Dor continua igual, diz mãe de brasileiro morto na Indonésia
Há um mês da execução do filho por tráfico de drogas, Clarisse Gularte diz que o 'tempo não amenizou nada'
Entre tantas fotos do filho, uma em que ele sorri chama a atenção de Clarisse Muxfeldt Gularte. "Uma das poucas", diz.
Há pouco mais de um mês, Rodrigo Gularte foi executado por tráfico de drogas na Indonésia, após mais de 10 anos no corredor da morte e apelos da família por uma revisão da pena diante do diagnóstico de esquizofrenia.
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Junto às fotos mostradas à BBC Brasil, estão anotações feitas pelo filho na prisão. São recados para a mãe "perder peso", observação feita após a última visita dela em fevereiro, ou mensagens que, diz Clarisse, mostram a incoerência na qual ele vivia, como lembretes quase diários "para recolher os talheres".
Diz a família que Gularte sofria de problemas mentais, como bipolaridade, desde a adolescência - e que laudos médicos comprovam o quadro. O contato com as drogas, também desde jovem, só fez piorar esse quadro, conta a mãe.
"Eles (a Indonésia) não respeitaram isso e o executaram, mesmo sabendo que ele era doente", disse à BBC Brasil Clarisse, 70 anos, em sua primeira entrevista após a morte do filho.
Para ela, sua execução não foi um ato de justiça, mas sim, uma decisão "política" do presidente Joko Widodo.
A Indonésia retomou as execuções de traficantes por fuzilamento dizendo enfrentar uma situação de "emergência" devido às drogas, apesar de pressão internacional. Widodo diz que entre 40 e 50 indonésios morrem todos os dias por causa de narcóticos - número contestado por especialistas.
O país executou 14 pessoas neste ano, entre eles diversos estrangeiros, incluindo dois brasileiros - Gularte e o carioca Marco Archer Cardoso Moreira.
Para Clarisse, as execuções não mudarão a situação das drogas no país, uma das rotas mais conhecidas de tráfico no Sudeste Asiático.
E, mesmo com a execução do filho, disse defender a pena de morte "em certos casos" - mas não se posiciona quanto a tráfico de drogas: "é uma coisa que tem que ser pensada".
"A droga envolve muitas pessoas e muitas pessoas são atingidas. Você está com aquela droga que vai ser vendida... e que vai fazer danos para muitas pessoas, muitos jovens principalmente."
"(Mas) eu acho que todo mundo tem chances. Tem que ter uma segunda chance".
Mostra-se, no entanto, contrariada com a condenação aos autores dos ataques a bomba em Bali, em 2002 e 2005 - a maioria recebeu penas de prisão e muitos já foram liberados. "Quer dizer: matar pode, traficar, não".
O porta-voz da Procuradoria Geral indonésia, Tony Spontana, não respondeu às ligações da BBC Brasil para comentar as declarações. À época da execução de Gularte, havia dito que todas as possibilidades de recorrer da sentença haviam sido esgotadas.
Sinais ignorados
Natural de Foz do Iguaçu, membro de uma família de classe média alta, Gularte havia sido preso em 2004 no aeroporto de Jacarta com 6 kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe, e condenado à morte no ano seguinte.
Parentes dizem que ele foi aliciado por traficantes internacionais devido a seu estado mental.
"O ato dele levar a droga para a Indonésia, ele já não estava bem. Se ele estivesse bem, ele não teria feito isso", disse Clarisse.
O envolvimento com drogas foi desde cedo, diz a mãe, que alega não ter observado os "sinais".
"Acho que nesse ponto eu me omiti. Ou não quis ver, ou não quis admitir, que um filho meu era traficante ou que estava conduzindo drogas. E que isso seja um alerta (para outras famílias)".
Familiares dizem que tentavam convencer Gularte a receber tratamento fora da prisão havia anos. Mas ele se recusava, dizendo não estar doente.
Na prisão, Gularte dizia ouvir vozes de satélite e contava histórias surreais e desconexas, disseram familiares e conhecidos: recusava-se a ser avaliado em um hospital temendo ser morto e afirmava que a pena de morte na Indonésia havia sido abolida.
"Nos últimos anos, ele já não estava bem. A gente notava que ele estava mudando... Ele estava com mania de perseguição, ele não comia... sempre achava que a comida estava envenenada e que queriam matá-lo."
Esperança até o fim
Mesmo nos momentos finais, diz a mãe, Gularte teria indicado não ter consciência de que seria executado - nos seus últimos dias, pediu para ser enterrado no Brasil ao invés de ser cremado, dizendo acreditar que poderia ser ressuscitado pelo pai, médico.
"Até o último momento ele dizia... que a pena de morte na Indonésia tinha sido abolida".
"(Ele) ainda tinha esperança: 'Alguém vai me tirar daqui, eu sei que eu vou sair... Meus familiares vão me retirar daqui'".
A defesa do brasileiro apresentou pedido na Procuradoria Geral do país pedindo a divulgação do resultado de um exame feito a pedido do próprio governo sobre a saúde mental de Gularte. A análise deste recurso poderá levar até seis meses.
Esta avaliação foi feita em março após ele ter sido diagnosticado com esquizofrenia em exames anteriores, mas este relatório jamais foi publicado.
Um mês depois da execução do filho, Clarisse diz, emocionada, que sua dor "continua igual".
"Muitas pessoas dizem que o tempo ameniza, mas por enquanto não amenizou nada. Ao contrário, as saudades aumentam. Não sei se vou chegar a um dia e dizer que eu sou feliz novamente".