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'Mãe, eles vão atirar em mim?': como ucranianos explicam aos filhos que estão em guerra

"As perguntas são de partir o coração, porque eles me perguntam todos os dias se (o pai deles) está vivo, ou se ele ainda tem as mãos e as pernas. Eles têm medo de que ele possa se machucar muito", diz uma mãe.

8 mar 2022 - 12h53
(atualizado às 12h59)
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Muitas crianças foram afetadas pelos bombardeios em Kiev
Muitas crianças foram afetadas pelos bombardeios em Kiev
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Na Ucrânia, as famílias estão tendo que se adaptar a uma nova e assustadora realidade: como dizer às crianças que o país está em guerra?

Anton Eine, um escritor de ficção científica ucraniano, deveria lançar seu mais recente livro há cerca de dez dias, mas foi impedido pela invasão russa. No entanto, ele diz que agora nada mais importa.

O autor, que vive com sua esposa e seu filho de três anos em Kiev, passou os últimos dias escondido no estacionamento do subsolo de seu prédio. Faz frio e Anton se preocupa com o que pode acontecer se o edifício desabar em um bombardeio, por isso ele e sua família se escondem em uma fresta criada por duas paredes de concreto.

O local se tornou um esconderijo para os três todas as vezes em que as sirenes que alertam para ataques aéreos são acionadas na capital ucraniana. Para distrair o filho dos momentos de tensão, eles geralmente levam brinquedos e um tablet para o esconderijo.

Anton conta que o filho está preocupado e faz muitas perguntas. "Ontem, minha esposa desceu e, quando ela voltou, ele perguntou: 'Mãe, eles atiraram em você?' e ela disse 'Não, querido', e ele disse: 'Eles vão atirar em mim? Eu não quero que eles façam bang-bang'."

Segundo o escritor, algumas famílias costuraram pequenos crachás com o tipo sanguíneo de seus filhos em suas roupas e os estão ensinando seu endereço e os nomes dos pais, caso sejam separados. E enquanto se escondem em abrigos ou tentam embarcar em trens para fugir do país, muitos pais também conversam uns com os outros sobre os efeitos da guerra e as melhores formas de proteger as crianças de traumas.

"Alguns pais preferem dizer às crianças que é um jogo", diz Anton. "Mas estamos tentando falar a verdade para nosso filho, de uma maneira mais suave, adaptada à mente de uma criança de três anos".

"Nós dizemos a ele que os soldados maus nos atacaram e os bons soldados, aqueles com a bandeira ucraniana, são os que nos protegem. Dizemos também que ele não precisa se preocupar com nada quando estamos no esconderijo."

Uma amiga de Anton compartilhou o desenho feito por seu filho de quatro anos depois uma noite em um abrigo antiaéreo: a imagem mostra pessoas fugindo de um grande diabo vermelho
Uma amiga de Anton compartilhou o desenho feito por seu filho de quatro anos depois uma noite em um abrigo antiaéreo: a imagem mostra pessoas fugindo de um grande diabo vermelho
Foto: BBC News Brasil

Os desenhos de seu próprio filho não parecem mostrar nenhum sinal de trauma, mas alguns dos amigos de Anton têm filhos mais velhos, e as imagens que desenham mostram claramente que foram afetados pela situação.

Os pais e funcionários da creche de seu filho mantêm contato pelo aplicativo de mensagens Telegram, onde compartilham conselhos sobre como conversar com as crianças sobre o que está acontecendo.

Entre os conteúdos postados há até um tutorial sobre como explicar às crianças por que não há problema de os adultos xingarem e usarem palavrões atualmente, apesar de não ser aceitável na vida normal. "Porque as pessoas estão xingando agora", diz Anton.

Ele e a mulher se tornaram mais relaxados sobre outras pequenas coisas também. "Por causa dessa situação, ele tem que assistir muito mais desenhos animados do que o normal e está comendo muito mais doces do que o normal. Precisamos de algo para ocupá-lo - ele não deve prestar muita atenção ao que está acontecendo", diz.

"Os psicólogos nos aconselham a ser mais gentis com as crianças nestes tempos e a dar muito mais carinho do que o habitual", diz Anton.

À medida que os bombardeios russos pioraram e os comboios se aproximaram, muitos pais ucranianos decidiram fugir de suas casas com seus filhos pequenos a tiracolo.

Hanna, uma cientista, deixou Kiev e viajou para a Polônia com seus dois filhos, de oito e seis anos. Por dias eles ficaram em casa ouvindo explosões e vendo as janelas tremendo, e ela teve que dizer a eles o que estava acontecendo. Ela achou difícil encontrar um equilíbrio entre a realidade e o quanto a mente de uma criança pode suportar.

"Foi um desafio para mim como mãe, porque tive que explicar a verdade ao mesmo tempo em que tentei não assustar muito", diz ela. "Então eu apenas disse que estamos sob ataque e que a qualquer momento poderíamos ter que sair de casa".

O estilo parental de Hanna também teve que mudar - não havia espaço para discussão. "Normalmente eu peço para eles fazerem alguma coisa, mas agora é hora de receber ordens."

Após alguns dias de ataques, Hanna sentiu que não queria mais que seus filhos ouvissem as bombas e decidiu deixar a Ucrânia. "Foi uma decisão muito, muito difícil", diz ela.

Seus filhos também tiveram que tomar uma decisão dura - eles só podiam levar um de seus brinquedos. O mais velho escolheu Banguela, um boneco de dragão da série de filmes Como Treinar o Seu Dragão, e o mais novo escolheu um carro de brinquedo que se transforma em robô.

Evacuees and a child, sitting on top of a suitcase, wait for a train to Romania from Lviv
Evacuees and a child, sitting on top of a suitcase, wait for a train to Romania from Lviv
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Foi uma grande decisão para eles, diz Hanna - talvez tão importante quanto foi para ela deixar seu país. "Acho que estávamos na mesma posição emocional de tomada de decisão."

Eles levaram 52 horas para chegar em segurança à Polônia. O ex-marido de Hanna os acompanhou durante a primeira parte da viagem de carro, mas teve que voltar para se juntar ao Exército.

Hanna afirma que viajar em uma zona de guerra com dois filhos foi exaustivo, o que a ajudou a entender por que muitos de seus amigos optaram por permanecer perto de casa.

Agora eles estão seguros, mas as crianças fazem muitos questionamentos sobre seus avós e principalmente sobre seu pai, que ficou para trás. "As perguntas são de partir o coração, porque eles me perguntam todos os dias se ele está vivo, ou se ele ainda tem as mãos e as pernas. Eles têm medo de que ele possa se machucar muito."

Hanna diz a eles para tentarem pensar apenas no presente. "Tudo o que temos é agora. No momento, estamos seguros", diz ela às crianças.

A dúvida sobre o quanto contar às crianças sobre a guerra é compartilhada por todos os pais ucranianos neste momento.

Oksana fugiu de sua cidade natal de Lviv, no oeste do país, e agora também está na Polônia. Sua filha de seis anos é autista e odeia barulhos altos, então ela achou as sirenes de ataque aéreo muito assustadoras. A menina percebeu que a mãe também estava nervosa, então Oksana contou a verdade sobre o que estava acontecendo.

"Eu expliquei que é uma guerra e precisamos nos proteger, e que muitas pessoas morreram por causa de tudo isso", diz Oksana. "Acho importante que, quando as crianças têm idade suficiente para entender, não sejam enganadas, porque elas podem sentir que a atmosfera está ruim."

O filho de Iryna tem apenas dois anos e ela decidiu não contar muito a ele. Depois de passar três noites em um abrigo antibombas, eles deixaram Irpin, uma pequena cidade perto de Kiev, e foram para o oeste da Ucrânia.

Ela contou ao filho apenas que eles iriam se hospedar na casa de amigos, porque ele ainda é muito novo para entender o perigo. "Eu não disse a ele que é uma guerra. Não tenho certeza se preciso nessa idade, porque pode piorar a situação."

Quanto ao destino de Anton e sua família, as tropas russas estão se aproximando de Kiev e eles podem ser obrigados a deixar a capital em breve. Mas ele não tem certeza para onde ir. "Ninguém sabe qual é o lugar mais seguro - é tudo uma grande aposta", diz ele.

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