Kim Jong-un: como norte-coreano foi de pária a líder cortejado e sentado à mesa com Trump
Depois de anos de isolamento, líder norte-coreano lança nova era de diplomacia; após elevar tensão com armas nucleares e ameaças, acena com disposição em sentar à mesa para negociar.
Em questão de poucos meses, o líder norte-coreano Kim Jong-un deixou de ser um pária que ameaçava o mundo com armas nucleares para se tornar um novo e disputado líder internacional.
Ao apertar a mão de Donald Trump nesta terça, o líder norte-coreano protagonizou um encontro histórico em Cingapura. Até o começo de 2018, ambos trocavam farpas e assustavam o mundo com a possibilidade de uma guerra nuclear.
Mas o improvável encontro não apenas aconteceu como resultou na assinatura de um acordo em que EUA e Coreia do Norte se comprometem com "a desnuclearização completa" da Península Coreana. No mesmo documento, o governo americano promete dar "garantias de segurança" à Coreia do Norte. Também acordaram em recuperar prisioneiros de guerra e soldados desaparecidos, incluindo a repatriação daqueles já identificados.
Ainda não se sabe se o encontro foi um mero teatro e se o acordo, considerado vago por especialistas, vai de fato sair do papel. Mas a imagem histórica dos dois líderes sentados à mesa dá a Kim Jong-un credenciais para novos encontros bilaterais.
Depois de passar anos isolado e sendo alvo de sanções da comunidade internacional por testar ogivas nucleares, Kim passou a ser um importante ator no cenário mundial.
Há, literalmente, uma fila de interessados em fazer reuniões bilaterais com o norte-coreano. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, convidou Kim para visitar Vladivostok. O líder sírio, Bashir al-Assad, já declarou que gostaria de visitar Pyongyang.
"Estamos testemunhando a transformação de Kim Jong-un em um homem de Estado internacional", disse Jean Lee, ex-chefe da agência Associated Press em Pyongyang. "Essa é uma estreia internacional muito diferente da que vimos em 2010, quando Kim Jong-un deu um passo à frente como o herdeiro aparentemente desconhecido e com de rosto de bebê", observa Lee.
O especialista diz ainda que, agora, "com um míssil intercontinental balístico no bolso, Kim está se destacando como líder de um país que se vê como uma potência nuclear, par de outras potências nucleares do mundo, incluindo os Estados Unidos".
Esse era o prêmio que Kim procurava ao acelerar os testes nucleares em 2017, afirmou o analista e consultor Ken Gause num artigo recente. Gause é autor de livros sobre a Coreia do Norte, entre eles North Korean House of Cards, de 2015.
"Kim Jong-un provavelmente chegou à conclusão de que a única maneira de garantir o sucesso na frente diplomática era escalar (a tensão) para depois arrefecer... A Coreia do Norte teria de forçar a entrada na mesa de negociações por meio de uma posição de força", escreveu Gause, dizendo que "o prêmio" é o encontro com Trump e a oportunidade de dizer ao mundo que o país está aberto para negócios.
Para Jean Lee, o mundo ocidental quer aproveitar a chance de conhecer de perto um líder em que até a data de nascimento é incerta, nem que seja "apenas para obter uma visão sobre quem ele é e o que ele quer para seu país".
Fatores externos
Duas coisas ajudaram a ofensiva diplomática de Kim Jong-un. Primeiro, a Coreia do Sul elegeu um presidente liberal, que fez campanha prometendo retomar as relações com a Coreia do Norte. Isso permitiu diálogo com o vizinho mais próximo.
Em seguida, veio o convite para encontrar Trump. Outros mandatários norte-americanos exigiram certas garantias para encontrar com líderes norte-coreanos, mas não o atual presidente. O imprevisível Trump passou um ano ameaçando Pyongyang e, em seguida, aceitou um encontro cara a cara com Kim.
Ao sentar à mesma mesa com Trump, Kim ganhou influência política. Mas essa nova fase da diplomacia norte-coreana não é apenas uma questão de força, mas de necessidade.
Se os testes nucleares ajudaram Kim a ganhar um espaço à mesa, eles também renderam à Coreia do Norte sucessivas sanções impostas pela comunidade internacional que agravaram a situação econômica do país.
Ao declarar que havia completado o programa nuclear, Kim anunciou que priorizaria a economia. Afirmou ainda estar disposto a firmar alianças e retomar a relação com antigos parceiros. A primeira parada do norte-coreano foi a China, o principal parceiro comercial.
Mas o presidente chinês, Xi Jinping, ajudou a reforçar a estratégia de pressão máxima de Donald Trump no final de 2017, cortando suprimentos vitais, para desgosto de Pyongyang. A Coreia do Norte até recusou a entrada de um enviado chinês quando este tentou visitar o país no final do ano passado.
Mas, agora, o novo Kim Jong-un demonstra ter tomado gosto pelas viagens oficiais internacionais. Fez duas visitas à China em dois meses que resultaram num encontro histórico, em abril, na fronteira com a Coreia do Sul com o presidente Moon Jae-in.
O atual líder parece estar disposto a se envolver em uma iniciativa diplomática internacional de uma forma que nem o pai nem o avô dele estiveram. Os líderes da Coreia do Norte antes de Kim chegaram a iniciar negociações para abandonar as ambições nucleares do país em troca de assistência econômica. Todos os acordos, no entanto, fracassaram.
Mas as ações e o "timing" de Kim Jong-un chamam a atenção. As viagens à China foram sempre um pouco antes de encontros com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. Um sinal de que Kim poderia estar jogando com os dois países. Isso porque a China sinalizava ser a favor de uma abordagem mais lenta à desnuclearização e preferir que as sanções fossem levantadas para manter a economia da Coreia do Norte estável. Os EUA, por sua vez, preferem a acelerar o processo de desnuclearização.
Um movimento similar foi feito com Moscou. Kim recebeu o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, num período em que em relações entre Rússia e EUA estavam bem estremecidas, por causa do suposto ataque com armas químicas contra rebeldes na Síria e também com a decisão de mandar diplomatas de volta à Rússia - este um ato de apoio ao Reino Unido, que acusa o governo russo de estar por trás do envenenamento de um ex-espião duplo e da filha dele na Inglaterra.
O encontro desagradou Trump. Além disso, a aproximação de Kim como o presidente sírio preocupa os EUA e a ONU (Organização das Nações Unidas) e tem sido acompanhada com atenção pela comunidade internacional.
A agência estatal norte-coreana disse que Assad planeja visitar Pyonyang.
A aliança entre os dois países é antiga, as relações diplomáticas foram estabelecidas em 1966. Em 1973, a Coreia do Norte enviou armas e soldados ao país durante a Guerra Árabe-Israelense.
Um relatório da ONU acusa a Coreia do Norte de ter realizado 40 remessas à Síria entre 2012 e 2017 de vários materiais usados na fabricação de armas químicas, como válvulas, tubos e azulejos à prova de ácido.