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Kast vs. Boric: as principais propostas dos rivais mais antagônicos que o Chile teve nas últimas décadas

Candidato da direita, José Antonio Kast, e esquerdista Gabriel Boric, disputarão segundo turno das eleições presidenciais no dia 19 de dezembro; quem chegar ao palácio de La Moneda terá que governar um país profundamente fragmentado.

24 nov 2021 - 12h29
(atualizado em 26/11/2021 às 06h55)
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Gabriel Boric (à esq.), da esquerda, e José Antonio Kast (à dir.), da extrema-direita, disputarão segundo turno das eleições presidenciais no dia 19 de dezembro
Gabriel Boric (à esq.), da esquerda, e José Antonio Kast (à dir.), da extrema-direita, disputarão segundo turno das eleições presidenciais no dia 19 de dezembro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em um dos cenários políticos mais polarizados da história recente, o candidato da direita, José Antonio Kast, e da esquerda, Gabriel Boric, vão disputar o segundo turno das eleições presidenciais do Chile no dia 19 de dezembro.

Será a primeira vez desde o retorno à democracia em 1990 que os partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita não lideram as preferências eleitorais.

"A única candidatura que vai recuperar a paz, que é a alternativa para enfrentar os criminosos e o narcotráfico e que acabará com o terrorismo é a nossa", disse Kast em pronunciamento após liderar a votação no primeiro turno, com 27,9% dos votos válidos.

O advogado e ex-parlamentar, de 55 anos, que prometeu cavar uma vala na fronteira para deter os migrantes, se opor ao aborto e cortar impostos, declarou que admira líderes como Augusto Pinochet, Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Jair Bolsonaro.

Seu rival, Gabriel Boric, um parlamentar de 35 anos e ex-líder estudantil que encarna as reivindicações da eclosão social do final de 2019, propõe aumentar o papel do Estado na economia, acabar com a previdência privada e expandir os direitos sociais da população.

"Fomos incumbidos da disputa pela democracia, justiça, inclusão, respeito, pela dignidade de todos", declarou o candidato — aliado ao Partido Comunista — após o resultado das eleições de domingo (21/11), em que alcançou 25,8% dos votos válidos.

Os vencedores do primeiro turno terão agora o desafio de seduzir o restante dos eleitores em algumas semanas.

Essa corrida vai decorrer em um contexto inédito marcado pela queda dos partidos tradicionais, o surpreendente apoio ao candidato "outsider", Franco Parisi, bem como o triunfo da direita no norte do país e o seu avanço no Senado.

Quem chegar ao palácio presidencial de La Moneda terá que governar um país profundamente fragmentado e com uma Assembleia Constituinte que está trabalhando na elaboração de uma proposta de nova Constituição que deverá ser endossada em votação popular no próximo ano.

Confira algumas das propostas dos rivais mais antagônicos que o Chile teve em sua história recente.

Boric é ex-líder estudantil e tem 35 anos
Boric é ex-líder estudantil e tem 35 anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Economia e pensões

O candidato da direita radical aposta na redução dos gastos fiscais, na desregulamentação dos mercados e na privatização de empresas.

Um dos eixos centrais de seu programa é a redução de impostos de toda espécie, uma reforma tributária inédita que, segundo Kast, será acompanhada de menores gastos fiscais.

Essa fórmula, de acordo com o programa do governo, aumentará os níveis de investimento privado e impulsionará o crescimento econômico "a taxas de 5% a 7% ao ano, dobrando nossa renda per capita em uma década".

Defensor de um Estado menor e mais austero, Kast planeja cortar impostos de empresas (desde 27% a 17%), reduzir o Imposto sobre Valor Agregado (19% a 17%) e zerar os tributos pagos por pequenas e médias empresas.

Kast garante que com "paz, segurança e ordem" os investimentos do setor privado no país vão aumentar.

E no sistema previdenciário, o ex-deputado quer promover ajustes ao sistema vigente que incluem, entre outros, o aumento da idade de aposentadoria dos trabalhadores e do valor das contribuições.

A perspectiva econômica do programa de Boric aponta exatamente para o contrário: fortalecer o Estado, aumentar o gasto fiscal e subir a carga tributária em mais ou menos oito pontos do Produto Interno Bruto (PIB) em um horizonte de seis a oito anos.

Suas propostas visam estabelecer um Estado de bem-estar com um sistema de proteção social que garanta os direitos básicos universais.

Para apoiar a recuperação econômica, Boric quer implementar políticas pró-emprego por meio de incentivos à contratação com foco na mulher.

Em termos de tributação, o candidato da esquerda também apresenta propostas consideradas radicais, ele pretende criar um imposto sobre as grandes fortunas do país, cobrar das grandes mineradoras um royalty da mineração e introduzir novos tributos, medidas que juntas aumentariam a arrecadação para financiar sua agenda social.

Boric quer que os fundos de pensão sejam administrados por um órgão público e autônomo — no lugar das tradicionais administradoras privadas. Seu programa alerta que essas mudanças serão graduais e não interferirão "na titularidade dos recursos economizados até o momento".

Kast é advogado e tem 55 anos
Kast é advogado e tem 55 anos
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Saúde

Kast propõe mudanças como a possibilidade de facilitar licitações na área da saúde pública — para que sejam contratados serviços de acordo com propostas mais competitivas e eficientes.

O principal problema do sistema público de saúde, diz Kast, "não está nos recursos econômicos investidos", mas no fato de "termos um sistema estatal profundamente ineficiente, burocrático e politicamente capturado".

O candidato propõe ampliar o uso da telemedicina e criar uma entidade dedicada a avaliar tecnicamente os tratamentos que serão cobertos pelo seguro saúde.

Já para o representante de esquerda, é fundamental diminuir a distância entre os benefícios oferecidos pela saúde pública e a privada.

Boric propõe a criação de um Fundo Universal de Saúde (FUS) encarregado de administrar os recursos aportados pelos trabalhadores e os recursos do Estado, ao mesmo tempo em que reduz o tempo de espera para acesso a médicos especialistas e cirurgias.

Se for eleito, ele promete acabar com os seguros privados de saúde obrigatórios, transformando-os em seguros complementares voluntários.

Paralelamente, propõe um aumento progressivo dos gastos fiscais com saúde.

"Propomos acabar com uma saúde dividida, como está agora, entre os doentes mais saudáveis e os mais doentes, ou com menos e maiores recursos", declarou o candidato.

Kast aposta na redução dos gastos fiscais, na desregulamentação dos mercados e na privatização de empresas
Kast aposta na redução dos gastos fiscais, na desregulamentação dos mercados e na privatização de empresas
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Educação

O representante da esquerda pretende ampliar o benefício do ensino superior gratuito e eliminar os bancos como fonte de financiamento do sistema.

Ao mesmo tempo, Boric busca perdoar progressivamente as dívidas estudantis (contraídas por estudantes para pagar seus cursos universitários).

Por outro lado, Kast quer cancelar a reforma educacional em curso, revogar a Lei de Inclusão e eliminar o conteúdo ministrado nas escolas que considera "propaganda a favor do aborto e das ideologias de gênero".

Além disso, aposta na educação online a um custo menor e na redução da duração das carreiras universitárias.

Kast gerou polêmica com comentário em que propõe criar uma vala para impedir entrada de imigrantes
Kast gerou polêmica com comentário em que propõe criar uma vala para impedir entrada de imigrantes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Migração

Durante a campanha, Kast criou forte polêmica ao propor a instalação de uma vala na fronteira norte do país para impedir a passagem irregular de pessoas naquela área.

"Se você fizer uma vala de três metros de profundidade e cercas para que ninguém caia, nem os animais, isso é viável e bastante econômico", disse o advogado.

Na contramão de seu adversário, Boric diz que existem outros mecanismos para resolver o problema. "Os migrantes devem ser tratados do ponto de vista dos direitos humanos", disse ele.

Para apoiar recuperação econômica, Boric quer implementar políticas pró-emprego por meio de incentivos à contratação com foco na mulher
Para apoiar recuperação econômica, Boric quer implementar políticas pró-emprego por meio de incentivos à contratação com foco na mulher
Foto: EPA / BBC News Brasil

Conflito Mapuche e militarização

O representante da extrema direita e defensor do regime militar de Augusto Pinochet disse que vai continuar a apoiar o envio das Forças Armadas na zona do conflito com indígenas mapuche no sul do país e apoiar o papel dos militares no controle do que ele chama de "narcoterrorismo".

Tanto no sul como no restante do território, Kast promove o "uso da violência legítima" como legítima defesa, propõe uma "coordenação internacional anti-radicais de esquerda" e é favorável à concessão de poderes especiais ao presidente para "interceptar, abrir ou registrar documentos e todo tipo de comunicação e prender pessoas em suas próprias casas ou em locais que não sejam prisões ou destinados à detenção", caso seja decretado o estado de emergência.

Já Boric diz não concordar com a militarização de La Araucanía (região ao sul onde há grande presença da comunidade mapuche), mas é a favor do combate ao crime. "Separo nitidamente aqueles que cometem crimes das justas demandas do povo da Nação Mapuche."

As ideias de Kast foram duramente criticadas pelo candidato de esquerda, que se opõe à criação de um "estado policial".

Aborto e casamento igualitário

Kast defende a revogação da lei que permite o aborto e diz que fará tudo o que estiver ao seu alcance para "proteger e fortalecer a família".

O candidato lembra que, se chegar ao palácio de La Moneda, vai oferecer "incentivos econômicos aos casais" e vai garantir a todos os filhos o direito de "ter pai e mãe".

Boric, por outro lado, é um defensor do direito ao aborto, do reconhecimento da diversidade sexual e do casamento igualitário e do aprofundamento da paridade de gênero.

"As injustiças não podem ser naturalizadas, a desigualdade não é certa e os direitos não podem ser um negócio", disse o representante da esquerda.

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