O minúsculo país que lidera a 'corrida do ouro' espacial
A Lua e os asteróides próximos à Terra podem ser fontes de recursos minerais incalculáveis, que serão alvo de uma disputa para a qual Luxemburgo já se prepara.
Muitos executivos do setor da tecnologia têm vendido a ideia de Marte como o próximo destino do homem fora da Terra. Mas eles talvez estejam mirando longe demais. A chance mais imediata de nos estabelecermos fora do Planeta Azul está bem mais perto, e esse caminho será provavelmente traçado por empresas pouco conhecidas.
Colonizar a Lua servirá como um modelo do que se pretende fazer em Marte, dizem cientistas da agência espacial americana, a Nasa. E aqueles que ocuparão instalações no satélite natural serão, provavelmente, empregadas de pequenas empresas privadas de mineração - e não magnatas de tecnologia.
Muitas dessas companhias estão ligadas à pequena nação europeia de Luxemburgo. E o mais surpreendente é que a Nasa estima um prazo de quatro anos para o início dessa colonização.
Takeshi Hakamada é um dos nomes que ousadamente quer voltar a pisar no solo, repetindo o ato que, na década de 1960, representou um "salto para a humanidade". Desta vez, no entanto, há um sonho muito mais comercial por trás: vasculhar a Lua em busca de, além de água, recursos minerais e gasosos.
Hakamada é o CEO do iSpace, uma empresa espacial com base em Tóquio, mas que também tem presença em Luxemburgo. A companhia planeja completar uma órbita lunar em 2020, e então tentar uma aterrissagem no satélite natural em 2021.
"Nossas primeiras duas missões serão uma demonstração de nossa tecnologia. A partir daí, começaremos a estabelecer um serviço de transporte de alta frequência para levar clientes à Lua", afirma. "Se encontrarmos água, poderemos desenvolver uma indústria de recursos totalmente nova no espaço."
A descoberta de uma baía de água congelada seria um momento extraordinário para nossa espécie, pois permitiria que humanos permanecessem por mais tempo fora da Terra.
Hakamada está longe de ser o único com ambições cósmicas. Dez companhias de mineração espacial (incluindo a iSpace) se estabeleceram em Luxemburgo desde a aprovação, em fevereiro de 2016, de uma lei local para a exploração de recursos espaciais. A tendência foi impulsionada por um fundo no valor de US$ 223 milhões (R$ 840 milhões).
Além da Lua, cerca de 16 mil asteroides que orbitam próximos à Terra também estão na mira das empresas. A quantidade de minerais desses corpos celestes é tamanha que sua exploração poderia levar ao surgimento do primeiro trilionário do mundo, segundo especialistas como o renomado astrofísico Neil deGrasse Tyson.
A aprovação da lei em Luxemburgo acelerou a nova corrida espacial. Agora, o país é o segundo no mundo - depois dos EUA - a ter uma estrutura legal abrangente de exploração dos recursos fora da Terra.
"Desde fevereiro de 2016, quase 200 empresas entraram em contato", afirma Paul Zenners, representante do Ministério da Economia de Luxemburgo, que coordena a iniciativa do governo SpaceResources.lu.
A estrutura legal espacial de Luxemburgo tem diferenças importantes da dos EUA. Em terras americanas, é exigido que companhias tenham mais de 50% de capital ali. O país europeu não impõe tal limitação e, além de ser um dos locais com o maior PIB per capita, também é visto por alguns como um paraíso fiscal - oferece incentivos e benefícios fiscais, incluindo taxas extremamente baixas para a repatriação de capital.
Americanos interessados
A entrada de Luxemburgo na corrida por recursos especiais atraiu as maiores empresas americanas do ramo, incluindo a Deep Space Industries e a Planetary Resources.
Esta última têm investimentos do empresário Richard Branson, do grupo Virgin, e de um dos fundadores do Google, Larry Page. É ainda uma das mais antigas da indústria espacial e vendeu uma participação para Luxemburgo por US$ 28 milhões (R$ 105 milhões). Não se sabe o quanto isso representa, mas o diretor da empresa admite que o país europeu é um dos principais investidores.
O Ato de Recursos Espaciais de Luxemburgo abriu as portas para os investimentos no setor. Hoje, o Ministério da Economia diz que a indústria espacial representa em torno de 1,8% do PIB nacional, a maior proporção de qualquer país europeu.
Mas apesar de receber altos investimentos, a indústria de mineração espacial ainda lida com as armadilhas de leis ambíguas.
"Não está claro se a lei internacional espacial permite ao país o direito pela propriedade dos recursos naturais extraídos do espaço", apontou um estudo da Allen and Overy, um escritório de advocacia de Luxemburgo.
Depois que os EUA aprovaram a primeira lei de mineração espacial em 2015, a Rússia foi um dos países a levantar objeções.
Para entender a ambiguidade, voltemos ao Tratado do Espaço Exterior de 1967, um acordo do período da Guerra Fria proibindo a apropriação de corpos celestes por países. Nele, o espaço é entendido como uma propriedade coletiva, como a Antártida.
O desenvolvimento militar é bastante limitado no espaço devido ao acordo, assinado por 105 países. Para implementar a Força Espacial recentemente anunciada pelo presidente Donald Trump, Washington teria que sair do tratado, isolando ainda mais os EUA.
Mas o acordo de 1967 não faz qualquer referência à propriedade dos recursos espaciais, para os quais os EUA e Luxemburgo decidiram definir regras. E provavelmente não serão os únicos: os Emirados Árabes Unidos recentemente estabeleceram uma parceria com Luxemburgo para entender a estrutura de sua lei promulgada.
"A lei de Luxemburgo sobre exploração e uso de recursos espaciais aborda isso (a omissão) e traz mais clareza a nível nacional, servindo como um primeiro passo para permitir atividades com recursos espaciais", diz Zenners.
"Não tem o objetivo, propósito ou efeito de abrir caminho para qualquer apropriação de corpos celestes. Apenas a posse dos recursos espaciais é abordada no marco legal, que também estabelece normas para a autorização e supervisão de missões", completa.
Desta forma, Luxemburgo pode ficar na liderança na corrida pelas riquezas do espaço.
"Junto aos EUA, Luxemburgo provou ser um país com visão de futuro, e seu sucesso permitirá que empresas privadas conduzam profundas missões espaciais", diz Bill Miller, CEO da empresa americana Deep Space Industries, que usa Luxemburgo como sua sede europeia.
Se os lucros da indústria começarem a brotar em um futuro próximo, provavelmente Luxemburgo estará em evidência.