'Nêmesis de Bolsonaro', 'Ave Fênix' e 'trovão em céu político já carregado': a repercussão da decisão sobre Lula na imprensa internacional
Decisão do ministro do STF Edson Fachin de anular condenações de ex-presidente foi notícia ao redor do mundo.
A decisão do ministro do STF Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva repercutiu ao redor do mundo.
"Lula está de volta: a antiga nêmesis de Bolsonaro volta para assombrá-lo" é o título do artigo de opinião do jornal britânico Financial Times desta terça-feira (9/3).
A escolha da palavra "nêmesis", que alude à deusa grega da vingança e da justiça distributiva, e usada nesse contexto como sinônimo de "adversário ou obstáculo difícil de derrotar" ou "pessoa que se vinga ou quer vingança", dá o tom do texto assinado por Michael Stott, editor de América Latina do jornal sediado em Londres (Reino Unido).
"Com uma canetada na segunda-feira, um juiz brasileiro derrubou não apenas as condenações criminais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas a maioria das suposições sobre as chances do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais do próximo ano", escreve Stott.
Citando a pesquisa do Ipec publicada no domingo (7/3) pelo jornal O Estado de São Paulo, que mostrou que 50% das pessoas definitivamente ou provavelmente votariam em Lula contra 38% em Bolsonaro, Stott diz que a sondagem "confirmou o que os brasileiros há muito suspeitavam: que mesmo uma década depois de o líder de dois mandatos deixar a presidência, nenhum outro candidato da oposição chega perto do magnetismo eleitoral de Lula, político outrora descrito por Barack Obama como 'o cara'".
O FT destaca o impacto da decisão de Fachin nos mercados financeiros, lembrando que a bolsa brasileira fechou em baixa e o dólar se aproximou da máxima histórica, mas ressalva que "as preocupações dos investidores refletiam não apenas o risco de uma vitória de Lula, mas também a preocupação de que, diante de um desafio eleitoral de seu antigo inimigo, Bolsonaro abandonasse qualquer pretensão remanescente de reformas pró-mercado e se voltasse ainda mais para políticas populistas de transferência de renda, prejudicando ainda mais as finanças do país", escreve Stott.
"Mas mesmo que Lula consiga eliminar quaisquer obstáculos legais remanescentes para outra candidatura presidencial, ainda não está claro se ele terá sucesso em derrotar um líder de extrema direita que já desafiou as previsões dos críticos em várias ocasiões", acrescenta o jornalista.
Outros jornais e revistas de grande circulação ao redor do mundo também noticiaram a repercussão da decisão que anulou as condenações de Lula, com foco em sua possível candidatura nas eleições presidenciais de 2022.
O também britânico Guardian disse que o ex-presidente "quase certamente desafiará o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, nas eleições presidenciais de 2022".
Em reportagem assinada por Tom Phillips, correspondente no Rio de Janeiro, o jornal lembra que Lula "esperava buscar um terceiro mandato em 2018, mas foi afastado depois de ser preso por acusações de corrupção, abrindo caminho para a vitória esmagadora de Bolsonaro".
No texto, o diário menciona uma entrevista do ex-presidente em abril do ano passado em que diz que "você pode ter certeza de que a esquerda governará o Brasil novamente depois de 2022", afirmou Lula ao Guardian na ocasião.
O argentino Clarín lembra que Fachin tomou uma decisão "monocrática", mas é um juiz "conhecido por estar alinhado com as denúncias e processos promovidos pela Operação Lava Jato".
O jornal frisa que a Lava Jato "abriu a caixa de Pandora de uma gigantesca rede de corrupção no Brasil, e suas descobertas levaram poderosos executivos e políticos de todo o arco do partido que por décadas pareciam intocáveis".
E também assinala o impacto da investigação para o restante da América Latina.
"(...) As confissões dos implicados no esquema de corrupção, principalmente de executivos do grupo Odebrecht, tiveram um efeito dominó que ultrapassou as fronteiras do Brasil e abalou os alicerces do sistema em mais de uma dezena de países latino-americanos."
"O escândalo, que logo passou a ser chamado de 'caso Odebrecht', atingiu presidentes e ex-presidentes do continente acusados de terem participado de uma das maiores redes de pagamento de propina da história."
"Entre os investigados, estava o ex-presidente peruano Alan Garcia (1985-1990 e 2006-2011), que se suicidou em abril de 2019 com um tiro na cabeça quando seria preso por suposta lavagem de ativos de propinas da Odebrecht", escreve o Clarín.
O espanhol El País destaca que a decisão é uma "vitória para Lula", mas "abala o tabuleiro político brasileiro em um momento em que a pandemia está fora de controle, com hospitais lotados em vários Estados e o restante do país no limite".
"No Brasil, como bom berço das novelas, as reviravoltas de roteiro acontecem diariamente", escreve Naiara Galarraga Gortázar, correspondente do jornal em São Paulo.
"Lula "livre" ataca o Bolsonaro: Brasil se prepara para o grande duelo", diz a manchete do italiano Corriere della Sera.
"Agora Lula, de 75 anos, como uma Ave Fênix, pode se levantar da poeira e se candidatar às eleições no ano que vem para desafiar o grande inimigo, o atual presidente e quase certamente candidato de direita a reeleição Jair Bolsonaro", escreve a jornalista Sara Gandolfi.
Já o francês Le Monde chamou a decisão de Fachin sobre Lula de "um trovão em um céu político já carregado".
"O anúncio marca uma virada em um ciclo judicial de sete anos, que viu o histórico líder de esquerda brasileiro repetidamente condenado por corrupção e forçado a passar 580 dias na prisão entre abril de 2018 e novembro de 2019", escreve Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal no Rio de janeiro.
O diário ressalta que Lula recebeu apoio de outras personalidades políticas de esquerda fora do Brasil.
"Na segunda-feira, ele recebeu os parabéns da esquerda latino-americana, do chefe de Estado argentino Alberto Fernández aos ex-presidentes bolivianos Evo Morales ou do uruguaio José Mujica. "Tão feliz ! Justiça feita por Lula", também se apressou em tuitar a prefeita de Paris, Anne Hidalgo".
Para o também francês Le Figaro, a decisão "teve o efeito de uma bomba, lançando o ícone da esquerda brasileira de volta à arena política, em um Brasil mais polarizado do que nunca após dois anos de mandato do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro".
Segundo o alemão Frankfurter Allgemeine, a decisão de Fachin foi recebida "com surpresa e alguma preocupação pelos observadores".
"O cancelamento de todo um processo dessa dimensão pinta uma imagem ruim do Estado de Direito brasileiro. Ao mesmo tempo, diante da possibilidade concreta da participação de Lula da Silva nas eleições do próximo ano, teme-se uma polarização ainda mais acentuada da política brasileira", escreve Tjerk Brühwiller, correspondente do jornal na América Latina.
Segundo ele, essa polarização "beneficiaria não apenas o próprio Lula da Silva, mas também Bolsonaro, cuja eleição em 2018 foi em grande parte devido à rejeição de Lula da Silva e seu Partido Trabalhista. O espaço para possíveis candidaturas do centro político seria, no entanto, menor. Outros aspirantes devem se aventurar".
"Muitos brasileiros não consideram o ex-presidente inocente. Mas a maneira e o momento de sua condenação foram, sem dúvida, questionáveis", diz Brühwiller.
Em editorial, o português Público diz que "fica hoje claro que quem defendia Lula da ofensiva de Moro não estava necessariamente a defender o seu legado político ou a sua ideologia: estava apenas a defender o princípio segundo o qual a Justiça não pode ser instrumento de uma estratégia política", escreve o jornalista Manuel Carvalho.
"A decisão não surpreende, porque era inevitável. As condenações nos casos do apartamento de Guarujá ou do sítio de Atibaia sempre careceram de provas consistentes e todos os trâmites processuais foram conduzidos no sentido de meter Lula na cadeia", acrescenta.
"Com este gesto, o Brasil limpa uma nódoa no seu Estado de direito. E, ao fazê-lo, sinaliza que a sua democracia resiste", conclui Carvalho.