pior crise econômica em mais de um século -, a oferta do líder venezuelano traz à luz a acolhida que a empresa chinesa tem tido nos últimos anos e suas perspectivas de crescimento na região, inclusive no Brasil.
Uma marca entre as grandes
Nos últimos anos, a Huawei cresceu vigorosamente no mercado global, a ponto de converter-se no segundo maior fabricante de celulares do planeta, atrás apenas da Samsung.
A empresa também aumentou sua presença na América Latina de forma exponencial, especialmente no mercado de smartphones, onde sua fatia passou de 2,3% em 2013 a 9,4%, segundo levantamento da consultoria Euromonitor.
Para isso, cresceu a taxas de dois dígitos durante vários anos, sobretudo nos últimos três.
"Para a Huawei, 2017 marca um período antes e outro depois. Antes desse ano, a empresa era apenas mais um concorrente na região e, a partir daí, teve um impulso fortíssimo", disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Ricardo Mendoza, analista de dispositivos móveis da consultoria IDC. "Em 2018 e até o momento em 2019, viveu seu maior crescimento na região."
O especialista indica que, graças a esses avanços, a Huawei se colocou na posição de poder competir pela liderança dos mercados de smartphones na América Latina.
"A empresa conseguiu ficar no top 3 em muitos países da região, como México, Colômbia, Peru e na América Central", afirma.
No final de 2018, a Huawei chegou a liderar o mercado peruano, enquanto se consolidou na segunda posição no Chile e na Colômbia, afirma Tina Lu, analista da consultoria Counterpoint, no site da instituição.
"Na Colômbia, a Huawei se converteu na segunda maior marca de 2018 e também na principal marca chinesa, com uma fatia de 25% do mercado", apontou Lu.
A empresa também briga pela liderança no México, seu maior e mais importante mercado na região.
"Aqui (no México) não há mais do que cinco marcas que dominam a maior parte do mercado e a diferença em fatia de mercado entre as três primeiras já não é tão grande", explica Oliver Aguilar, gerente de investimentos em telecom e consumo do IDC no país. "A briga pelo primeiro lugar está aberta e tem variações rápidas. O 'top 3' (das empresas) chegou a acumular mais de 60% do mercado, com diferenças mínimas entre elas."
Atualmente, a Huawei tem operações em quase todos os países da América Latina.
Em 14 deles sua fatia de mercado supera os dois dígitos e, em quatro deles, passa dos 20%, segundo o Statcounter, serviço que mede o tráfico de internet para buscar dados que permitam quantificar quais são as empresas fornecedoras dos smartphones conectados à rede.
Brasil e Argentina: menor solidez
Ao mesmo tempo, Ricardo Mendoza, da consultoria IDC, aponta que Brasil e Argentina são os países onde a Huawei ainda não tem uma estratégia sólida.
O especialista diz que a empresa chinesa programava grandes investimentos na Argentina, mas adiou-os por conta do recrudescimento da crise econômica no país no ano passado.
No caso do Brasil, a empresa tentou entrar no mercado em 2014, mas teve poucos resultados, motivo pelo qual recuou. Mas retomou suas atividades no mercado brasileiro no último mês, com o lançamento de dispositivos da linha P30, uma de suas mais caras e sofisticadas, além de anunciar planos de produzir celulares localmente a partir do segundo semestre.
No panorama geral, o que a empresa tem a seu favor na América Latina?
"A qualidade de seus produtos, suas boas câmeras e, sem dúvida, seus preços competitivos a ajudaram a ser exitosa na região", opina Jorge Araya, analista da Euromonitor, à BBC News Mundo.
Já Ricardo Mendoza afirma que deu certo, na maioria dos mercados, a estratégia da empresa de começar oferecendo dispositivos de baixo custo e em seguida introduzir aparelhos para atender o mercado consumidor de poder aquisitivo mais alto.
Ao mesmo tempo, a empresa faz grandes investimentos em publicidade, afirma o analista. "Realmente vemos a publicidade da empresa em todo lugar aqui no México."
A empresa já patrocinou a seleção de futebol do Panamá, os times Alianza Lima, Sporting Cristal (Peru), Santa Fe (Colômbia), Emelec (Equador), América de México, Bolívar (Bolívia) e Boca Juniors e River Plate, na Argentina, entre outros.
Oliver Aguilar, da consultoria IDC, destaca que no caso do México, a Huawei focou em dois setores estratégicos: os jovens (na tentativa de fidelizar consumidores no início de sua vida como consumidor de tecnologia) e os segmentos premium, mais valioso.
Para além do mercado de smartphones, a Huawei também entrou no setor de telecom em vários países da América Latina, a exemplo dos planos de Maduro para concluir a rede 4G na Venezuela.
Segundo relatório da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança de EUA e China (órgão americano de análise das relações bilaterais com os chineses) publicado em outubro passado, a Huawei trabalha com a maioria dos provedores de telecomunicações da região.
E obteve contratos para oferecer suporte e construir redes de telecom em mais de 20 países da América Latina e Caribe, incluindo Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Peru e Venezuela.
A empresa, que é pioneira no desenvolvimento da rede 5G, também pode ter papel determinante no desenvolvimento dessa nova tecnologia no continente.
Mas como isso pode ser impactado pelas restrições impostas pelo governo de Donald Trump?
Por enquanto, os analistas são cautelosos.
Jorge Araya, da Euromonitor, aponta que o recente anúncio do Google, suspendendo o acesso da Huawei a seus aplicativos, é uma ameaça à empresa chinesa.
"É difícil imaginar um aparelho eletrônico sem acesso aos principais serviços e apps oferecidos pelo Google", diz. "No entanto, ainda é cedo para prever um risco significativo para as vendas da empresa no longo prazo, já que ainda precisamos conhecer a estratégia da Huawei para enfrentar esse problema."
Tina Lu, da Counterpoint, também analisa as implicações das restrições americanas no avanço da Huawei no Brasil e na região.
"Em um cenário normal, os esforços da Huawei para entrar no Brasil provavelmente seriam bem-sucedidos e serviriam para expandir sua presença na América Latina. Mas, no atual ambiente geopolítico, (...) será difícil para a empresa manter seu momentum na região", opina.
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