Script = https://s1.trrsf.com/update-1734029710/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

'Nossas vidas são descartáveis': como a tensão entre EUA e Irã afeta os iranianos-americanos

Com cerca de 1 milhão de pessoas, a comunidade iraniana nos EUA mantém forte relação com o país de origem e critica o regime dos aiatolás, mas não concorda com as medidas de Donald Trump.

14 jan 2020 - 15h21
(atualizado em 15/1/2020 às 05h48)
Compartilhar
Exibir comentários
Firuzeh Mahmoudi (de cabelo curto) em sua infância em Teerã, a capital iraniana; ela se mudou para os EUA aos 12 anos
Firuzeh Mahmoudi (de cabelo curto) em sua infância em Teerã, a capital iraniana; ela se mudou para os EUA aos 12 anos
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

"Eles realmente se importam conosco? Nossas vidas são descartáveis". A conclusão é da advogada iraniana-americana Sanaz Asgharzadeh, de 40 anos, sobre a derrubada de um avião ucraniano, com 176 pessoas a bordo, no dia 7, por mísseis disparados pelo governo do Irã.

Nos últimos 10 dias, os sentimentos de Sanaz sobre as animosidades entre seu país de origem e seu país de moradia têm sido uma montanha russa: contrariedade, dor, revolta.

Em pequena escala, Sanaz expressa a reviravolta da opinião pública iraniana que, em um período de apenas dois meses, foi às ruas para protestar contra o regime, para demonstrar apoio ao aiatolá e chorar a morte de um alto oficial da Guarda Revolucionária Islâmica e, mais uma vez, para pedir a mudança de governo.

A admissão da derrubada não intencional da aeronave pelo presidente do país, Hassan Rouhani, no sábado, foi o mais recente capítulo da crise entre Estados Unidos e Irã.

A tragédia foi causada por um erro militar. Apenas três horas e meia antes do acidente, o Exército iraniano havia atacado duas bases americanas no Iraque em retaliação ao assassinato do general iraniano Qasem Soleimani, morto dias antes em um ataque aéreo ordenado por Washington em Bagdá.

Embora, em 2020, as duas nações tenham chegado à beira da guerra declarada, a tensão entre elas já dura 40 anos — com períodos mais agudos e outros mais amenos. Ela voltou a aumentar desde que o presidente americano, Donald Trump, retirou o país do acordo nuclear com o Irã, em maio de 2018, e voltou a impor duras sanções econômicas ao país persa.

Teerã, por sua vez, reagiu com ataques a alvos americanos e seus aliados no Oriente Médio.

'Nunca me senti tão insegura'

Na visão de Sanaz, se o governo iraniano não se importa com o povo do Irã, o mesmo vale para a gestão Trump.

Trump já afirmou que o Irã é o Estado que mais patrocina o terrorismo e, ao longo da escalada dos últimos dias, chegou a ameaçar ataques contra patrimônios culturais iranianos, o que seria considerado um crime de guerra.

Desde o fim de semana, no entanto, o presidente americano tem usado sua conta no Twitter para enviar um sinal de simpatia — ele vem postando mensagens de apoio aos manifestantes escritas em persa. A comunidade iraniana nos EUA, porém, não parece comovida.

"Todos os dias as pessoas continuam sofrendo, e em vez de Trump apenas declarar que 'está com os iranianos', ele poderia tomar algumas medidas para relaxar as sanções econômicas que mais impactam a população e retirar os iranianos do grupo de muçulmanos banidos de viajar aos Estados Unidos, assim podemos voltar a ver nossos parentes amados", diz Sanaz.

A notícia de que as forças iranianas derrubaram o avião foi recebida com protestos no país
A notícia de que as forças iranianas derrubaram o avião foi recebida com protestos no país
Foto: AFP / BBC News Brasil

Diante da escalada do conflito, cidadãos com dupla nacionalidade — iraniana e americana ou canadense — passaram a sofrer constrangimentos em controles de fronteira por sua ascendência.

De acordo com a BBC Persa, o engenheiro Sepehr Ebrahimzadeh, um iraniano-canandense com green card americano, esperou cerca de seis horas para atravessar a fronteira terrestre entre Canadá e Estados Unidos, no dia 6. No período, ele foi repetidamente interrogado.

Ebrahimzadeh disse que os guardas da Patrulha de Fronteira dos EUA o interrogaram sobre seu local de nascimento, seus anos de estudos no Irã, seu serviço militar e o histórico de outros parentes. O órgão de controle de fronteira americano negou que tenha imposto constrangimento desse tipo a cidadãos americanos-iranianos.

Desde 2017, Trump incluiu iranianos em uma ordem executiva que impõe uma série de restrições à vinda ao território americano, no que ficou conhecido como "banimento muçulmano".

Nas redes sociais, membros da comunidade iraniana também foram alvo de ofensas e hostilidade.

O ex-atacante do time de baseball Giants e apoiador de Trump Aubrey Huff tuitou na semana passada sobre sequestrar mulheres iranianas. Em resposta a um post que dizia que as iranianas são atraentes sem o véu, ele afirmou: "Vamos tomar um voo para lá e cada um de nós traz 10 iranianas. Elas vão nos abanar e nos servir uvas na boca, entre outras coisas".

Criticado, ele disse que a mensagem era "uma piada".

"Nunca me senti tão insegura. Vi mensagens que diziam que deveríamos ser mandados a campos de concentração. Para mim, não são ideias isoladas de algumas pessoas, isso vem de cima. O próprio presidente demoniza essa minoria", afirma Assal Rad, de 37 anos, pesquisadora do Conselho Nacional de Iranianos-Americanos e nascida pouco depois que sua família saiu do Irã em direção aos Estados Unidos.

'As pessoas estão muito aborrecidas'

Nascida na capital iraniana no mesmo ano em que a revolução islâmica deu início ao regime dos aiatolás (1979), Sanaz Asgharzadeh deixou o país rumo aos Estados Unidos aos cinco anos de idade, junto com os pais e os dois irmãos mais velhos — que estavam prestes a ser recrutados para a guerra entre Irã e Iraque, nos anos 1980.

Sanaz é parte de uma comunidade estimada em um milhão de iranianos, majoritariamente baseada na Califórnia, embora a advogada viva hoje na capital americana, Washington DC.

"Meus pais não eram parte do governo anterior nem agentes políticos, mas o governo dos aiatolás fazia 'testes de lealdade e religiosidade' nas pessoas logo depois da revolução. Com o tempo, foi ficando claro que eles não poderiam continuar no país, mas nunca foram opositores nem apoiadores", afirma Sanaz, em uma explicação muito semelhante à da maior parte dos migrantes iranianos sobre os motivos para deixar seu país.

A comunidade nos EUA se esforça para manter os valores culturais, a língua e a culinária persas. Em Los Angeles, muitas reuniões da comunidade são feitas exclusivamente no idioma persa, e um dos bairros recebeu o apelido de "Teerangeles", pela grande quantidade de moradores iranianos.

Sanaz Asgharzadeh (à esquerda) em sua última visita a Teerã, em 2001
Sanaz Asgharzadeh (à esquerda) em sua última visita a Teerã, em 2001
Foto: Arquivo Pessoal / BBC News Brasil

A conexão com os parentes que ficaram no Irã também é intensa. E embora Sanaz não tenha voltado a Teerã desde 2001, ela é capaz de descrever com precisão o que se passa nas ruas da capital iraniana.

"As pessoas estão muito aborrecidas", afirma. "Depois de enfrentar as restrições do regime, as sanções econômicas, as ameaças de guerra, ter, ainda por cima, um avião com cidadãos iranianos abatido pelo próprio país faz com que as pessoas sintam que suas vidas não valem nada", diz Sanaz.

Iranianos foram em massa para as ruas no sábado (11), assim que o governo, após três dias de negativas, admitiu sua culpa pelo acidente aéreo.

Reprimidas duramente com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, as manifestações se espraiaram para pelo menos mais dez cidades, além de Teerã. E eram compostas não apenas por opositores do regime, mas por pessoas que, dias antes, expressavam luto público pela morte do general Soleimani.

"Estamos todos envergonhados diante do nosso povo", tuitou Kian Abdollahi, editor-chefe da agência de notícias Tasnim, alinhada ao governo, sobre o fato.

A união pelo ataque externo

Dias antes dessa reviravolta, no entanto, o regime iraniano experimentou enorme apoio popular em meio aos eventos do funeral de Soleimani, tido por muitos como a segunda figura mais relevante do governo, atrás apenas do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país.

Em lágrimas, milhões de pessoas — de todo o tipo de condição social e econômica — ocuparam as ruas do país para participar dos cortejos fúnebres, comandados diretamente por Khamenei.

As manifestações pareciam indicar que os iranianos eram capazes de superar divisões e dificuldades internas para se unir contra ameaças militares externas.

"Trump fez com que os aiatolás voltassem a se fortalecer, e que a conversa deixasse de ser sobre a opressão do regime iraniano e passasse a ser sobre o ataque sofrido pelo Irã", afirmou à BBC News Brasil a iraniana-americana Firuzeh Mahmoudi, antes que o regime admitisse a derrubada do avião ucraniano.

Aos 48 anos, Firuzeh mantém longos cabelos negros, que não pôde ostentar na infância em Teerã. Ela tinha 8 anos quando a Revolução Iraniana começou e foi, pouco a pouco, impondo o uso do véu à população feminina. "Cortei o cabelo bem curtinho e assim eu podia me fazer passar por menino e evitar me cobrir", conta. Aos 12 anos, ela se mudou com o pai para os Estados Unidos.

Formada em Ciência Política na Universidade da Califórnia em Berkeley, Firuzeh sempre atuou em movimentos da sociedade civil. Mas, há pouco mais de 10 anos, resolveu que precisava se concentrar na questão mais premente pra ela: o próprio país.

Firuzeh Mahmoudi, de 48 anos, vive até hoje nos EUA; ela é considerada uma agente anti-revolucionária pelo Irã
Firuzeh Mahmoudi, de 48 anos, vive até hoje nos EUA; ela é considerada uma agente anti-revolucionária pelo Irã
Foto: Arquivo Pessoal / BBC News Brasil

Em 2009, na onda do chamado Movimento Verde — quando milhões de iranianos foram às ruas vestidos de verde para pedir a anulação da eleição presidencial que dava a vitória a Mahmoud Ahmadinejad —, ela criou uma ONG para desenvolver aplicativos que pudessem ajudar os iranianos a se conectar e pleitear liberdades civis e transparência governamental.

Por sua atuação, Firuzeh é considerada uma agente anti-revolucionária pelo Irã e foi banida de retornar ao seu país. Para ela, poderia ser fácil concordar com qualquer medida que ferisse o regime, mas não é tão simples assim.

"Queremos democracia, mas não acredito em democracia plantada por meio de bombas. As mudanças têm de ser conquistadas pelos iranianos. Muitas pessoas não concordavam com os atos de Soleimani. Isso não quer dizer que elas concordem com a morte dele pelos Estados Unidos. Não pode ser correto matar um oficial de outro país dessa maneira", diz.

Impacto das sanções

Em novembro do ano passado, quando o governo iraniano anunciou um aumento nos preços dos combustíveis para fazer frente à desvalorização de sua moeda causada pelas sanções econômicas, a população se revoltou.

Para Firuzeh, esse seria um momento de fragilidade do regime que poderia levar à sua queda. A janela de oportunidade foi fechada com a morte de Soleimani. Mas não definitivamente. A revolta quanto à tragédia do avião mostra que há um relevante sentimento de insatisfação popular.

De acordo com os iranianos ouvidos pela BBC News Brasil, a escassez de produtos básicos e a dificuldade de sustentar as famílias talvez só encontrem paralelo com o auge da guerra entre Irã e Iraque nos anos 1980. A inflação no país em 2019 é estimada em quase 40%.

"Há racionamento até de remédios quimioterápicos. Minha família e meus amigos eram de classe média e estão se esforçando pra sobreviver, imagino o que passam os mais pobres", afirma Assal Rad.

"Minha prima me contou o caso de uma senhora que andava na rua com a bolsa e uma sacola de carne. Um ladrão veio e tomou dela a sacola com carne, que tinha mais valor do que qualquer dinheiro que ela tivesse na bolsa", afirma Sanaz, para quem as sanções americanas não prejudicam o 1% mais rico do país — que também são os chefes de governo — e sim castiga a população.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade