Justiça bloqueia decisão de Trump que barrava cidadania para filhos de imigrantes
Decisão terá validade nacional, mas ainda pode ser revertida em recurso à Suprema Corte; republicano começou seu segundo mandato em ritmo acelerado — tão acelerado que uma ordem executiva já enfrenta disputa judicial.
Em uma decisão liminar no início da tarde desta quinta-feira (23/01), o juiz federal John Coughenour bloqueou a ordem executiva do presidente Donald Trump que retira a cidadania de bebês de pais imigrantes indocumentados ou temporários nascidos nos Estados Unidos a partir de 19 de fevereiro de 2025.
Na audiência, que durou menos de meia hora, Coughenour chamou a medida do republicano de "flagrantemente inconstitucional".
"Estou tendo dificuldades para entender como um membro da ordem dos advogados consegue afirmar, inequivocamente, que esta ordem é constitucional", disse o juiz a um advogado do Departamento de Justiça dos EUA, a quem coube defender a ordem executiva de Trump, assinada há menos de 72 horas.
"Isso simplesmente confunde minha mente", afirmou Coughenour.
A decisão foi dada em resposta a uma ação movida por Washington e mais três Estados americanos. Ela é válida nacionalmente.
O governo federal pode recorrer e, em última análise, o caso deverá chegar à Suprema Corte. Mas, enquanto isso, a ordem executiva perde seus efeitos práticos.
Não se sabe em quanto tempo a medida poderia chegar à Suprema Corte, nem se seria para uma avaliação inicial da liminar ou para uma análise definitiva da interpretação da Constituição.
Trump foi empossado para seu segundo mandato na segunda-feira (20/01) e rapidamente promulgou várias medidas que eram promessas de campanha — em grande parte usando ordens executivas.
Elas têm peso de lei, mas podem ser anuladas por presidentes subsequentes ou por tribunais.
Confira as principais medidas tomadas por Trump até agora.
Imigração
'Repelir, repatriar e remover'
Após uma enxurrada inicial de ordens executivas, Trump emitiu outra exigindo que o governo "suspenda a entrada física de estrangeiros envolvidos em uma invasão dos Estados Unidos pela fronteira ao sul". A medida pede que as autoridades "imediatamente repilam, repatriem e removam" essas pessoas.
'Emergência nacional'
Trump argumentou que "a soberania da América está sob ataque" e declarou que o país está vivendo uma emergência nacional, o que justificaria a liberação de mais verbas para reforçar a fronteira com o México.
Ele também ordenou que as autoridades retomem esforços para construir um muro na fronteira com o México, o que foi iniciado em seu primeiro mandato.
Esta não é uma ordem executiva e não está claro como tais medidas poderiam ser financiadas.
Fechando a fronteira
O presidente disse aos militares para "fecharem as fronteiras" — citando o fluxo de drogas ilícitas, tráfico de pessoas e crimes relacionados às travessias.
Cidadania por direito de nascença
Trump ordenou que as autoridades neguem o direito à cidadania aos filhos de migrantes que estão nos EUA ilegalmente ou com vistos temporários.
Mas a 14ª Emenda à Constituição dos EUA há muito tempo é interpretada como consagrando esse direito, e a ordem de Trump foi imediatamente contestada em um tribunal federal.
Designação de terrorismo para gangues e cartéis
Trump designou cartéis de drogas e gangues internacionais como organizações terroristas estrangeiras — adicionando nomes como a gangue salvadorenha MS-13 a uma lista que inclui o autodenominado Estado Islâmico.
'Permaneça no México'
Trump reimplementou a política de "Permaneça no México" de seu primeiro mandato.
Essa política fez com que cerca de 70.000 requerentes de asilo não mexicanos cruzassem a fronteira para aguardar no México as audiências sobre suas solicitações.
Depois, a política foi cancelada pelo democrata Joe Biden.
A nova ordem também exige o fim da permissão para que migrantes vivam em comunidades dos EUA enquanto aguardam suas audiências. Trump prometeu anteriormente "o maior programa de deportação da história americana", mas isso pode enfrentar desafios legais e logísticos.
A ordem também fechou um importante meio de imigração da era Biden: uma iniciativa que permitiu que até 30.000 migrantes de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela voassem para os EUA. Essa política tinha sido projetada com o objetivo de reduzir travessias ilegais.
Pena de morte para alguns criminosos imigrantes
Trump ordenou que a pena de morte federal fosse restabelecida — execuções do tipo não ocorreram nos últimos anos.
A pena se aplicaria a qualquer "crime capital cometido por um estrangeiro ilegalmente presente neste país" e qualquer pessoa condenada por assassinar um policial.
Reassentamento de refugiados
Trump suspendeu o programa de reassentamento de refugiados dos EUA, embora os detalhes da decisão não estejam claros.
Clima e energia
Saída do Acordo de Paris (de novo)
Trump assinou a retirada do acordo climático de Paris — o histórico acordo internacional para limitar o aumento das temperaturas globais, assinado pela maioria dos países.
O republicano terá que esperar um ano para que a retirada seja efetivada.
Trump retirou os EUA do acordo anteriormente em 2017, o que foi revertido por Biden.
'Emergência energética'
Trump declarou uma "emergência energética nacional", prometendo encher as reservas de petróleo. Em seu discurso de posse, ele prometeu "perfurar, baby, perfurar" para obter mais combustíveis fósseis.
Combustível do Alasca
Ele assinou uma ordem executiva intitulada "liberando o extraordinário potencial de recursos do Alasca", prometendo "desbloquear" petróleo, gás e outros recursos naturais do estado.
Fim do 'New Deal Verde'
Trump interrompeu o "New Deal Verde", uma série de medidas de Biden que visavam impulsionar empregos verdes, regulamentar a indústria de combustíveis fósseis e limitar a poluição.
O republicano ordenou que as agências interrompam o fornecimento de verbas para essas medidas.
O novo presidente também disse que os EUA acabariam com os arrendamentos para parques eólicos e revogariam medidas que estimulam o uso de carros elétricos.
Organização Mundial da Saúde (OMS)
Trump assinou uma ordem executiva para iniciar o processo de retirada dos EUA do órgão de saúde das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esta é a segunda vez que Trump ordena a retirada da OMS. A primeira saída foi depois foi revertida por Biden.
Trump critica como a instituição sediada em Genebra lidou com a covid-19.
Diversidade e gênero
Pessoas trans
Trump declarou que os EUA reconhecerão apenas "dois sexos, masculino e feminino".
"Esses sexos não são mutáveis e são baseados em realidade fundamental e incontestável", afirma a ordem executiva.
Espera-se que isso afete, no que diz respeito a políticas para pessoas trans, as comunicações governamentais, o financiamento federal, a organização nas prisões e documentos oficiais como passaportes e vistos.
Na mesma ordem executiva, Trump encerrou todos os programas, declarações e comunicações governamentais que promovam ou apoiem a suposta "ideologia de gênero".
DEI: fim de programas de diversidade, equidade e inclusão
Na terça-feira (21/01) à noite, um memorando, seguido por outra ordem executiva, fechou todos os escritórios de programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) dentro do governo federal "com efeito imediato" — mas com prazo até 17h de quarta-feira (22/01) para o cumprimento da determinação.
No dia anterior, após ser empossado, Trump havia rotulado esses programas como "radicais e gastadores".
O governo também prometeu outras ações que podem afetar o setor privado.
TikTok
Trump assinou uma medida adiando em 75 dias a implementação de uma lei que proibiu o aplicativo chinês TikTok nos EUA.
A plataforma foi brevemente fechada um dia antes da posse, em cumprimento à lei — a qual exige que um novo proprietário americano assuma a rede social.
Trump já apoiou anteriormente a proibição do TikTok, mas indicou que mudou de ideia depois que seus vídeos de campanha atraíram bilhões de visualizações.
O presidente afirmou que sua diretiva lhe dá o direito de vender ou encerrar o aplicativo nos EUA.
Perdão a presos e condenados
Perdão a invasores do Capitólio
Trump anunciou o perdão a quase 1.600 de seus apoiadores que foram presos na invasão ao Capitólio dos EUA em 2021.
O presidente se referiu várias vezes aos presos como "reféns". Pelo menos 600 deles foram acusados de agredir ou bloquear agentes federais.
Comutação de sentenças dos Oath Keepers e Proud Boys
Trump também comutou sentenças para membros dos Oath Keepers e Proud Boys, grupos de direita radical que foram condenados por conspiração sediciosa em relação à invasão.
Silk Road: perdão a criador de site da dark web
Trump disse que assinou o perdão total e incondicional para Ross Ulbricht, o criador da Silk Road, um mercado da dark web onde drogas ilegais eram vendidas.
Ulbricht foi condenado em 2015 em Nova York por conspiração envolvendo narcóticos e lavagem de dinheiro e sentenciado à prisão perpétua. Entretanto, Trump se juntou aos libertários ao afirmar que a condenação foi um exemplo de exagero do governo.
Reforma governamental
Eficiência Governamental e Elon Musk
Trump assinou uma diretiva criando o Departamento de Eficiência Governamental (Doge) — um novo órgão consultivo sobre custos do governo.
Espera-se que o órgão seja liderado pelo bilionário Elon Musk.
Congelamento de contratações federais
Outra ordem interrompe qualquer nova contratação federal — exceto dentro nas forças armadas dos EUA e algumas outras categorias — até que o governo Trump tenha controle total sobre o governo.
Retorno de funcionários federais ao trabalho presencial
Trump também assinou um memorando determinando que os funcionários federais trabalhem presencialmente no escritório, e não mais de casa.
Censura
Outra diretiva ordena a "restauração da liberdade de expressão e prevenção da censura governamental". Ela orienta o procurador-geral a investigar as atividades de funcionários de certos órgãos — como o Departamento de Justiça, a Comissão de Valores Mobiliários e a Comissão Federal de Comércio — durante a era Biden.
Processos políticos
Outra ordem executiva busca acabar com o "armamento do governo contra adversários políticos". Ela determina uma revisão do trabalho de várias agências de inteligência e de aplicação da lei sob o governo Biden para identificar onde houve incremento no uso de armas — recomendando, então, "ações corretivas apropriadas".
Revertendo políticas de Biden
'American First'
Trump anunciou uma pausa na ajuda a outros países fornecida pelos EUA, destacando que quer uma revisão dos programas de assistência externa. Karoline Leavitt, secretária de imprensa da Casa Branca, disse que isso é parte da nova política externa "American First" (algo como a "América" ou "os americanos primeiro").
Sanções a colonos israelenses na Cisjordânia
Trump revogou as sanções que Biden começou a impor há quase um ano a colonos israelenses extremistas e grupos de colonos na Cisjordânia ocupada.
A ordem executiva do último governo tinha como alvo israelenses que estavam "minando a paz, a segurança e a estabilidade na Cisjordânia", em resposta ao aumento de ataques contra palestinos e suas propriedades no território.
Cuba
Trump quer desfazer a recente decisão de Biden de remover Cuba da lista dos EUA de "patrocinadores do terrorismo". Ele também pode restabelecer sanções contra a Venezuela.
Ambos os países foram alvos frequentes de sua ira durante seu primeiro governo.
Congelamento regulatório
Outra ordem orienta agências federais a se absterem de emitir quaisquer novos regulamentos até que o governo Trump tenha controle total do governo.
Funcionários federais não vacinados
Como parte de uma diretiva revertendo as políticas da era Biden, Trump revogou uma ordem que impunha que os funcionários federais fossem vacinados contra a covid-19.
Ele prometeu reintegrar os 8.000 membros do serviço militar que foram dispensados devido a essa regra — com pagamento retroativo integral.
Inflação
Trump assinou uma diretiva pedindo que cada departamento e agência federal dos EUA analise a questão dos custos de vida.
A diretiva, que não é uma ordem executiva, pede que as agências analisem a medidas para redução dos custos de moradia, saúde, mantimentos e combustível.
Ela pede um relatório em 30 dias. Não está claro como o governo Trump pretende reduzir esses custos — e isso não está detalhado na diretiva.
Renomeando o Golfo do México
Trump ordenou que o secretário do Interior mudasse o nome do Golfo do México para "Golfo da América".
A mesma ordem também determina que o secretário renomeie o Monte Denali do Alasca para Monte McKinley — em homenagem ao 25º presidente dos EUA, cujas políticas tarifárias Trump admira.
O ex-presidente Barack Obama havia alterado o nome de McKinley para Denali — como o pico mais alto da América do Norte era chamado pelos povos nativos.
O que Trump não alterou - ainda
Tarifas
Trump disse na segunda-feira (20/01) que as tarifas sobre o Canadá e o México podem entrar em vigor em 1º de fevereiro e ordenou que autoridades federais revisem as relações comerciais dos EUA em busca de práticas desleais, incluindo aquelas com o Canadá, México e China.
Documentos secretos
Em um comício antes de sua posse, Trump disse que divulgaria documentos confidenciais relacionados ao assassinato do presidente John F. Kennedy em 1963 — um assunto alvo de inúmeras teorias da conspiração —, bem como os assassinatos em 1968 do senador Robert Kennedy e do ativista Luther King Jr.
Em entrevista à Fox poucos dias após a posse, ele disse que esses arquivos seriam divulgados "imediatamente" quando ele os recebesse.
Criptomoedas
Trump defendeu as criptomoedas, e sua eleição fez o valor do bitcoin aumentar em 30%. Alguns acreditam que Trump agirá rapidamente para criar um "estoque federal de bitcoin" que, segundo ele, serviria como um "ativo nacional permanente para beneficiar todos os americanos".