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Incêndios florestais vão ficar cada vez mais intensos e prolongados, alerta cientista da ONU

Amy Duchelle, líder do setor de florestas e clima da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura defende uma abordagem mais "holística" no combate aos incêndios florestais, que leve em consideração uma estratégia com cinco "erres": revisão, redução de risco, rapidez, resposta e recuperação. E cita Brasil e Portugal como referências.

17 jan 2025 - 14h08
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Episódios como os incêndios de Los Angeles tendem a ganhar força nos próximos anos, revelam projeções
Episódios como os incêndios de Los Angeles tendem a ganhar força nos próximos anos, revelam projeções
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, é assolada pelos maiores incêndios florestais já registrados na região.

Até a publicação desta reportagem, o Departamento de Silvicultura e Proteção ao Fogo da Califórnia registrava 135 focos de emergência, 12,3 mil estruturas destruídas e 24 mortes.

Mas este episódio está longe de ser inédito.

Ano passado, as chamas se alastraram por vastas áreas do Pantanal e do Cerrado brasileiros.

Anteriormente, grandes incidentes do tipo acometeram lugares como Grécia, Canadá, Austrália e Argélia.

A cientista Amy Duchelle, líder do time de florestas e clima da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), avalia que incêndios florestais ficarão cada vez mais comuns e intensos, graças a um círculo vicioso gerado a partir das mudanças climáticas.

Em entrevista à BBC News Brasil, a especialista pede que países e autoridades foquem os investimentos nas políticas de prevenção desses eventos extremos.

Ela também aponta que os esforços para apagar o fogo apresentam cada vez mais limitações relacionadas à intensidade do calor e às próprias condições climáticas.

"Los Angeles vive uma situação devastadora. E vemos que a ameaça de outros incêndios florestais aumenta rapidamente numa escala global, tanto do ponto de vista da frequência quanto da duração", alerta ela.

"Esse fenômeno está relacionado às mudanças climáticas e às modificações no uso da terra."

O que explica os incêndios em Los Angeles?

Duchelle aponta que as cenas registradas na cidade americana durante os últimos dias decorrem de uma conjunção de fatores.

"Os incêndios florestais dependem de três ingredientes: material de combustão, tempo seco e uma fonte de ignição", lista a especialista.

E esse é justamente o trio que engatilhou a emergência em Los Angeles.

"Essa região passa por uma temporada extremamente seca, depois de alguns anos seguidos de alta umidade. Ou seja, houve o crescimento de uma vegetação, que secou e ficou suscetível a queimar", contextualiza ela.

No caso recente, houve também o auxílio crucial dos ventos de Santa Ana, um fenômeno típico local, que alastrou as chamas e dificultou ainda mais o trabalho das equipes de resgate.

"Há também o componente urbano aqui, já que as cidades estão em expansão e as pessoas vivem em áreas com alto risco de incêndios florestais", acrescenta Duchelle.

A representante da FAO-ONU lembra que as chamas sempre foram tradicionalmente usadas para o manejo da terra, especialmente por indígenas e comunidades tradicionais.

"O fogo ocorre basicamente em todo território e bioma do planeta, com exceção da Antártida", destaca ela.

"Não podemos encará-lo necessariamente como uma coisa ruim, já que ele sempre foi uma ferramenta sustentável para lidar com diferentes ecossistemas, desde que bem usado", pondera ela.

O problema é que a escala e a frequência de grandes incêndios florestais vêm aumentando nos últimos anos.

"Testemunhamos o que acontece em Los Angeles, mas vimos eventos parecidos em anos anteriores no Brasil, no Canadá, na Grécia, na Argélia, no Havaí…", lista ela.

As próprias projeções das Nações Unidas revelam que incêndios florestais vão crescer 14% até 2030, 30% até 2050 e 50% até o final do século 21.

No Brasil, queimadas deixaram rastros de destruição no Cerrado, no Pantanal e na Amazônia em anos recentes
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Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Duchelle explica que esse cenário é catapultado pelas mudanças climáticas — e, no caminho reverso, contribui também para o aquecimento da temperatura do planeta.

Ou seja, as alterações no padrão climático global propiciam eventos extremos, como ondas de calor, inundações e secas prolongadas.

Alguns desses fenômenos — como as estiagens — geram uma enorme quantidade de material propício para a combustão, caso de galhos, folhas e troncos secos.

Daí basta uma fagulha para o início do fogo, que se alastra com facilidade e rapidez.

"Na contramão, os incêndios florestais também aceleram as mudanças climáticas ao liberar enormes quantidades de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera", observa Duchelle.

O CO2 é um dos gases que, por causa da ação humana, se acumulam na atmosfera e geram o aquecimento do planeta.

Um estudo da Universidade East Anglia, no Reino Unido, calcula que os incêndios florestais liberaram meio bilhão de toneladas adicionais de CO2 por ano desde o início do século 21 — e essa taxa vem aumentando a cada nova temporada.

"Estamos num círculo vicioso, que tende a se intensificar ainda mais no futuro", alerta a especialista.

Uma mudança nos cuidados

Para lidar com esse cenário, a representante da FAO vê a necessidade de alterar o foco — e adotar uma abordagem mais "holística" no combate aos incêndios florestais.

"Há muito a ser feito para lidar com esse cenário", acredita Duchelle.

"Nossa atenção atual está na supressão dos focos de incêndio. Mas episódios como esse de Los Angeles revelam os limites dessa abordagem. Muitas aeronaves não conseguiram voar, por causa dos ventos intensos. Além disso, há uma falta de água, em razão da estiagem", exemplifica ela.

A cientista lembra que os custos para combater o fogo são enormes — e seria muito mais custo-efetivo apostar em medidas para prevenir os incêndios.

Segundo ela, a estratégia mais moderna para lidar com esses eventos extremos pode ser resumida em cinco "erres": revisão, redução de risco, rapidez, resposta e recuperação.

"O primeiro passo é justamente revisar e analisar a situação de cada local, de cada contexto, para entender quais são os riscos de o fogo se alastrar ali", começa Duchelle.

Feita essa avaliação inicial, vem a etapa dois, de redução dos riscos: tomar as ações necessárias para justamente impedir o aparecimento das chamas.

Pode ser necessário, por exemplo, remover parte do material combustível ou jogar água para umidificar certos lugares que apresentam maior risco.

Aqui também há uma necessidade de criar programas educativos e campanhas de conscientização, para evitar que as pessoas façam fogueiras ou criem, mesmo sem querer, fontes de ignição que ganham proporções monumentais.

"O terceiro 'erre' envolve a prontidão [readiness, em inglês] para responder. Mesmo com um plano de prevenção bem estruturado, incêndios inevitavelmente vão ocorrer", pontua Duchelle.

Portanto, é necessário ter um sistema preparado para identificar os focos das chamas rapidamente e mobilizar equipes que vão lidar com o problema antes que ele se alastre.

"O quarto ponto, que está em andamento agora em Los Angeles, é onde costuma se concentrar a maior parte da atenção: a resposta aos incêndios", diz a especialista.

"Por fim, o quinto está justamente em recuperar a terra e promover a restauração dos ecossistemas e das áreas urbanas. Esse é um ponto extremamente crítico e que gera grandes custos", complementa ela.

Duchelle entende que há um grande esforço de órgãos internacionais, como a própria FAO, em promover uma mudança de foco e investir cada vez mais nos três primeiros "erres" dessa história.

"O combate aos incêndios é algo que deve acontecer durante o ano inteiro, não apenas nas temporadas de seca, e todo mundo precisa contribuir", acredita ela.

Combate a incêndios que já se propagaram mostra claras limitações num cenário de queimadas mais intensas e frequentes, defende pesquisadora
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Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Brasil como referência

Questionada sobre as grandes queimadas registradas no Brasil nos últimos anos, Duchelle entende que o país tem se organizado para lidar melhor com essa questão.

"O Brasil fez grandes esforços para diminuir o desmatamento na Amazônia recentemente, e provavelmente os incêndios poderiam ter sido ainda piores caso a floresta continuasse no mesmo ritmo de destruição registrado anteriormente", avalia a especialista, que morou no Acre e no Rio de Janeiro durante dez anos.

A representante da FAO também destaca a criação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, lançada em 2024 pelo Governo Federal.

"Isso representa exatamente o que defendemos como uma maneira holística de lidar com as queimadas, com um foco importante nas medidas preventivas", elogia ela.

"A política brasileira também se destaca por acolher diferentes setores da sociedade, como indígenas e comunidades tradicionais."

"Há muito o que aprender sobre o manejo da terra com esses indivíduos, e o Brasil se apresenta como uma liderança nesse aspecto", complementa ela.

A especialista também chama a atenção para as políticas de Portugal.

"Em 2017, esse país sofreu incêndios florestais devastadores e, desde então, desenvolveu um plano de dez anos para lidar com o problema", exemplifica ela.

"Nesse meio-tempo, Portugal criou um programa de manejo do fogo bem integrado e virou um grande parceiro em escala global."

Por fim, Duchelle destaca a "absoluta necessidade" de pensar em novas maneiras para lidar com o cenário das queimadas em escala global.

"Falamos de enormes tragédias, que têm um custo para a economia, para a infraestrutura, para a biodiversidade e para a saúde humana", conclui ela.

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