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O protesto que começou com alunos de escolas públicas dos EUA e se espalhou por 800 cidades

Protesto pelo controle de armas reuniu cerca de 500 mil pessoas, segundo a imprensa local, e é tido o maior da história do país com essa bandeira.

24 mar 2018 - 19h51
(atualizado em 25/3/2018 às 11h51)
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Por seis minutos e vinte segundos, a estudante Emma Gonzales, sobrevivente do mais recente massacre em uma escola dos Estados Unidos, em fevereiro, na Florida, encarou uma multidão em completo silêncio, interrompido apenas pelo som de sua respiração forte, lágrimas e gritos de "nunca mais".

Ato por controle de armas foi iniciado por estudantes de escolas públicas foi registrado em 800 cidades
Ato por controle de armas foi iniciado por estudantes de escolas públicas foi registrado em 800 cidades
Foto: EPA / BBC News Brasil

"Seis minutos e cerca de 20 segundos", disse a estudante depois o intervalo. "Em pouco mais de 6 minutos, 17 de nossos amigos foram tirados de nós, 15 ficaram feridos e todos na comunidade foram alterados para sempre."

Gonzales e dezenas de colegas escola Marjory Stoneman Douglas, onde ocorreu o ataque, foram os organizadores do protesto "Marcha pelas nossas vidas", que extrapolou a capital americana e se espalhou por pelo menos 800 cidades nos EUA e em outros países, neste sábado.

A polícia não divulgou números sobre a manifestação - a estimativa, segundo a imprensa local, é de cerca de 500 mil pessoas. A mobilização dos secundaristas, de acordo com a mídia americana, teria gerado a maior manifestação da história do país pelo controle de armas e pela participação dos mais jovens nas próximas eleições.

Pais, avós e professores presentes no ato comparavam a marcha às famosas manifestações pelo fim da Guerra do Vietnã e pelos Direitos Civis, que marcaram a história do país nos anos 1960.

Esta era a primeira vez que jovens como Victoria, de 12 anos, participaram de uma manifestação.

"Eu não me sinto segura na minha escola, de jeito nenhum. Guardas armados não são suficientes", disse a disse a jovem, que foi à capital junto com seus professores de uma escola de Nova York. "Temos que estar aqui, hoje, porque tem muita gente morrendo por causa da violência armada e o Congresso não faz nada."

No protesto realizado por estudantes em Nova York, o beatle Paul McCartney lembrou do colega John Lennon, morto a tiros em 1980. "Um dos meus melhores amigos foi vítima da violência com arma de fogo perto daqui", disse à imprensa.

Aproximadamente 200 pessoas foram mortos por disparos dentro de escolas americanas desde o massacre de Columbine, no Colorado, que deixou 13 mortos, em 1999.

Segundo levantamento do jornal Washington Post, desde então, mais de 187 mil estudantes de pelo menos 193 escolas primárias e secundárias viveram tiroteios dentro de seus colégios.

NRA

Não se tratava de uma marcha pela proibição da venda comerciais de armas nos EUA, protegida expressamente pela segunda emenda da constituição do país, mas pela proibição da venda de armas automáticas, carregadores de munição para fuzis e regras mais rígidas para a checagem de antecedentes de quem compra armas de fogo.

O principal alvo dos manifestantes era a NRA (Associação Nacional dos Rifles, na sigla em inglês).

Fundada em 1871 para "promover e incentivar o uso de armas de fogo com base científica", o grupo se tornou um dos mais poderosos dos Estados Unidos, com um orçamento capaz de financiar e influenciar membros do Congresso sobre a política de armas do país.

A NRA conta atualmente com 5 milhões de membros espalhados pelo país - entre eles motorista aposentado Fred (que não informou seu sobrenome), que junto a um grupo de 10 pessoas levou ao protesto um cartaz que dizia "Pessoas de bem com armas estão do seu lado".

"É importante que todos percebam que a falta de diálogo é parte do problema", disse Fred à BBC Brasil. "É preciso que as pessoas defendam e tenham consciência sobre suas liberdades, para que o governo não fique grande a ponto de roubar suas liberdades."

"O problema não são as armas", disse Fred, que mora com a esposa e dois filhos no Estado da Virginia e tem quatro armas em casa. "São pessoas sem alma que querem matar as pessoas, seja com bombas, carros ou armas."

Para ele, a NRA é um grupo que defende e organiza as pessoas sobre o bom uso das armas.

"Eles são um alvo fácil", disse. "O governo americano não tem habilidade ou responsabilidade para proteger indivíduos. Ele tem que proteger a sociedade. Mas se você sofrer um ataque em casa, ligar para a polícia e eles não chegarem, é isso, você só tem a si mesmo."

Crianças

Em meio à multidão, a voz de uma garota de apenas 9 anos gerou novo silêncio e muito choro na capital americana."Meu avô tinha o sonho de que suas quatro crianças pequenas não seriam julgadas pela cor de suas peles, mas por seu caráter. Eu tenho um sonho: chega! Este tem que ser um mundo sem armas. Ponto final", disse a pequena Yolnda Renne King, de mãos dadas com uma das sobreviventes do tiroteio na Florida.A menina é neta do reverendo Martin Luther King, um dos líderes do movimento pelos direitos civis, que lutava pelo fim da segregação dos negros nos Estados Unidos. Bem perto dali, em agosto de 1963, ele proferiu seu mais famoso discurso, que começava com "Eu tenho um sonho".

A professora de física J. Blake saiu de Baltimore e trouxe as duas filhas para o protesto. À reportagem, ela contou que sente medo pela segurança delas em sala de aula, enquanto não houver maior controle sobre a venda de armas pesadas, como fuzis e metralhadoras automáticas.

"Meus filhos não estão seguros na escola hoje em dia. As escolas públicas têm um único oficial que carrega uma arma de mão. Se alguém entra com uma arma automática, uma pessoa só não conseguirá controlá-la", disse.

"Sinto alegria e otimismo com o fato de as pessoas terem de fato vindo às ruas. Eu espero que elas também saiam de casa para votar em pessoas com uma visão razoável sobre leis de armas. Como pais, é nosso dever proteger nossos filhos e a melhor forma de fazermos isso é votado", afirmou.

Segurando um cartaz que dizia "Armas de fogo mudam, a Constituição também deveria mudar", sua filha Lauren, de 14 anos, contou à BBC Brasil por que decidiu protestar.

"Uma pessoa pode entrar em uma escola e matar 17 pessoas com facilidade", disse. "Não é só nas escolas, pessoas estão morrendo nas ruas de Baltimore desde sempre, por qualquer motivo, e nada tem sido feito para resolver isso. Acho que essa ideia tem que se espalhar das escolas para todos os lugares, e para as ruas."

Sua irmã Olivia, de 15 anos, concordava e comemorava o protagonismo das crianças e adolescentes

"O fato de sermos tão jovens nos permite olhar para o mundo dos adultos e ver o que está acontecendo e o que tem que mudar. Nós somos o futuro e seremos as pessoas que tomarão decisões. Começar a falar alto agora, e dizer que queremos nossas vidas protegidas, é um primeiro passo."

Trump

Mas houve estudantes que fizeram questão de criticar o protesto. Morador de Lousiana, o estudante Harrison Nugent disse ao BBC Trending que "é injusto negar os direitos de cidadãos portarem armas como forma de proteção e como forma de ter uma vida boa"

"A ultima coisa que temos que fazer como sociedade é fechar os olhos para a tragédia o que aconteceu na Flórida. Há varias iniciativas que promovem a autodefesa e a liberdade dos outros", afirmou.

Enquanto o presidente americano Donald Trump acompanhava os protestos de em seu clube de golfe na Florida, a Casa Branca emitiu uma nota aà imprensa parabenizando os presentes por exercerem seu direito à livre manifestação.

"Aplaudimos os muitos jovens americanos corajosos que estão usando seus direitos garantidos pela primeira emenda da Constituição hoje", disse a porta-voz Lindsay Walters, em nota.

"Manter nossas crianças seguras é uma das principais prioridades do presidente", diz o texto, ressaltando que Trump encaminou projetos ao Congresso contra a violência armada. "Além disso, na sexta-feira, o Departamento de Justiça emitiu regra que proibe os aceleradores de disparos, seguindo o compromisso do presidente de proibir dispositivos que transformam armas legais em metralhadoras ilegais."

O protesto em Washington foi financiado por celebridades como Oprah Winfrey e George Clooney e contou com performances ao vivo de ídolos adolescentes como Miley Cyrus e Ariana Grande.

Cameron Kasky, mais uma estudante da escola Stoneman Douglas que se tornou uma das faces mais conhecidas do movimento secundarista, pressionou políticos a tomarem medidas concretas para limitar o acesso a armas no país.

"Ou vocês representam as pessoas, ou adeus", disse. "Lutem por nós ou fiquem atentos. Os eleitores estão vindo."

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