Jimmy Carter: de produtor de amendoim a presidente dos EUA e ganhador do prêmio Nobel da paz
O presidente dos EUA teve dificuldades na Casa Branca e liderou o país por apenas um mandato, mas depois ganhou um prêmio Nobel da Paz.
Jimmy Carter, o ex-presidente americano que morreu aos 100 anos, chegou ao poder prometendo nunca mentir para o povo americano. A informação foi confirmada neste domingo (29/12) pelo centro que ele mesmo fundou.
No turbulento rescaldo do caso Watergate, o ex-fazendeiro de amendoim da Geórgia perdoou os evasores do alistamento militar do Vietnã e se tornou o primeiro líder americano a levar a sério as mudanças climáticas.
No cenário internacional, ele ajudou a intermediar um acordo de paz histórico entre Egito e Israel, mas lutou para lidar com a crise dos reféns do Irã e a invasão soviética no Afeganistão.
Após um único mandato, ele foi varrido por Ronald Reagan, após vencer em apenas seis Estados na eleição de 1980.
Depois de deixar a Casa Branca, Carter fez muito para restaurar sua reputação. Ele se tornou um trabalhador incansável pela paz, pelo meio ambiente e pelos direitos humanos, pelo qual foi reconhecido com o prêmio Nobel da Paz.
Presidente mais longevo da história dos Estados Unidos, ele comemorou seu 100º aniversário em outubro de 2024. Ele tratou um câncer e passou os últimos 19 meses em cuidados paliativos.
James Earl Carter Jr nasceu no dia 1º de outubro de 1924 na pequena cidade de Plains, na Geórgia Ele era o mais velho de quatro filhos.
O pai dele, segregacionista, havia iniciado o negócio de amendoim da família. A mãe, Lillian, era enfermeira registrada.
A experiência de Carter na Grande Depressão e a firme fé batista sustentaram sua filosofia política.
Estrela do basquete no ensino médio, ele passou sete anos na Marinha americana - período em que se casou com Rosalynn, uma amiga de sua irmã - e se tornou um oficial submarino. Mas, com a morte de seu pai em 1953, ele voltou para administrar a fazenda da família em dificuldades.
A colheita do primeiro ano falhou devido à seca, mas Carter recuperou o negócio e enriqueceu no processo.
Ele entrou na política pelo térreo, eleito para uma série de conselhos escolares e de bibliotecas locais, antes de concorrer ao Senado da Geórgia.
Ativista dos direitos civis
A política americana estava em chamas após a decisão da Suprema Corte de dessegregar as escolas.
Com sua formação como fazendeiro em um Estado do sul, era de se esperar que Carter se opusesse à reforma, mas ele tinha visões diferentes das de seu pai.
Enquanto servia dois mandatos no Senado estadual, ele evitou conflitos com segregacionistas, incluindo muitos do Partido Democrata.
Mas, ao se tornar governador da Geórgia em 1970, ele se tornou mais aberto em seu apoio aos direitos civis.
"Eu digo a vocês com toda a franqueza", ele declarou em seu discurso inaugural, "que o tempo da discriminação racial acabou."
Ele colocou fotos de Martin Luther King nas paredes do edifício do capitólio, enquanto a Ku Klux Klan se manifestava do lado de fora.
Ele garantiu que os afro-americanos fossem nomeados para cargos públicos.
No entanto, ele achou difícil equilibrar sua forte fé cristã com seus instintos liberais quando se tratava da lei do aborto.
Embora ele apoiasse os direitos das mulheres de interromper a gravidez, ele se recusou a aumentar o financiamento para tornar isso possível.
Quando Carter lançou sua campanha para a presidência em 1974, a nação ainda estava se recuperando do escândalo de Watergate.
Ele se apresentava como um simples fazendeiro de amendoim, não contaminado pela ética questionável de políticos profissionais no Capitólio.
"Adultério no meu coração"
O timing dele foi excelente. Os americanos queriam um estranho e Carter se encaixava no perfil.
Houve surpresa quando ele admitiu (em uma entrevista para a revista Playboy) que havia "cometido adultério no meu coração muitas vezes". Mas não havia esqueletos em seu armário.
No início, as pesquisas sugeriram que ele tinha apoio de apenas cerca de 4% dos democratas.
No entanto, apenas nove meses depois, ele derrubou o presidente em exercício Gerald Ford, um republicano.
Em seu primeiro dia completo no cargo, ele perdoou centenas de milhares de homens que haviam evitado o serviço no Vietnã - seja fugindo para o exterior ou não se registrando no conselho de recrutamento local.
Crítico republicano, o senador Barry Goldwater descreveu a decisão como "a coisa mais vergonhosa que um presidente já fez".
Carter confessou que foi a decisão mais difícil que ele tomou no cargo.
Ele nomeou mulheres para cargos importantes em sua administração e encorajou Rosalynn a manter um perfil nacional como primeira-dama.
Ele defendeu (sem sucesso) uma Emenda de Direitos Iguais à Constituição dos EUA, que prometia proteção legal contra discriminação com base no sexo.
Um dos primeiros líderes internacionais a levar a sério as mudanças climáticas, Carter usou jeans e suéteres na Casa Branca e reduziu o aquecimento para economizar energia.
Ele instalou painéis solares no telhado - que mais tarde foram retirados pelo presidente Ronald Reagan - e aprovou leis para proteger milhões de acres de terras intocadas no Alasca.
Uma missão desastrosa de resgate
Seus "bate-papos ao pé da lareira" eram televisionados e conscientemente relaxados, mas essa abordagem parecia muito informal à medida que os problemas aumentavam.
À medida que a economia americana entrava em recessão, a popularidade de Carter começou a cair.
Ele tentou persuadir o país a aceitar medidas rigorosas para lidar com a crise energética - incluindo o racionamento de gasolina - mas enfrentou forte oposição no Congresso.
Planos para introduzir um sistema de saúde universal também naufragaram na legislatura, enquanto o desemprego e as taxas de juros dispararam.
Sua política para o Oriente Médio começou triunfante, com o presidente Sadat do Egito e o primeiro-ministro Begin de Israel assinando os acordos de Camp David, em 1978.
Mas o sucesso no exterior durou pouco.
A revolução no Irã, que levou à tomada de reféns americanos, e a invasão soviética no Afeganistão foram testes severos.
Carter rompeu relações diplomáticas com Teerã e implementou sanções comerciais em um esforço desesperado para libertar os americanos.
Uma tentativa de resgatá-los à força foi um desastre, deixando oito soldados americanos mortos.
O incidente quase certamente pôs fim a qualquer esperança de reeleição.
Derrota para Reagan
Carter enfrentou um sério desafio do senador Edward Kennedy para a nomeação presidencial democrata de 1980 e obteve 41% dos votos populares na eleição subsequente.
Mas não foi o suficiente para derrotar seu oponente republicano, Ronald Reagan.
O ex-ator chegou à Casa Branca com uma vitória esmagadora no colégio eleitoral.
Em seu último dia na presidência, Carter anunciou a conclusão bem-sucedida das negociações para a libertação dos reféns.
O Irã havia adiado o momento da saída deles até depois que o presidente Reagan fosse empossado.
Ao deixar o cargo, Carter tinha uma das menores taxas de aprovação de qualquer presidente dos Estados Unidos. Mas, nos anos seguintes, ele fez muito para restaurar sua reputação.
Em nome do governo dos EUA, ele empreendeu uma missão de paz para a Coreia do Norte que resultou no Agreed Framework, um esforço inicial para chegar a um acordo sobre o desmantelamento de seu arsenal nuclear.
Sua biblioteca, o Carter Presidential Center, tornou-se uma influente câmara de compensação de ideias e programas destinados a resolver problemas e crises internacionais.
Em 2002, Carter se tornou o terceiro presidente americano, depois de Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson, a ganhar o Prêmio Nobel da Paz - e o único a ganhá-lo por seu trabalho pós-presidencial.
"O problema mais sério e universal", disse ele em seu discurso no Nobel, "é o crescente abismo entre as pessoas mais ricas e as mais pobres da Terra".
Com Nelson Mandela, ele fundou The Elders, um grupo de líderes globais que se comprometeram a trabalhar pela paz e pelos direitos humanos.
Estilo de vida modesto
Na aposentadoria, Carter optou por um estilo de vida modesto.
Ele trocou participações lucrativas em palestras e assentos em conselhos corporativos por uma vida simples com Rosalynn em Plains, na Geórgia, onde ambos nasceram.
Carter não queria ganhar dinheiro em troca de seu tempo no Salão Oval.
"Não vejo nada de errado nisso. Não culpo outras pessoas por fazerem isso", disse ele ao Washington Post. "Simplesmente nunca foi minha ambição ser rico".
Ele foi o único presidente moderno a retornar em tempo integral à casa - com um andar e dois quartos - em que morava antes de entrar para a política.
De acordo com o Post, a casa dos Carters foi avaliada em US$ 167 mil (cerca de R$ 1 milhão) — menos do que os veículos do Serviço Secreto estacionados do lado de fora para protegê-los.
Em 2015, ele anunciou que estava fazendo tratamento contra um câncer, doença que matou seus pais e três irmãs.
Poucos meses após fazer uma cirurgia por conta de um quadril quebrado, ele voltou a trabalhar como construtor voluntário na Habitat for Humanity.
O ex-presidente e sua esposa começaram a trabalhar com a instituição de caridade em 1984 e ajudaram a consertar mais de 4.000 casas nos anos seguintes.
Ele continuou dando aulas em uma escola dominical na Igreja Batista Maranatha em Plains, às vezes recebendo candidatos presidenciais democratas em sua classe.
Em novembro de 2023, Rosalynn Carter morreu. Em sua homenagem, o ex-presidente disse que a esposa de 77 anos era "minha parceira igual em tudo que eu já conquistei".
Comemorando seu centenário um ano depois, Carter provou que ainda tinha antenas políticas.
"Estou apenas tentando votar em Kamala Harris" na eleição de novembro, ele disse.
Ele conseguiu votar nela, embora Donald Trump tenha vencido no Estado natal dele, a Geórgia.
A filosofia política de Carter continha elementos às vezes conflitantes de uma educação conservadora de cidade pequena e seus instintos liberais naturais.
Mas o que realmente impulsionou sua vida no serviço público foram suas crenças religiosas profundamente arraigadas.
"Você não pode divorciar crença religiosa e serviço público", ele disse.
"Eu nunca detectei nenhum conflito entre a vontade de Deus e meu dever político. Se você viola um, viola o outro."