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O que acontecerá com os migrantes após o fim do campo de refugiados de Calais?

24 out 2016 - 17h53
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Uma simples faixa de areia. É nisso que as autoridades da França esperam transformar o terreno do campo de refugiados de Calais.

Mas o fechamento da chamada "Jungle" ("selva", em inglês), iniciado numa operação que já removeu cerca de 2 mil pessoas nesta segunda-feira, não soluciona a crise dos migrantes nem significa que a história não se repetirá.

A "Jungle" de Calais não é a primeira crise local. Antes, a preocupação tinha outro nome: Sangatte.

De 1999 a 2002, poucos quilômetros ao sul da área que se viria a se tornar a "Jungle", uma antiga garagem do Eurotúnel - o túnel submarino que liga a França ao Reino Unido pelo Canal da Mancha - foi transformada em um centro da Cruz Vermelha para cuidar de migrantes.

Sangatte foi concebido para abrigar algumas centenas de pessoas, mas se tornou o refúgio de mais de 1,5 mil afegãos, curdos iraquianos e migrantes do Kosovo. Toda semana, muitos entravam ilegalmente no Reino Unido com a ajuda de traficantes de pessoas.

Os governos francês e britânico chegaram à conclusão que Sangatte se tornara uma espécie de "ímã", atraindo cada vez mais migrantes. E que também era lá que eles faziam contatos para a travessia clandestina do Canal da Mancha.

Quando o local foi fechado, em dezembro de 2002, o Reino Unido recebeu 1,3 mil refugiados curdos e afegãos.

O centro para refugiados de Sangatte, criado pela Cruz Vermelha em Calais, foi desativado em dezembro de 2002
O centro para refugiados de Sangatte, criado pela Cruz Vermelha em Calais, foi desativado em dezembro de 2002
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Não levou muito tempo, porém, para que surgissem tendas e abrigos improvisados na área em torno do porto de Calais - nascia ali a "Jungle", fruto do agravamento da crise migratória na Europa.

O que mudou?

Mas agora as autoridades francesas acreditam que tudo vai ser diferente.

A maior diferença, garantem, é que hoje existiria um sistema adequado para cuidar dos migrantes.

Em toda a França, foram abertos mais de 400 Centros de Recepção e Orientação (CAO, na sigla em francês) em quartéis da polícia, hospitais desativados, colônias de férias e outros locais.

Depois de instalados nesses centros, os migrantes vão poder pedir asilo e dali serão transferidos para locais com uma estrutura melhor - os Centros de Recepção para Requerentes de Asilo (Cada, na sigla em francês).

Menores desacompanhados receberão tratamento distinto. A França quer que o Reino Unido receba 500 deles, que dizem ter familiares em terras britânicas. Os outros irão para centros de acolhimento franceses.

Até esta segunda, cerca de 7 mil migrantes viviam na metade remanescente do campo de refugiados - a outra foi esvaziada no começo do ano. Em junho, eram 4,5 mil, segundo cálculos das autoridades locais.

Grupos humanitários, porém, afirmam que o local abrigaria atualmente cerca de 9 mil pessoas.

Polêmicas

O minucioso planejamento que antecedeu o fechamento da "Jungle" foi cercado de boas intenções, mas isso não impediu que provocasse algumas consequências negativas.

Por exemplo: há comunidades que reagiram mal às notícias de que receberiam pessoas vindas de lá.

Futuro centro para migrantes foi incendiado em Forges-les-Bains, nos arredores de Paris
Futuro centro para migrantes foi incendiado em Forges-les-Bains, nos arredores de Paris
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em Champtercier, uma pacata aldeia de 800 habitantes nas montanhas do sudeste da França, os moradores temem uma mudança repentina do seu estilo de vida. Visado para férias, o local deve receber 100 migrantes da Eritreia e do Sudão.

"Estou dividido. Precisamos ser humanos, mas realmente somos capazes de receber todos esses migrantes? A cidade é pequena e tranquila. A maioria dos moradores é de idosos e esses são os que ficam com mais medo", disse ao jornal francês Le Monde um morador, que pediu para não ser identificado.

Mas há locais onde a hostilidade é declarada.

Em Forges-les-Bains, nos arredores de Paris, um prédio que seria transformado em centro para recepção de migrantes foi incendiado.

Na cidade de Beziers, no sul do país, o prefeito, que é do partido de direita Frente Nacional, espalhou cartazes com os dizeres: "Então é isso, eles estão chegando!"

Outro temor é o da superlotação. Os novos Centro de Recepção e Orientação são temporários - quem estiver neles deverá ser transferido rapidamente para os Cadas. Lá, os que não conseguirem asilo possivelmente serão deportados.

Mas o processo de deportação é demorado, e os Cadas já estão funcionando no limite da sua capacidade. Ou seja: são grandes as chances de os migrantes voltarem a viver em condições precárias.

Objetivo maior

O grande desejo das autoridades é - a exemplo do plano para o fim de Sangatte - acabar com a existência de um local de concentração de migrantes e contrabandistas.

Alain Juppé, candidato à presidência da França em 2017, defende a criação de um controle de passaportes do Reino Unido no lado francês do Canal da Mancha
Alain Juppé, candidato à presidência da França em 2017, defende a criação de um controle de passaportes do Reino Unido no lado francês do Canal da Mancha
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Se o fim da "Jungle" der certo, muito da tensão política e diplomática será dispersada junto com os migrantes.

A vida em Calais voltará ao normal, e um ponto constante de atrito entre Paris e Londres desaparecerá.

O local é um tema importante na campanha para as eleições presidenciais francesas de 2017. O candidato favorito, o ex-primeiro-ministro Alain Juppé, defende uma revisão do sistema de fiscalização na fronteira do Reino Unido com a França.

Se a pressão acabar, e a "Jungle" tiver desaparecido definitivamente, este ponto pode sair da agenda dos franceses.

Mas não há muito espaço para otimismo. A história mostra que a crise dos migrantes em Calais é um problema crônico e tem potencial para ficar ainda mais grave.

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