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"Não há um surto separatista no mundo", diz especialista

O cientista político e professor da Universidade da Columbia, em NY, Marcos Troyjo analisa os movimentos separatistas pelo mundo e a importância destes eventos no atual cenário da política internacional

16 abr 2014 - 09h24
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A crise na Ucrânia, país do leste europeu, está chamando a atenção do noticiário internacional desde o mês de janeiro deste ano, quando revoltas estouraram na capital Kiev contra o ex-presidente pró-russo Victor Yanucovych. Os protestos sangrentos mataram dezenas de pessoas e depuseram o presidente que se refugiou na Rússia.

Dois meses depois, a Crimeia, parte oriental da Ucrânia, se voltou contra o governo interino de Kiev pró-europeu presidido por Olexander Turchynov, promovendo um referendo no país que, com mais de 95% a favor, pediu a anexação de seu território à Rússia em meados de março.

Gerando um mal-estar na política internacional, o caso da Crimeia colocou em voga um tema que não é de hoje – porém, também é muito atual: os movimentos separatistas em vários países.  

Marcos Troyjo é professor da Universidade Columbia em Nova York, onde dirige o BRICLab, Centro de Estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China
Marcos Troyjo é professor da Universidade Columbia em Nova York, onde dirige o BRICLab, Centro de Estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Outros movimentos de independência “pipocam” no mundo há algumas décadas. Casos antigos de povos, como em Quebec, que desde a década de 1960 apresenta questões culturais, econômicas e sociais, são vistos em diversas partes do planeta, especialmente na Europa que, às vezes, parece não ter se recuperado ainda da Segunda Guerra Mundial.

Com a instabilidade instaurada no Leste europeu e com alguns referendos marcados ainda para este ano – como acontecerá na Escócia, que estuda se desmembrar do Reino Unido e já tem um referendo marcado para setembro – a grande pergunta é: o que isto significa na política internacional?

Em entrevista ao Terra, o economista e cientista político, professor da Universidade Columbia em Nova York, Marcos Troyjo, afirma que não há um "surto separatista" no mundo, mas o atual cenário traz a necessidade de um alerta a respeito da maneira com que o poder centralizado de países como Rússia e China lidará com a delimitação de suas fronteiras e sobre a influência dessas abordagens regionais no diálogo das duas potências com o Ocidente. Confira a íntegra da entrevista:

Terra - Movimentos de independência ocorrem há décadas em diversas partes do mundo - como Catalunha, Escócia, Veneza e Quebec - e o assunto voltou a ter força depois da anexação da Crimeia à Rússia. Qual o significado disso para a política e economia mundiais contemporâneas?

Troyjo - Todos os movimentos separatistas citados são bastante antigos e, a meu ver, não têm relação com o que vem acontecendo na Crimeia ou mesmo no Leste da Ucrânia. Na verdade, muitos desses movimentos, como o de Quebec e da Catalunha, estavam mais exacerbados no início dos anos 90 do que agora.

No caso da Crimeia, ou mesmo da parte oriental da Ucrânia, não acontece exatamente um processo separatista; é mais um sentimento de reintegração a um Estado (a Rússia) a que parte importante daquelas etnias pertence.  

De todas estas dinâmicas, a de maior impacto potencial para o mundo é o da Escócia, onde uma consulta popular para averiguar a vontade de deixar o Reino Unido se realiza em 18 de setembro próximo. Se isso acontecer, os efeitos serão sentidos tanto na União Europeia quanto na Otan, pois o Reino Unido se enfraqueceria relativamente como potência.

Terra - O senhor enxerga um acirramento dos movimentos depois do alerta internacional em relação à separação da Crimeia? Acha que eles podem se inspirar mutuamente ou criar uma “força” juntos?

Troyjo - Não há nenhuma possibilidade de “solidariedade internacional” entre esses diversos movimentos separatistas. Todos respondem a lógicas eminentemente locais. Não é como a luta pela descolonização que gerou grande cooperação e solidariedade nos anos 60 e 70 (nesta época, muitos países se tornaram independentes, tais como Angola, Serra Leoa, Moçambique e Líbia – colonizados por potências como França, Portugal e Reino Unido) e ganhou importante agenda internacional mesmo no âmbito da ONU.

Terra - Um dos líderes do movimento separatista de Veneza acredita que o caso da Crimeia não os “ajude” e, pelo contrário, os atrapalhe. Qual a sua opinião sobre isso?

Troyjo - Concordo que os acontecimentos na Crimeia não guardam relação com o pleito de outas regiões ao redor do mundo por separação ou independência. Creio que, para as relações internacionais contemporâneas, muito mais importante do que a vontade separatista dessa ou daquela região será a maneira com que o poder centralizado de países como Rússia e China lidará com a delimitação de suas fronteiras e de seu entorno e também de como a influência dessas abordagens regionais no âmbito do diálogo dessas duas potências com o Ocidente.

No caso da China, por exemplo, essa problemática representa um duplo desafio: por um lado, Pequim evita qualquer possibilidade de eventual desgarramento da região do Tibete. Por outro, prega a reintegração de Taiwan à ideia de uma única China. Daí a neutralidade da China em relação ao que vem acontecendo na Crimeia.

Terra - Poderiam ocorrer reações de organizações internacionais, tais como a Otan, ou mesmo da União Europeia em relação a tais movimentos? Quais são os limites de intervenção em casos se separatismo?

Troyjo - As últimas semanas têm mostrado que a Otan possui grandes dificuldades em projetar poder de dissuasão quando, do outro lado, está um Estado detentor de armas nucleares, como a Rússia.

Nos anos 90, a Otan foi de grande eficiência na solução na Crise dos Balcãs [na metade da década de 1990, a Guerra de Kosovo intensificou os conflitos na região da antiga Iugoslávia, que teve fim em 1999 com bombardeios da Otan; as tropas sérvias foram retiradas, com a formação de uma força internacional de paz no Kosovo]. Naquele contexto, a Otan conseguiu fazer prevalecer sua superioridade tática, operacional e tecnológica. Porém, tudo fica mais complicado quando o eventual antagonista é um "superpoder" como a Rússia.

Terra - Há artigos qua afirmam que o separatismo na Europa é mais forte em regiões de economia estável, como acontece no Reino Unido, em relação à Escócia e Irlanda. Você concorda com isto? Se sim, qual a explicação?

Troyjo - Sinceramente, creio que na maioria dos países da Europa Ocidental o separatismo se dá majoritariamente por razões histórico-culturais, ou mesmo pela ambição de constituição de Estados independentes. Embora a economia possa ter desempenhado algum papel nas razões pelas quais historicamente essa ou aquela região passou a desejar separação ou independência, este seguramente não é mais o fator determinante.

Terra - Imaginando que tais separações fossem efetivadas. Quais seriam os impactos disto para o mundo – política, econômica e socialmente falando?

Troyjo - Acho que não há um surto separatista ou independentista no mundo. De qualquer forma, mesmo se ele existisse, não seria algo novo para o sistema internacional, e sobretudo para a ONU. No final dos anos 80 e início dos 90, com o fim das ditaduras comunistas nos países da chamada "Cortina-de-Ferro" e mesmo o esfacelamento da União Soviética, dezenas de novos países passaram a compor uma nova geografia política mundial. Hoje, seguramente, não estamos perto disso.

Fonte: Terra
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