Imigrantes ficam famosos dando dicas sobre vida no exterior
Na esteira da crise, canais no Youtube registram salto de popularidade e se tornam guias para brasileiros que querem deixar o País
O paulistano Thiago Deotti mora em Brisbane, na Austrália, desde 2013, e é uma celebridade no YouTube. Recentemente, seu canal de vídeos ─ em que compartilha dicas sobre a vida no país ─ ultrapassou 500 mil visualizações. E a marca foi atingida, em grande parte, graças ao mau momento político e econômico do Brasil.
Na esteira da crise, canais de vídeo como o de Deotti - assim como perfis no Facebook de pessoas que moram no exterior - registraram um salto de popularidade.
Eles se tornaram fonte de informação para levas de brasileiros que voltaram a acalentar o sonho de morar fora, atrás da suposta estabilidade das nações desenvolvidas.
Segundo cálculo feito pela Receita Federal, o número de declarações de saída definitiva do Brasil saltou 40% em 2015 na comparação com o ano anterior.
"Somente no último ano a audiência aumentou em 50%", calcula Deotti, que hoje é reconhecido nas ruas de Brisbane por outros brasileiros.
Ele lembra que, no começo, as postagens eram destinadas a amigos e familiares próximos. "É surpreendente ver a dimensão que alcançou", acrescenta ele.
O material produzido pelos expatriados engloba tudo o que diz respeito à vida fora do Brasil. Desde uma pesquisa de preços no supermercado até dicas para encontrar o primeiro emprego.
A fórmula é seguida por Mario Bortoletto. Morador de Dublin, na Irlanda, e criador do canal Marião na Europa , tornou-se referência para quem deseja imigrar para o país.
Bortoletto recebe todo tipo de pergunta - chegou a receber até uma oferta de casamento em troca de 10 mil euros (cerca de R$ 45 mil). O matrimônio permitiria ao proponente conseguir o tão sonhado visto de permanência no país, já que Bortoletto possui cidadania europeia.
"Falar a verdade é primordial, não adianta pintar uma realidade perfeita. Depois a pessoa chega aqui e vai ver que eu menti", diz ele à BBC Brasil.
Canadá
Nos anos 1980 e 1990, cerca de dois milhões de brasileiros deixaram o País para fugir da hiperinflação, dos planos econômicos fracassados e da crescente violência. Tinham como destino majoritário os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, nações em que a legislação mais restritiva dificulta o acesso ao visto de permanência.
Como resultado, acabavam por juntar-se à força de trabalho em setores menos regulados, como a construção civil e serviços domésticos.
Hoje, imigrantes com alto nível educacional e poder aquisitivo têm optado por países que possuem programas voltados para a atração de trabalhadores qualificados. Neste quesito, destacam-se Austrália e Canadá, onde é possível inscrever-se em processos seletivos para a obtenção de visto.
O Canadá tornou-se uma espécie de meca entre quem deseja morar no exterior. Desde 2014, o país permite que estudantes matriculados em cursos superiores trabalhem durante o período de estudo para pagar as despesas. Após se formar, os graduados recebem um visto de permanência de três anos, que pode ser estendido.
A distância menor do Brasil em relação à Austrália também conta pontos a favor, e reduz o custo de quem vai se mudar. Com isso, canais dedicados a explicar os meandros da legislação canadense ganharam visibilidade inédita durante a atual crise econômica.
Criadora do canal Mandy e Mais, a psicóloga Amanda Laranjeira mantém uma espécie de pequeno "Big Brother" sobre como é ser morador de Toronto, a maior cidade canadense. Além do YouTube, possui perfis no Instagram, no Facebook e no Snapchat.
Este último, feito para vídeos curtos gravados pelo celular, é atualizado diariamente enquanto caminha para o trabalho.
Amanda tem hoje 40 mil seguidores e, empolgada com a explosão de audiência, organizou em 2015 uma campanha de arrecadação para comprar equipamentos novos de filmagem.
Ela conta ter investido cerca de 1 mil dólares canadenses (R$ 3 mil) na aquisição de uma câmera, microfone e acessórios. "Não tive nenhuma ajuda quando imigrei. Por isso decidi fazer algo que pudesse esclarecer as pessoas", conta ela à BBC Brasil.
A profusão de canais para imigrantes também tem como ingrediente a avidez com que o brasileiro consome conteúdo na internet.
O país é hoje o segundo do mundo em exibição de vídeos assistidos no YouTube, perdendo apenas para os Estados Unidos. A plataforma tem 60 milhões de visitantes brasileiros por mês, e um incremento anual de audiência da ordem de 50%.
"Ao falar diretamente com o público e abordar assuntos cotidianos e pessoais, cria-se um relacionamento muito forte com os seguidores", diz Eduardo Baldrini, diretor de parcerias de conteúdo do YouTube no Brasil. "Mais intenso, inclusive, do que entre cantores e seus fãs", compara.
Oportunidades de negócio
A grande demanda por informação acabou criando oportunidades de negócio. Com 5 milhões de visualizações, o canal Canadá Diário tem programação renovada todos os dias. Há até uma versão especial, que vai ao ar às sextas-feiras, com entrevistas e convidados.
"Fomos nos profissionalizando e já temos, inclusive, anunciantes", comemora Dimitri Kozma, residente de Vancouver, na costa oeste canadense.
Ele divulga informações sobre a cidade ao lado da mulher, Fabiana. "São oito horas por dia gastos na filmagem e edição dos vídeos, incluindo também a produção de novos roteiros", explica.
Entre as opções disponibilizadas aos internautas estão entrevistas com especialistas em imigração e brasileiros que já moram por lá, assim como atrações turísticas de Vancouver e respostas às dúvidas enviadas pelos seguidores.
De Port Coquitlam, também no Canadá, os irmãos Caio e Guilherme Prézia se dedicam em tempo integral aos futuros imigrantes. Os dois têm uma produtora de conteúdo sobre o tema, que conta com mais três funcionários.
O grupo desdobra-se para responder ao menos 300 mensagens enviadas diariamente, além produzir informativos e vídeos assistidos por 270 mil seguidores.
Quem quiser, pode ainda comprar pacotes de vídeos e textos informativos que ensinam, entre outros temas, a conseguir um emprego. "Em 2015 deixei meu emprego para conseguir dar conta", diz Caio à BBC Brasil.