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O que é a ONU e quais são as principais críticas ao grupo formado para evitar novas guerras

Líderes mundiais se encontram anualmente no mês de setembro no encontro do único órgão da ONU em que todos seus 193 membros estão representados.

23 set 2019 - 22h57
(atualizado em 24/9/2019 às 07h48)
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Membros da Assembleia Geral da ONU se encontram anualmente em Nova York
Membros da Assembleia Geral da ONU se encontram anualmente em Nova York
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O texto foi atualizado às 8h38 de 24 de setembro de 2019.

Seguindo uma tradição de sete décadas, o presidente Jair Bolsonaro fará nesta terça-feira (24) o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. O mandatário brasileiro pretende fazer uma defesa contundente da soberania nacional em torno da Amazônia e da política ambiental do país.

Os debates da 74ª edição do evento com líderes mundiais devem se girar em torno das mudanças climáticas, mas este é somente um dos temas ligados à Organização das Nações Unidas, mais conhecida pela sigla ONU.

Fundada após a Segunda Guerra Mundial com o objetivo principal de mediar conflitos e evitar novas guerras, a instituição passou em sete décadas a tratar também de saúde pública, clima, migração, patrimônio histórico, energia atômica, drogas, educação, habitação e segurança alimentar, entre outras áreas.

Mas o que de fato faz a ONU e quais são as principais críticas à organização que reúne hoje 193 países?

O que são as Nações Unidas e sua Assembleia Geral?

A instituição surgiu em 1945 em busca de um objetivo que sua sucessora, a Liga das Nações, não foi capaz de atingir: evitar guerras.

"A ONU não foi criada para levar as pessoas ao paraíso, mas para salvar a humanidade do inferno", disse o segundo secretário-geral da entidade, Dag Hammarskjöld, em 1954.

Em sete décadas, a instituição pulou de 51 para 193 países-membros, atingiu um custo o equivalente a quase R$ 40 bilhões por ano e passou a reunir mais de 130 mil pessoas em seus quadros, incluindo 100 mil pessoas nas tropas das 14 missões de paz ao redor do mundo.

Segundo dados da ONU, a organização hoje oferece, por exemplo, assistência e comida para 91 milhões de pessoas em 83 países e vacinas para 45% da crianças do mundo, salvando quase 3 milhões de vidas por ano.

Para além dos programas e das missões em curso, o debate mais amplo na organização ocorre na chamada Assembleia Geral, realizada anualmente em setembro. É a única instância dos seis principais grupos da organização que inclui representantes de todos os membros, em geral com a participação de chefes de Estado.

Sua conferência anual acontece durante 15 dias a cada mês de setembro na sede da ONU em Nova York, nos Estados Unidos. Dentro deste intervalo, a sessão principal, chamada de "debate geral", dura quatro dias.

ONU inclui 193 países que são membros efetivos e dois Estados não membros, a Santa Sé e a Palestina
ONU inclui 193 países que são membros efetivos e dois Estados não membros, a Santa Sé e a Palestina
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O que será discutido no debate geral deste ano?

Geralmente, entra na pauta uma variedade de tópicos, desde drogas ao meio ambiente.

Neste ano, estão previstas conversas sobre formas de acelerar o desenvolvimento sustentável. O tema desta 74ª edição é "Galvanizando esforços multilaterais pela erradicação da pobreza, educação de qualidade, ação climática e inclusão".

A quinta-feira especificamente será dedicada à busca pela eliminação de armas nucleares no mundo; já na sexta-feira, estão previstas discussões sobre as dificuldades das pequenas ilhas, que incluem o isolamento geográfico e econômico, além da fragilidade ambiental intensificada pela perspectiva das mudanças climáticas.

O que pode estar nas manchetes desta semana?

O encontro de líderes mundiais na Assembleia Geral costuma gerar muitas notícias vindas da câmara principal do prédio em Nova York, onde eles se encontram por acaso ou por agenda.

Boris Johnson, por exemplo, estará participando de sua primeira sessão como primeiro-ministro do Reino Unido e pode protagonizar conversas e decisões importantes sobre o Brexit (saída da União Europeia) com alguns de seus colegas.

Na véspera da abertura da Assembleia Geral, foi realizada uma cúpula sobre o clima, na qual a ativista de 16 anos Greta Thunberg disse aos líderes mundiais: "Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias... Como se atrevem?"

O presidente da Índia, Narendra Modi, declarou que o mundo não está fazendo o suficiente para combater as mudanças climáticas.

"O que precisamos é de uma mudança comportamental global", disse ele.

O Brasil ficou de fora da lista de oradores deste evento.

Como funciona a programação?

Tradicionalmente, o Brasil é o primeiro a falar no plenário desse fórum desde 1955, apesar de ter aberto o evento pela primeira vez em 1949. Atribui-se essa tarefa aos brasileiros, dentre outros fatores, à atuação proeminente do diplomata Oswaldo Aranha no surgimento da ONU e nas primeiras edições da Assembleia Geral, que ele presidiu. Ele teve papel fundamental nas deliberações, por exemplo, que levariam à criação do Estado de Israel.

O presidente Jair Bolsonaro subirá ao púlpito este ano, sua estreia ali, embora sua recente cirurgia de hérnia tenha colocado dúvidas sobre sua presença. Ele deve ser seguido pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

Depois, representantes de cada país se alternam de acordo com uma ordem determinada por fatores como grau hierárquico do orador e equilíbrio geográfico.

Solicita-se que os oradores discursem por menos de 15 minutos, embora isso seja ignorado regularmente. Fidel Castro, de Cuba, detém o recorde do mais longo discurso da Assembleia Geral - quatro horas e meia, em 1960.

Os delegados sentam-se em ordem alfabética, de acordo com a tradução em inglês de seus nomes, mas o país no primeiro assento é sempre selecionado pelo secretário-geral da ONU - e este ano, o posto é Gana.

Cúpula sobre meio ambiente na ONU, na véspera de encontro da Assembleia Geral, contou com presença da ativista de 16 anos Greta Thunberg
Cúpula sobre meio ambiente na ONU, na véspera de encontro da Assembleia Geral, contou com presença da ativista de 16 anos Greta Thunberg
Foto: REUTERS/Lucas Jackson / BBC News Brasil

Quem vai comparecer e quem vai faltar neste ano?

Até o final da semana passada, mais de 90 líderes mundiais se comprometeram a participar da assembleia.

Entre eles estão Johnson; Emmanuel Macron, da França; e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia.

Por outro lado, não irão ao encontro nomes como Vladimir Putin, da Rússia; Xi Jinping, da China; e o premiê de Israel, Benjamin Netanahyu.

Houve algum acontecimento memorável em encontros anteriores?

Houve alguns.

Em 2006, o então presidente venezuelano Hugo Chávez chamou o então presidente dos EUA George W. Bush de "diabo" durante seu discurso. Chávez disse ainda que o púlpito, no qual Bush havia falado no dia anterior, "ainda cheirava a enxofre". No discurso, o venezuelano mencionou a interferência americana - muitas vezes bélica - em diversas partes do mundo, como em conflitos no Oriente Médio.

Três anos depois, o então líder da Líbia, Muammar al-Gaddafi, falou por mais de uma hora e meia e reclamou que outros delegados haviam deixado a sala. Ele também acusou as principais potências de trair os princípios da Carta das Nações Unidas, antes de jogar uma cópia dela no chão.

Mais recentemente, em 2017, Trump disse sobre o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un: "O Rocket Man (homem do foguete) está em uma missão suicida". Na época, houve uma escalada na retórica conflituosa entre os EUA e a Coreia do Norte por causa de testes de bombas e mísseis realizados por Pyongyang.

Quais são as principais críticas feitas à ONU?

Desde a sua criação, a ONU é frequentemente criticada pelo excesso de burocracia e pouco impacto na vida das pessoas. Na década passada, um relatório avalizado por líderes mundiais afirmava que a organização falhava gravemente em sua tarefa de ajudar aqueles que mais precisam. O documento falava em ineficiência, fragmentação, problemas para levantar recursos e inchaço administrativo.

Em dezembro de 2018, havia 37,5 mil pessoas empregadas no Secretariado da ONU, responsável por administrar o dia a dia, programas e políticas da organização.

Outras críticas miram a concentração em torno dos cinco membros com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, que podem unilateralmente barrar decisões importantes contra países que ataquem seu povo ou seus vizinhos, por exemplo.

Mas as contestações mais ruidosas são voltadas para o Conselho de Direitos Humanos.

Este órgão, ligado ao Secretariado, está entre um dos principais "cães de guarda" dos direitos humanos no mundo, mas ter entre seus integrantes países com governos autoritários como Arábia Saudita, Cuba e Venezuela remete mais à imagem de uma "raposa cuidando do galinheiro".

Essa contradição, somada à politização do tema e à alegada ineficiência, é um problema para a ONU há anos. Em 2006, o então secretário-geral Kofi Annan promoveu uma reforma que substituiu a então Comissão de Direitos Humanos pela estrutura atual do Conselho de Direitos Humanos, com 47 membros (o Brasil entre eles).

Eles se reúnem três vezes por ano e analisam os registros de direitos humanos de todos os membros da ONU em um processo especial - conhecido como Revisão Periódica Universal - que segundo o Conselho, dá aos países a oportunidade de apresentarem as ações que foram tomadas para aperfeiçoar o desempenho nesse quesito em sua jurisdição territorial.

O Conselho também envia especialistas independentes e criou comissões de inquérito para relatar violações de direitos humanos em países como Síria, Coreia do Norte, Burundi, Mianmar e Sudão do Sul.

Em tese, pela nova configuração, cada país candidato ao órgão precisaria demonstrar um bom histórico de respeito aos direitos humanos. "Assim, países como a Arábia Saudita nunca teriam assento novamente", disse à época Kenneth Roth, da entidade Human Rights Watch.

Mas o processo de votação acabou envolto em pressões regionais que levam, por exemplo, países vizinhos a apoiarem regimes menos democráticos.

E há também o fator Israel. O país é alvo de um escrutínio permanente do órgão, política considerada desmedida e injusta pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, dois países com poder de veto no Conselho de Segurança.

Nikki Haley, representante dos EUA na ONU, afirmou que o Conselho de Direitos Humanos da organização era hipócrita e egoísta
Nikki Haley, representante dos EUA na ONU, afirmou que o Conselho de Direitos Humanos da organização era hipócrita e egoísta
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Durante a campanha presidencial, em agosto do ano passado, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, chegou a dizer que, se eleito, retiraria o Brasil do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

"Aquele conselho não serve para absolutamente nada", afirmou. "Não é apenas porque vota contra Israel de forma corriqueira, porque estão sempre do lado de quem não presta..."

Até agora, quem de fato saiu do órgão foram os EUA, no ano passado. Ao anunciar a decisão, a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, afirmou que o Conselho de Direitos Humanos era "hipócrita e egoísta" e de "esgoto de parcialidade política".

Qual é o poder de fato da ONU?

As decisões na ONU não se têm força de lei, mas governos tendem a seguir resoluções porque eles representam a opinião global em assuntos relevantes.

O mais famoso documento elaborado no âmbito da organização é a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Se por um lado a organização pode fazer recomendações baseadas no que foi discutido internamente, por outro não pode forçar países a agirem.

Isso não impede que os membros tomem medidas contra outros países, principalmente na instância mais poderosa da ONU, o Conselho de Segurança, formado por dez membros temporários e cinco permanentes com poder de veto.

O que faz o Conselho de Segurança?

O principal objetivo desse órgão é prevenir conflitos armados, e caso eles tenham início, o objetivo passa a ser a busca por solução diplomática.

Em última instância, esse órgão pode, por exemplo, impor sanções econômicas e autorizar o uso de força em conflitos, além de supervisionar operações de manutenção de paz da ONU, como a missão liderada por brasileiros no Haiti.

O Conselho de Segurança já autorizou a utilização de uma força de paz no Timor Leste em 1999, aplicou sanções contra a Coreia do Norte após testes nucleares em 2006 e autorizou uma zona de exclusão aérea na Líbia em 2011, entre outras medidas.

Por outro lado, foi duramente criticado pela omissão em outros conflitos ao redor do mundo, como o genocídio em Ruanda em 1994 e o massacre em Srebrenica no ano seguinte.

Bolsonaro aponta viés anti-Israel no âmbito do Conselho de Direitos Humanos na ONU
Bolsonaro aponta viés anti-Israel no âmbito do Conselho de Direitos Humanos na ONU
Foto: Presidência da República / Divulgação / BBC News Brasil

Em geral, o poder de veto serve mais como instrumento de pressão por mudanças na redação das decisões do conselho do que propriamente para barrar decisões coletivas.

O momento mais crítico do Conselho de Segurança ocorreu por volta de 2003, quando os Estados Unidos e o Reino Unido pressionaram o órgão a chancelar a Guerra do Iraque. "A ONU vai servir ao propósito de sua fundação ou será irrelevante", questionou o então presidente americano George W. Bush no ano anterior.

A França propôs um veto à resolução que autorizaria uma intervenção militar no Iraque, e a coalizão liderada por americanos e britânicos decidiu seguir com a invasão mesmo sem a chancela do órgão.

A decisão minou a relevância do Conselho de Segurança à época, mas o órgão vem recuperando sua força nos últimos anos a partir de medidas como a aplicação de sanções para evitar a proliferação de armas nucleares ao redor do mundo.

A concentração de poder unilateral também afeta a legitimidade do órgão. Brasil, Índia, Alemanha e Japão pleiteiam há anos um assento permanente no conselho, e uma reforma chegou a ser desenhada nos anos 1990, mas a falta de consenso sobre quem seriam os novos integrantes acabou enterrando o plano. Pleitos de mudança são recorrentes, mas por ora contam com poucas chances de aprovação.

Quem está no comando da ONU?

Desde janeiro de 2017, quem está à frente da instituição é o ex-primeiro-ministro português António Guterres, num cargo conhecido como secretário-geral. Ele sucedeu o ex-chanceler sul-coreano Ban Ki-moon no posto.

Entre 2005 e 2015, o português dirigiu o Acnur, agência da ONU responsável pelos refugiados. Nesse período, promoveu uma série de reformas que aprimoraram a atuação da agência, segundo diplomatas. Hoje, o órgão é considerado um dos mais funcionais e bem sucedidos da organização.

O orçamento bianual da ONU para custeio e administração gira em torno de US$ 5,4 bilhões, menos que o custo anual das missões de paz, cerca de US$ 6,8 bilhões. Dois em cada 10 dólares são bancados pelos EUA, onde fica a sede da ONU.

Nono a ocupar o cargo, Guterres sugere se aproximar mais do perfil de Kofi Annan, ganês que chefiou a ONU entre 1997 e 2006, dividiu um Prêmio Nobel da Paz em 2001 por ter revitalizado a organização e se notabilizou por ter enfrentado os americanos ao se opor à Guerra no Iraque no ano seguinte.

O nome do secretário-geral precisa ser chancelado pelos cinco países com poder de veto, o que tende a favorecer candidatos mais neutros ou fracos.

O Secretariado é um dos seis principais órgãos da ONU, que tem mais de uma dezena de agências especializadas em sua órbita, entre elas o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

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