Padre em renúncia: Igreja transformou vida de gay em inferno
Um padre católico que foi afastado da cúria após anunciar que é gay fez um ataque feroz à Igreja Católica.
Em uma carta aberta ao papa Francisco divulgada neste mês, o polonês Krysztof Charamsa, de 43 anos, acusou a Igreja de transformar "em um inferno" a vida de milhões de católicos gays no mundo.
Ele criticou o que chamou de hipocrisia do Vaticano ao proibir a ordenação de sacerdotes homossexuais, especialmente quando, segundo ele, o clero está "cheio de homossexuais".
O papa ainda não respondeu a carta. Até o último dia 3 de outubro, o monsenhor Charamsa tinha um cargo importante na Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, o departamento encarregado de manter a doutrina católica.
No entanto, ele foi afastado do posto imediatamente depois de, em uma entrevista coletiva em um restaurante de Roma, anunciar que é gay e apresentar seu companheiro, o catalão Eduard Planas.
A Santa Sé afirmou que a decisão do padre de sair do armário na véspera do sínodo do Vaticano sobre a família foi "irresponsável, já que ele tem a intenção de pôr a assembleia do sínodo sob pressão excessiva da imprensa".
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil no dia 14 de outubro, o padre defendeu o anúncio naquele momento por acreditar que "um sínodo que quer falar da família não pode excluir nenhum modelo familiar. Homossexuais, lésbicas e transexuais têm direito ao amor e a construir famílias".
"Sou um padre gay e estou feliz em poder dizer isso abertamente", disse.
'Direitos negados'
Semanas após a entrevista, Charamsa entregou à BBC uma cópia da carta que enviou ao papa, que fora escrita no mesmo dia do anúncio.
Nela, ele afirma que a Igreja "persegue" e causa "sofrimento imensurável" aos católicos homossexuais e a suas famílias.
"Ele diz ainda que após um "longo e atormentado período de discernimento e oração", tomou a decisão de "rejeitar publicamente a violência da Igreja para com as pessoas homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais e intersexuais."
O teólogo de 43 anos diz que, apesar de o clero católico estar "cheio de homossexuais", também é "frequente e violentamente homofóbico".
E pede a "todos os cardeais, bispos e padres gays (que) tenham a coragem de abandonar esta Igreja insensível, injusta e brutal".
Charamsa afirma que não consegue mais suportar "o ódio homofóbico da Igreja, a exclusão, a marginalização e o estigma de pessoas como eu", cujos "direitos humanos foram negados" pela Igreja.
Agradecimento
Na carta, no entanto, o padre também agradece ao papa Francisco – que ele diz ter uma atitude mais tolerante à homossexualidade do que alguns de seus predecessores – por algumas de suas palavras e gestos em relação aos homossexuais.
Em sua visita recente aos Estados Unidos, o pontífice se reuniu com um de seus ex-alunos gay e, antes disso, afirmou que homossexuais não deveriam ser marginalizados na sociedade.
Mas Charamsa afirma que as palavras do papa só terão valor quando a Santa Sé recuar de todas as declarações que ele considera ofensivas e violentas contra os homossexuais.
Ele também pede que a Igreja anule a decisão do papa emérito Bento 16, que assinou um documento em 2005 proibindo que homens com tendências homossexuais profundamente arraigadas se tornem sacerdotes.
O padre polonês qualificou de "diabólica" a declaração de Bento 16 de que a homossexualidade "é uma forte tendência disposta para um mal moral intrínseco" e criticou o Vaticano por exercer pressão sobre os Estados que legalizaram o casamento gay.
O sínodo terminou no domingo, mas não houve mudanças nas atitudes pastorais em relação aos gays católicos.
O documento final assinado pelos padres na assembleia reitera o ensinamento da Igreja de que os católicos gays devem ser recebidos com "respeito" e "dignidade", mas volta a declarar que "não há bases para nenhuma comparação, nem sequer remota, entre as uniões homossexuais e a designação de Deus para o matrimônio e a família".
Por votação, o sínodo aprovou um parágrafo que diz ser inaceitável exercer pressão sobre as igrejas locais que adotem políticas tolerantes perante uniões entre pessoas do mesmo sexo ou sobre organizações internacionais que dispõem de ajuda financeira de emergência a países pobres com leis "que permitam ou institucionalizem" o casamento entre pessoas do mesmo sexo.