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'Justiça culpou quem morreu': a reação de familiar de vítima do voo AF447 após absolvição de Air France e Airbus

Tribunal Penal de Paris considerou que a Airbus e a Air France não são culpadas pela catástrofe que matou 228 pessoas em 2009.

18 abr 2023 - 04h59
(atualizado às 07h16)
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Policiais montam guarda do lado de fora da sala de audiência no dia do veredicto no julgamento relacionado ao acidente do voo Rio-Paris AF447 em 2009, no Palais de Justice em Paris, 17 de abril de 2023
Policiais montam guarda do lado de fora da sala de audiência no dia do veredicto no julgamento relacionado ao acidente do voo Rio-Paris AF447 em 2009, no Palais de Justice em Paris, 17 de abril de 2023
Foto: Mohammed Badra/EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

"A Justiça francesa culpou quem morreu e não as empresas envolvidas na tragédia do voo Rio Paris". É dessa forma que o diretor e co-fundador da Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447 (AFVV447), Marteen Van Sluys, avaliou, em entrevista à BBC News Brasil, a decisão do Tribunal Penal de Paris que considerou que a Airbus e a Air France não são culpadas pela catástrofe que matou 228 pessoas em 2009, a maior da história da aviação civil francesa.

Van Sluys, que perdeu sua irmã, Adriana, na tragédia, diz: "Começaram a julgar o erro a partir da atuação dos pilotos. Mas o que provocou toda a pane da aeronave foi minimizado no processo. A decisão reconhece que houve falhas técnicas, porém sugere que a culpa teria sido dos pilotos que poderiam ter agido de outra forma. Mas eles nem tinham treinamento para lidar com a situação que ocorreu".

A aguardada decisão da Justiça francesa, quase 14 anos após o acidente, é decorrente do julgamento penal realizado entre outubro e dezembro de 2022, em que a Airbus e a Air France respondiam por homicídio culposo.

Os familiares das vítimas esperavam que esse julgamento, que teve inúmeras audiências com especialistas técnicos, revelasse que a catástrofe poderia ter sido evitada se as duas companhias tivessem sido mais rigorosas em relação à segurança.

A Justiça francesa, no entanto, considerou que, embora as duas empresas tenham cometido "falhas", não foi possível demonstrar "nenhuma relação de causalidade certa" com o acidente.

Marteen Van Sluys perdeu a irmã, Adriana, na tragédia
Marteen Van Sluys perdeu a irmã, Adriana, na tragédia
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

"Ser responsável, mas não culpado é ridículo, é um escárnio", ressalta Van Sluys. Na avaliação dos familiares das vítimas, a decisão aponta a responsabilidade das empresas, mas não a culpa pela sucessão de eventos que provocou a queda do avião.

Isso porque, segundo o tribunal, a Airbus "cometeu quatro imprudências ou negligências", sobretudo a não substituição dos modelos de sensores de velocidade (as sondas Pitot) fabricados pela francesa Thalès. O equipamento já havia congelado outras vezes em alta altitude, exatamente o que ocorreu com o voo AF447 e foi considerado o ponto de partida da catástrofe.

A Justiça também apontou que a Airbus falhou em "reter informações".

A Air France cometeu, segundo a Justiça, duas "imprudências" relativas às modalidades de divulgação de uma nota informativa destinada aos pilotos sobre o congelamento das sondas de velocidade.

Mas na esfera penal, segundo o tribunal, uma relação de causalidade provável não é suficiente para tipificar um delito. "Por se tratar de falhas, não foi possível demonstrar uma relação de causalidade com o acidente", avaliou a Justiça.

"Se partirmos desse princípio, nunca vai ter um culpado em acidentes aéreos. Vai ter sempre a possibilidade de corrigir algo que poderia evitar o acidente", afirma.

"Eu tinha esperanças de que o veredito apontaria a culpa das empresas. Teria me sentido menos ultrajado", afirma Van Sluys. Ele afirma ter ficado "muito decepcionado" com a decisão, que considera "revoltante".

Parte de destroços do avião da Air France que caiu em junho de 2009 no Oceano Atlântico
Parte de destroços do avião da Air France que caiu em junho de 2009 no Oceano Atlântico
Foto: MAURICIO LIMA/AFP via Getty Images / BBC News Brasil

O diretor da AFVV447 afirma que o "baque só não foi maior" porque durante o julgamento em Paris, que levou nove semanas, os parentes das vítimas tiveram a percepção de que as duas empresas poderiam ser inocentadas. O Ministério Público francês não solicitou a condenação das companhias. Mesmo assim, havia, por parte dos familiares, a expectativa de uma decisão favorável às suas demandas.

"Sabíamos que seria muito difícil a Justiça ficar do nosso lado. Somos a parte mais fraca da história." Para Van Sluys, houve um "interesse explícito" da Justiça francesa em inocentar duas grandes corporações do país, com um "forte lobby".

"Uma sentença determinando a culpa seria algo muito pior para a imagem dessas empresas", completa.

A Airbus é um consórcio europeu com sede na França.

"Nós esperávamos um julgamento imparcial, mas não foi o caso. Estamos enojados", declarou Danièle Lamy, presidente da associação francesa Ajuda Mútua e Solidariedade, que representa os parentes de vítimas francesas. "Restam desses 14 anos de espera apenas desespero, consternação e raiva" disse.

Van Sluys afirma que se for possível, em termos jurídicos, ele e outros familiares, também de outros países, irão recorrer da decisão. "A ideia é levar isso até a última instância possível e mostrar que o caso não acabou. Estamos dispostos a esgotar todas as possibilidades. É uma questão de honra", destaca.

"Vou até o fim. Não é por insistência. Perdemos vidas. Minha irmã era jornalista, atuava na área de direitos humanos, e faria o mesmo por mim", destaca.

O acidente com o voo AF447 levou a mudanças na aviação.

Pouco após a catástrofe, o modelo de sonda de velocidade da Thalès que equipava o avião da Air France passou a ser proibido pela Agência Europeia da Aviação Civil, que passou a exigir a utilização de pelo menos duas sondas da marca americana Goodrich entre as três que os aviões possuem.

A formação dos pilotos também foi aperfeiçoada após a tragédia do voo Rio-Paris, além de melhorias nos sistemas dos aviões da Airbus.

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