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O chocante relato de sobrevivente de naufrágio que matou ao menos 78 migrantes na Grécia

O paquistanês Muhammad Hamza, de 30 anos, conta como sobreviveu à tragédia. A ONU estima que até 750 pessoas — a maioria do Egito, Paquistão e Síria — foram amontoadas no barco de pesca que virou no Mediterrâneo.

24 jun 2023 - 16h46
(atualizado às 19h48)
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Um pouco de sorte salvou a vida de Muhammad Hamza — ele conseguiu permanecer no convés ao embarcar
Um pouco de sorte salvou a vida de Muhammad Hamza — ele conseguiu permanecer no convés ao embarcar
Foto: BBC News Brasil

Muhammad Hamza é calmo e contido. Não há emoção em sua voz. Pode ser o estado de choque, mas provavelmente foi o que ajudou este homem de 30 anos a sobreviver.

Ele tomou uma decisão rápida quando os contrabandistas o escoltaram até a embarcação de pesca atracada na costa da Líbia.

Ele se sentou no convés e manteve a cabeça baixa no fundo, se misturando à paisagem. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que até 750 pessoas foram amontoadas no barco.

"Ninguém prestou atenção em mim", ele me disse em Atenas, capital da Grécia, para onde se mudou após ser libertado do centro de detenção para onde todos os sobreviventes do naufrágio foram inicialmente levados.

Ele é um dos 12 paquistaneses sobreviventes, de um total de 104 pessoas resgatadas com vida. O barco de pesca afundou no Mediterrâneo na madrugada de 14 de junho em circunstâncias controversas.

"Havia egípcios e sírios com família no convés. Eu estava na parte do meio, com vários outros paquistaneses. Também havia paquistaneses no porão", diz Muhammad.

A embarcação superlotada foi fotografada várias vezes antes de virar e afundar
A embarcação superlotada foi fotografada várias vezes antes de virar e afundar
Foto: Hellenic Coast Guard / BBC News Brasil

Ele conta que não havia mulheres paquistanesas a bordo, mas viu duas crianças na faixa de 10 ou 11 anos. Havia cerca de 100 paquistaneses no convés, e o restante estava embaixo, ele acrescenta.

Não há consenso, no entanto, sobre o número de paquistaneses no barco. As autoridades paquistanesas afirmam que 300 cidadãos estavam a bordo, mas Muhammad insiste que eram 350.

"Quando saímos do esconderijo anterior (na Líbia), sabíamos quantos paquistaneses estavam entre nós", diz ele.

"Mas não sabíamos quantos sírios e egípcios estavam com a gente. Sabíamos o número exato de paquistaneses que estavam com a gente. Sabíamos até quem eram seus agentes."

'Espancado e forçado a sentar'

Assim como muitos sobreviventes, ele menciona as condições horríveis a bordo e o tratamento desumano recebido durante as seis noites e cinco dias em que esteve no mar.

"Egípcios e líbios nos espancavam e nos obrigavam a sentar", diz ele.

"Não tínhamos permissão para levantar. Não podíamos nem sequer esticar as pernas. Eles também não nos deixavam falar um com o outro."

Eles ficaram sem comida e água — e foram forçados a beber água do mar.

"Não havia banheiro. Tínhamos que urinar no oceano", diz ele.

Prédio da autoridade portuária em Calamata, na Grécia, para onde os sobreviventes foram levados
Prédio da autoridade portuária em Calamata, na Grécia, para onde os sobreviventes foram levados
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Nos últimos dois a três dias, ele conta que a embarcação continuou dando voltas no mesmo trecho, de 20 a 25 km, do Mediterrâneo.

Ele afirma que três embarcações se aproximaram do barco de pesca nas 24 horas antes do mesmo afundar. E descreve as duas primeiras como "navios de carga" que forneceram água e comida aos refugiados.

A BBC identificou, por meio de dados de rastreamento marítimo, estas duas embarcações que se aproximaram do barco de pesca no dia 13 de junho.

Os proprietários de cada uma das embarcações disseram que a guarda costeira grega havia solicitado que eles fornecessem suprimentos.

'Gritando por socorro'

Ao descrever o último dia, Muhammad se emociona pela primeira vez.

"As pessoas gritavam por socorro e algumas agitavam as camisetas em desespero", diz ele.

Ele é incapaz de descrever a última embarcação que se aproximou deles.

"Era de noite, então não sei", afirma. "Havia luzes grandes no navio."

"Eu estava sentado na parte de trás, e aquele navio estava na frente. As pessoas lá (na frente) disseram que (o navio) jogou cordas", afirma.

"Eu estava sentado do lado direito do barco, o barco afundou do mesmo lado, e nós pulamos."

As autoridades gregas dizem que mais de duas horas antes do barco virar, a guarda costeira tentou amarrar uma corda ao barco para que pudessem subir a bordo e avaliar a situação.

Eles alegam que as pessoas a bordo tentaram desamarrá-la, dizendo que queriam viajar para a Itália.

A guarda costeira grega negou as acusações de que eles estavam rebocando o barco quando o mesmo afundou ou que eles eram os culpados.

Muhammad também conta que o motor parou de funcionar meia hora antes do barco afundar, e as pessoas no porão foram autorizadas a subir para o convés em pânico.

Os sobreviventes da tragédia enfrentam um futuro incerto enquanto tentam reconstruir suas vidas
Os sobreviventes da tragédia enfrentam um futuro incerto enquanto tentam reconstruir suas vidas
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Ele estava então dentro d'água.

"Cerca de quatro a cinco navios cargueiros estavam na área depois que o nosso barco afundou", diz ele.

"Eles nos cercaram pelos quatro lados, mas estavam a alguma distância e não chegaram perto, mas deixaram uma lancha."

"Eu estava nadando na direção dela quando encontrei uma garrafa vazia de 1,5 litro. Me agarrei a ela enquanto tentava chegar lá."

"Tinha um sírio e um egípcio na minha frente, eles tinham um pequeno tubo. Me juntei a eles e nadamos por cerca de meia hora a 40 minutos. Depois a lancha nos resgatou."

Muhammad estava desempregado no Paquistão e diz que partiu em busca de uma vida melhor.

Ele pagou 2,5 milhões de rúpias paquistanesas (cerca de R$ 41,5 mil) pela travessia, voando de Karachi, no Paquistão, para Dubai, depois para o Egito e finalmente pousando na cidade líbia de Benghazi.

Ele espera agora ganhar a vida aqui na Grécia.

Muhammad conta que conversou com sua família na cidade de Gujranwala, em Punjabi, no Paquistão — e eles estão "aliviados" por ele estar vivo.

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