Invasão da Ucrânia: Judeus e ciganos revivem traumas com a guerra
Ao mesmo tempo em que centenas de milhares de pessoas fogem do avanço militar russo, o conflito recupera lembranças sombrias do passado da Europa no século 20.
Ao longo do dia e por toda a noite, os trens chegam à estação central de Lviv, um lugar de partidas ao longo da traumática história desta cidade ucraniana. Nos vagões que levam soldados para a guerra, na direção leste, grupos de rapazes sentam com feições pensativas. Não há brincadeiras ou risadas camaradas. Eles leem mensagens de suas mulheres e namoradas ou assistem a vídeos com imagens da guerra que tomam as redes sociais.
São homens partindo para lutar, sabendo que as probabilidades não estão do seu lado.
Um soldado aproxima-se, despedindo-se de sua mulher. "O que você vê, todas estas mulheres e crianças, é uma tragédia", diz ele. "Conte para o mundo, e veja se eles se importam."
Nas plataformas com destino ao lado ocidental, os refugiados agrupam-se em corredores lotados e escadarias na esperança de embarcar em trens que os levem a um lugar seguro na Polônia, Hungria ou Eslováquia.
Entre eles, estão grupos de ciganos roma que vêm de Kharkiv, cidade onde bombardeiros russos têm matado civis. Como todos os outros, eles fugiram apenas com o que conseguiram carregar, um amontoado de sacolas e mochilas.
Em Lviv, essas cenas fazem renascer fantasmas do passado da Europa. A cidade está cheia de pessoas cujos pais ou avós enfrentaram genocídio e totalitarismo no século passado. Dezenas de milhares de roma foram assassinados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Um avô roma, de uma família de sete pessoas, me disse que a guerra destruiu suas vidas. Pavel, de quase 70 anos, descreveu uma cena de caos em Kharkiv. "Tudo está queimando. Tudo está destruído", afirmou ele. "Ninguém está nos ouvindo. Ninguém quer nos ajudar."
Lviv também foi a cena de um dos mais brutais pogroms - ataques à população judaica - do Holocausto, em que milhares de judeus foram brutalmente mortos por alemães e seus colaboradores ucranianos no verão de 1941. Em 1945, a população judaica de cerca de 100 mil pessoas, que existia antes da guerra, havia quase desaparecido.
Entre eles, estavam famílias de dois advogados judeus, Raphael Lemkin e Hersch Lauterpacht, que construíram a base para a moderna legislação de garantia de direitos humanos. Foi Lemkin que introduziu o conceito de "genocídio" na legislação internacional.
Agora estima-se que existam cerca de 1.500 judeus vivendo em Lviv. Acredita-se que muitos deles já tenham deixado a cidade em busca de segurança fora da Ucrânia.
No Centro Judaico da cidade, voluntários oferecem assistência a famílias forçadas pela invasão russa a deixar suas e comunidades. Crianças correm, brincando, enquanto voluntários empacotam alimentos e cobertores.
Também é um lugar de conforto para os poucos sobreviventes do Holocausto que ainda vivem em Lviv.
Eu estive com Tatiana Zabramnaya, de 84 anos, que se lembra de sua infância em uma casa repleta de trauma sobre o qual se evitava falar.
"Eu perguntava à minha mãe sobre a guerra - o que, quando e por que -, mas ela não conseguia falar sobre isso sem tremer, sem chorar e me pedindo para não lembrá-la sobre a guerra. Meu tio e minha tia estavam em Kiev, e minha mãe me contou que eles foram mortos a tiros."
Sua filha vive em Kiev com seu marido e um filho adotado. Tatiana disse que eles estão agora encurralados na capital. Lutando contra as lágrimas para poder falar, ela perguntou: "Quem poderia imaginar que, como em 22 de junho de 1941, nós seríamos invadidos de novo, mas pela Rússia? É terrível".
As duas guerras - a dos anos 1940 e a de agora - são bastante diferentes. Não é uma questão de se fazer paralelos históricos exatos. Para aqueles como Tatiana, porém, que carregam feridas emocionais da história, o que agora traga a Ucrânia revive uma aflição antiga.
Está presente também o pensamento, observando o incansável fluxo de refugiados e crianças, de que uma nova geração carregará o peso de lembranças traumáticas.
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