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"O Holocausto nunca pode ser esquecido", diz sobrevivente

27 jan 2012 - 08h15
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Há exatos 67 anos, tropas aliadas libertavam os prisioneiros dos campos de concentração nazistas de Auschwitz e Birkenau, na Polônia, após mais de cinco anos de terror perpetrados pelas tropas alemãs no país. Entre os sobreviventes do Holocausto, estava um polonês de 20 anos que havia prometido a si mesmo que contaria ao mundo o que acontecera a ele e sua família. Ben Abraham, hoje com 87 anos, tornou-se jornalista e escritor, mudou-se para o Brasil e trabalha para que o genocídio de 6 milhões de judeus nunca caia no esquecimento.

O polonês Ben Abraham, 87 anos, trabalha para que o genocídio de Hitler nunca caia no esquecimento
O polonês Ben Abraham, 87 anos, trabalha para que o genocídio de Hitler nunca caia no esquecimento
Foto: Divulgação

Como presidente da Associação dos Sobreviventes do Holocausto (Sherit Hapleitá) no Brasil, Ben Abraham defende que os jovens aprendam nas escolas o que aconteceu na Alemanha na década de 30. "Hitler foi eleito nas eleições livres e democráticas. É preciso alertar em quem votar, para não sermos iludidos como aconteceu com o povo alemão", disse ele. "É preciso aprender a história do passado para viver no presente e enfrentar o futuro com cabeça erguida", afirmou Abraham.

Neste 27 de janeiro, a Organização das Nações Unidas (ONU) homenageia todas as vítimas de Hitler com o Dia Internacional de Lembrança das Vítimas do Holocausto. Várias cidades do mundo voltam seus olhos a um dos maiores genocídios da história. No Brasil, Ben Abraham participará de uma cerimônia em São Paulo, nesta sexta-feira, e outra em Salvador, no domingo. Em entrevista ao Terra, ele relatou os momentos de dor pelos quais passou nas mãos das tropas nazistas.

Terra - Quando e como ocorreu a ocupação de sua cidade natal (Lodz, na Polônia) pelos nazistas?

Bem Abraham - Tudo começou no dia 1º de setembro de 1939 (dia em que os alemães invadiram a Polônia). Naquela época, eu tinha 14 anos. Seis dias depois, as tropas alemãs entraram na minha cidade natal, Lodz. Logo, começaram perseguições aos judeus. Os religiosos tiveram suas barbas cortadas e eram humilhados, e os judeus eram pegos para trabalhos forçados. Os mais destacados eram levados na calada da noite e nunca mais voltaram. Logo depois, os alemães, para marcar os judeus, colocaram neles uma braçadeira branca com uma estrela de Davi azul no braço direito. Todos eram obrigados a usar, desde os 5 anos de idade até 80, 90 anos. Judeus eram pegos nas ruas para trabalhos forçados, com castigos de chicotadas.

Terra - Os nazistas aprisionaram os judeus da cidade de Lodz em um gueto. Como isso aconteceu?

Abraham - O gueto, o primeiro do século XX, foi instalado em um bairro miserável, que foi cercado com arame farpado. Ninguém podia sair do gueto. No primeiro ano, o inverno era tão rigoroso, a temperatura chegou a mais ou menos -30°C, e as condições eram humilhantes. Várias famílias compartilhavam a mesma moradia, sem qualquer higiene, não tinha banheiros lá dentro, só na rua. A gente desmontava cercas de madeira para se aquecer. Basta dizer que, no primeiro ano, no nosso gueto, onde foram encarcerados 162 mil judeus, quase 25 mil morreram em um ano. No ano seguinte, as condições melhoraram, pois os alemães instalaram fábricas para seus uniformes, para seus armamentos e outras coisas no gueto. Os homens e mulheres eram obrigados a trabalhar desde os 10 anos de idade até os 70, 80 anos. Em 1942, os alemães exigiram que a liderança do gueto escolhesse 20 mil judeus, diziam que iam trabalhar. Mas era tudo um engano, eram todos condenados à morte. Cercaram o gueto outra vez, era proibido sair das suas casas, por oito dias, sem quaisquer mantimentos. Fomos encarcerados.

Terra - Como as tropas nazistas escolhiam e matavam os judeus aprisionados?

Abraham - Alemães cercavam bairro por bairro, mandavam todos descer e, conforme o aspecto da pessoa, principalmente jovens, crianças e velhos eram levados e mortos. Eram mandados a um lugarejo ermo, situado mais ou menos a 60 km de Varsóvia, onde lhes esperavam caminhões fechados como de mudanças, mas os gases do escapamento eram canalizados dentro da carroceria, e até chegarem à vala comum, todos já haviam sido asfixiados. Depois, as condições do gueto melhoraram um pouquinho, porque todo mundo era obrigado a trabalhar 12 horas por dia, sete dias por semana, nas fábricas. A fome era tremenda, a gente sofria com fome e frio.

Terra - Como o senhor saiu do gueto e foi mandado a campos de concentração nazistas?

Abraham - No verão de 1944, quando as tropas soviéticas chegaram a Varsóvia, o gueto deveria ser liquidado. Os alemães prometiam que iríamos trabalhar no campo e teríamos melhores condições de vida. Mas ninguém acreditava. Então, os alemães outra vez entraram no gueto e cercaram uma rua atrás da outra, um bairro depois do outro, retirando as pessoas e mandando a um lugar desconhecido. E eu, com minha mãe, também fui mandado para lá. Vagávamos nos trens, nos vagões fechados, alguns com carga, sem higiene, e pensávamos que íamos trabalhar nas fábricas de sabão. Depois de retirados a chicotadas e gritos dos vagões, fomos separados em três grupos: homens, mulheres e inaptos para o trabalho, que eram velhos, crianças, mulheres grávidas e mulheres que não quiseram se separar de suas crianças. Esses foram diretamente para a morte. Os outros passaram pela seleção e iam para trabalhos forçados ou para a câmara de gás. As pessoas eram asfixiadas nas câmaras de gás e, depois, queimadas nos crematórios. Os alemães aproveitaram tudo, cortaram cabelos das mulheres, cortaram os dedos para tirar anéis, depois cremaram e as cinzas eram enviadas à Alemanha como fertilizante. Eu, pela última vez, vi minha mãe, e soube depois que ela foi para o crematório, para a câmara de gás. Passei duas semanas em Auschwitz, onde fiquei até a primavera de 1945. Com a aproximação das forças aliadas após a invasão da Normandia, o nosso campo foi desativado e fui enviado a outro campo. Quando fui libertado, eu pesava 28 kg, um esqueleto humano coberto com pele, estava com tuberculose dupla e outras doenças.

Terra - O que aconteceu após sua libertação?

Abraham - Passei mais de 10 meses nos hospitais aliados cuidando das minhas doenças. Naquela época, não tinha antibióticos, e eu sarei sem deixar vestígios da tuberculose, como milagre. Eu jurei, naquela época: caso Deus me permitisse sobreviver à guerra, contaria para o mundo o meu testemunho e tudo que presenciei. Naturalizei-me brasileiro e trabalhei em várias capitais no Brasil, como jornalista e colaborador de vários jornais.

Terra - Qual a importância de ensinar o Holocausto nas escolas?

Abraham - É muito importante ensinar principalmente às novas gerações o que um regime totalitário inescrupuloso como foi o de Hitler pode produzir em sua própria nação. Hitler foi eleito nas eleições livres e democráticas. Depois, assumiu o poder ditatorial. Assim, é preciso alertar em quem votar, para não sermos iludidos com essas demagogias baratas como aconteceu com o povo alemão, que, até Hitler chegar ao poder, era o povo mais civilizado do mundo. O Holocausto nunca pode ser esquecido pelo mundo inteiro. Foi um massacre lícito finalizado pelo governo alemão daquela época que tirou a vida de todas as raças consideradas inferiores, iniciando pelos judeus e ciganos. Porque foram mortos nas câmaras de gás 6 milhões de judeus, em fuzilamentos em massa e também meio milhão de ciganos. É preciso aprender a história do passado para viver no presente e enfrentar o futuro com cabeça erguida.

Fonte: Terra
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