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O espião infiltrado na Coreia do Norte que acabou preso por traição em seu país

Na década de 1990, o espião sul-coreano Park Chae-seo arriscou sua vida para ir à Coreia do Norte encontrar os principais líderes do país, incluindo - ele afirma - o líder supremo Kim Jong-il. Após um escândalo político na Coreia do Sul, seu disfarce acabou, porém, indo por água abaixo e ele foi acusado de ser agente duplo.

10 set 2018 - 05h04
(atualizado às 08h04)
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Park Chae-seo se infiltrou na alta cúpula do governo norte-coreano nos anos 1990
Park Chae-seo se infiltrou na alta cúpula do governo norte-coreano nos anos 1990
Foto: BBC News Brasil

Park Chae-seo, um ex-major do exército sul-coreano que atuava em operações secretas, foi um dos primeiros a descobrir, em 1992, que a Coreia do Norte havia desenvolvido duas ogivas nucleares de baixo rendimento.

Naquela época, ele estava trabalhando com agentes da CIA em uma operação secreta da inteligência militar sul-coreana para reunir informações sobre as capacidades nucleares da Coreia do Norte.

Park e outros agentes estavam nessa missão desde 1990 - um ano depois que imagens de satélite revelaram pela primeira vez uma usina de reprocessamento nuclear no complexo Yongbyon.

Eles se aproximaram de um professor de engenharia nuclear com conhecimento do programa nuclear do país e conseguiram seu apoio - e aí Park, então, reuniu provas concretas da existência das ogivas.

Com o episódio, a agência de inteligência da Coreia do Sul, o Serviço Nacional de Inteligência, tomou conhecimento do talento do agente e, em 1995, o recrutou para uma nova missão como infiltrado na Coreia do Norte.

Park se passaria por um ex-militar que havia se transformado em importante homem de negócios baseado em Pequim, na China.

"O alvo da missão era claro: aterrissar no coração do inimigo", disse ele em uma entrevista recente à BBC, se referindo aos círculos mais internos do governo do país comunista.

Park Chae-seo, ainda como capitão no exército sul-coreano. Ele chegou a ser major, antes de atuar como espião
Park Chae-seo, ainda como capitão no exército sul-coreano. Ele chegou a ser major, antes de atuar como espião
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

Ele afirma que chegou a encontrar Kim Jong-il, o falecido líder norte-coreano e pai do atual líder Kim Jong-un, um feito que nenhum espião da Coreia do Sul havia, até então, conseguido.

"Toda vez que você entra na Coreia do Norte, você está colocando tudo nas mãos deles. Seu disfarce pode ser comprometido e eles podem cortar sua garganta a qualquer momento", disse Park, descrevendo como se sentia toda vez que entrava no país.

Um longa-metragem sobre sua trajetória - intitulado The Spy Gone North (O Espião foi para o Norte, em tradução literal) - estreou no Festival de Cannes em maio de 2018 e nos cinemas da Coreia do Sul em agosto.

Subindo um nível

O lançamento ocorre no momento em que a crise nuclear da Coreia do Norte parece entrar em nova fase, marcada pelo encontro de Kim Jong-un com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Cingapura, em junho - quando prometeu abandonar seus programas nucleares.

"Primeiro você tem que ser capaz de entrar e sair livremente da Coreia do Norte para coletar informações", disse Park à BBC.

"Você deve se aproximar dos principais membros do governo norte-coreano para garantir tal liberação."

Park Chae-seo prestes a embarcar em um avião norte-coreano na época de sua missão a Pyongyang
Park Chae-seo prestes a embarcar em um avião norte-coreano na época de sua missão a Pyongyang
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

Ele disse que teve que "subir de nível" para se tornar alguém com quem o reservado alto escalão do Estado aceitaria se encontrar.

Park reforçou esse perfil trabalhando com os conselheiros mais próximos do presidente da Coreia do Sul que, na época, era Kim Young-sam.

O esforço conjunto o ajudou a se aproximar de Jang Seong-thaek, tio de Kim Jong-un, considerado "o número 2" no regime norte-coreano até sua execução por ordem do próprio sobrinho, em 2013, sob acusação de traição e corrupção.

Ganhando confiança

Park afirma que Jang foi o mais alto funcionário norte-coreano que conheceu - com exceção do líder Kim Jong-il -, e que os dois se encontravam com frequência em Pequim.

Conseguir uma reunião era uma coisa, mas ganhar sua confiança, porém, era outra história.

Park diz que, quando as autoridades norte-coreanas decidem que querem trabalhar com certas pessoas, elas as obrigam a prometer lealdade ao país comunista.

Park Chae-seo em um bar de karaoke em Pyongyang durante o período em que atuou disfarçado
Park Chae-seo em um bar de karaoke em Pyongyang durante o período em que atuou disfarçado
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

"Você tem que assinar um documento e até filmá-lo. Mas eu continuei dizendo 'não' a isso. Eu falei: 'Não me obriguem a dizer' Vida longa a Kim Il-sung '.Eu disse a eles que não podia, porque eu havia sido um major do exército sul-coreano, mas agora estava ali a negócios, apenas negócios", disse ele.

Ele foi mantido sob a mira de uma arma, mas diz que assumiu o risco e gritou com os interlocutores.

Encontrando o líder supremo

"Kim Byung-yong, que foi o primeiro vice-diretor da Agência de Segurança do Estado da Coreia do Norte, sacou uma arma e a apontou para a minha cabeça, dizendo: 'Vou matar esse filho da mãe'. Mas eu joguei a mesa em cima dele e fugi."

Um dos destaques do filme é quando o personagem de Park encontra Kim Jong-il.

Na cena, o personagem do então líder norte-coreano é visto entrando no quarto de hóspedes com um animal de estimação.

Park em frente a estátua de Kim Jong-il, em Pyongyang, em 1997: ele afirma que conheceu o então líder supremo da Coreia do Norte naquela época
Park em frente a estátua de Kim Jong-il, em Pyongyang, em 1997: ele afirma que conheceu o então líder supremo da Coreia do Norte naquela época
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

"O fato de eles terem me levado ao presidente Kim Jong-il significava que tinham acabado de me investigar", disse Park sobre o encontro, que aconteceu em junho de 1997.

Naquela época, seu disfarce era como executivo de uma empresa de publicidade sul-coreana que estava tentando emplacar um projeto de publicidade envolvendo os dois países.

Autoridades norte-coreanas o levaram a Kim Jong-il, esperando que conseguisse vender-lhe a proposta, supostamente lucrativa, e explicar-lhe o conceito de publicidade.

'Kim Jong-il tinha bom senso e forte determinação'

"A publicidade é considerada a joia do capitalismo. Como você venderia a ideia a um Estado comunista? Não é fácil", disse ele.

Park disse que o líder comunista era bastante gentil e que tinha boas maneiras.

"Kim Jong-il parecia ter bom senso e forte determinação. Ele não repetia uma palavra que dizia. Sua retórica era direta e sem hesitação."

Park, disfarçado de executivo de empresa de publicidade, explicando aos norte-coreanos sobre campanha publicitária: Ele afirma que o hotel em que aparece na imagem costumava ser um lugar para discussão de negócios secretos entre o sul e o norte
Park, disfarçado de executivo de empresa de publicidade, explicando aos norte-coreanos sobre campanha publicitária: Ele afirma que o hotel em que aparece na imagem costumava ser um lugar para discussão de negócios secretos entre o sul e o norte
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

Mas é aí que a reviravolta inesperada acontece.

Park soube durante o encontro que Kim Jong-il não queria ver Kim Dae-jung, candidato presidencial sul-coreano, vencer as eleições que ocorreriam em dezembro de 1997.

Kim Dae-jung, que mais tarde foi eleito, realizou uma histórica reunião entre as duas Coreias no ano 2000 e introduziu a chamada Sunshine Policy, ou Política do Raio do Sol, em tradução literal - a política externa da Coreia do Sul em relação à Coreia do Norte entre os anos 1998 e 2008, responsável por estreitar o contato político entre os dois países no período.

O Norte temia, porém, que o político liberal - que estava contando com um apoio expressivo do público - fosse experiente e perspicaz demais para se lidar.

Interferência nas eleições

Park relatou isso à agência de inteligência da Coreia do Sul e descobriu que nem a agência queria Kim Dae-jung como presidente e que, nesse contexto, ela própria havia tentado conspirar com a Coreia do Norte para destruir suas ambições presidenciais.

A agência pediu à Coreia do Norte que encenasse um protesto armado na Zona Desmilitarizada, uma área de segurança conhecida pela sigla em inglês DMZ, que fica na polêmica fronteira que separa as duas Coreias, para que os eleitores se inclinassem a votar no rival conservador de Kim, Lee Hoi-chang.

"Eles estavam fazendo acordos com o inimigo, colocando seus próprios interesses em primeiro lugar em detrimento da vontade do povo. Foi absurdo", disse Park.

Avaliando que aquilo não estava certo, ele alertou aos partidários de Kim Dae-jung sobre a tentativa de interferência nas eleições.

Também convenceu as autoridades norte-coreanas a não realizarem o protesto armado na DMZ.

Por fim, Kim Dae-jung venceu por uma margem apertada de votos, abrindo um novo capítulo na relação entre os países, com sua polêmica Política Sunshine.

Há informações de que, após Kim Dae-jung vencer as eleições, Kim Jong-il executou funcionários de seu alto escalão que o convenceram de que o Norte deveria conspirar com o Sul e que a interferência no pleito teria sucesso.

Park Chae-seo e um de seus contatos da inteligência norte-coreana
Park Chae-seo e um de seus contatos da inteligência norte-coreana
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

Mas como este agente disfarçado - cuja identidade e missão nunca deveriam ter se tornado públicas - foi descoberto?

No ano seguinte ao encontro que ele afirma ter tido com Kim Jung-il, Kim Dae-jung foi empossado, e a agência de inteligência da Coreia do Sul vazou intencionalmente um arquivo mostrando seu envolvimento com a Coreia do Norte antes das eleições.

O vazamento foi uma espécie de ataque preventivo, alertando a administração Kim Dae-jung a não ir fundo na questão e eventualmente expor o conluio que que havia se formado na tentativa de manipular o resultado das eleições - o arquivo continha informações adicionais sobre um encontro de figuras-chave da equipe de Kim Dae-jung com autoridades norte-coreanas.

Inimigo do Estado

Os documentos também traziam detalhes sobre "Black Venus" (Vênus Negra), o codinome de Park.

Ele não poderia mais trabalhar como espião - e foi dispensado.

Mudou-se para Pequim e levou uma "vida normal" com a família até 2010.

Naquele ano, contudo, "Black Venus" fora acusado de passar informações militares secretas da Coreia do Sul para a Coreia do Norte após ter sido afastado da agência de inteligência.

Ele foi condenado a seis anos de prisão e cumpriu sua sentença.

Park Chae-seo assiste à assinatura de um contrato de publicidade entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul
Park Chae-seo assiste à assinatura de um contrato de publicidade entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul
Foto: Kim Dang / BBC News Brasil

O sul-coreano admite que entregou algumas informações, mas que não se tratavam de dados militares confidenciais - ao contrário do que a decisão judicial alega.

Ele planeja pedir um novo julgamento.

'Agente duplo'

"O julgamento concluiu que eu sou um agente duplo", disse ele, quando perguntado se realmente exerceu essa função.

"No mundo da inteligência, 'agente duplo' é o termo mais sujo que existe. Significa que você tem um pé em cada campo e está vendendo informação de um para o outro. Eu nunca fiz isso."

Park diz que não tem arrependimentos nem ressentimentos em relação ao seu país de origem.

"Eu amo o meu país. Eu trabalhei duro. E houve momentos em que foi muito gratificante. Não tenho arrependimentos."

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O espião infiltrado na Coreia do Norte que acabou preso por traição em seu país:
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