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O que os EUA e seus aliados poderiam conseguir com um ataque à Síria?

Para pesquisador de instituto especializado em assuntos de Defesa e Segurança, países ocidentais perderam elemento surpresa e permitiram que aviões sírios se colocassem sob proteção russa, reduzindo chances de sucesso de ação militar.

13 abr 2018 - 09h31
(atualizado às 09h53)
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Em abril de 2017, os EUA lançaram 59 mísseis de cruzeiro na base aérea de Shayrat em resposta a um ataque anterior com armas químicas
Em abril de 2017, os EUA lançaram 59 mísseis de cruzeiro na base aérea de Shayrat em resposta a um ataque anterior com armas químicas
Foto: EPA / BBC News Brasil

Enquanto os governos dos EUA e do Reino Unido discutem sua resposta ao suspeito ataque de armas químicas em Douma, na Síria, a pergunta que não quer calar é essa: o que uma intervenção militar no país poderia alcançar?

O elemento surpresa, uma virtude importante para eventuais ações militares contra instalações militares sírias, desapareceu há muito tempo para os Estados Unidos e seus aliados.

As forças sírias tiveram mais de dois dias para transferir aviões, tanques e outros tipos de equipamento militar para as bases russas em Latakia, Tartus e Khmeimim, onde estarão sob proteção dos altamente capacitados mísseis terra-ar S-400 da Rússia.

Os sírios esvaziaram suas bases de infantaria e dispersaram o máximo que puderam de suas forças armadas, se antecipando a possíveis mísseis ocidentais.

Não há dúvida de que os russos protegerão suas bases, se atacadas. A situação é delicada, com superpotências se intimidando e esquentando um cenário que poderia explodir em um conflito acidental.

As duas grandes questões para os que estiverem planejando os ataques militares ocidentais são: o que podem alcançar com o ataque e que diferença estratégica isso pode fazer?

Com as forças sírias prevenidas, dispersas e sob proteção russa, os ataques ocidentais terão de se concentrar nas instalações militares fixas da Síria - bombardeando pistas, destruindo prédios e equipamentos fixos.

Os ataques ocidentais provavelmente tentarão destruir o sistema de comando e controle militar da Síria, possivelmente com bombas anti-bunker dotadas de ogivas de alta penetração. É provável que tentem desmantelar a infraestrutura militar que a Síria efetivamente reconstruiu desde 2015.

De forma mais ambiciosa, e também mais arriscada, os Estados Unidos podem declarar uma política de longo prazo de revisitar esses alvos de forma a mantê-los fora de uso e ter aviões sírios confinados às bases russas - na verdade tentando operar uma quase "zona de exclusão aérea" - medida que visa interditar os voos aéreos - na Síria, pelo menos por enquanto.

No ano passado, quando os Estados Unidos atacaram a base aérea síria de Shayrat em retaliação ao uso de armas químicas na cidade de Khan Sheikhun, a força aérea síria fez questão de se mostrar operante já no dia seguinte.

Os EUA estarão determinados para que isso não se repita, e é por isso que podemos esperar uma campanha aérea mais prolongada com ataques repetidos e em locais importantes.

Que propósito estratégico pode ser atendido com isso?

Isso certamente não fará diferença imediata para a população civil da Síria - que tem sofrido bastante nas mãos de seu próprio governo e de vários grupos rebeldes, terroristas e guerrilheiros.

E é improvável que o presidente Assad ceda em sua determinação de consolidar seu poder sobre o país.

Então, por que correr todos os riscos de uma escalada com a Rússia e das perspectivas de conseqüências indesejadas que normalmente se seguem?

Por si só, a força militar não tem sentido. Ela precisa ser parte de uma estratégia política e, neste caso, a estratégia é sobre questões maiores do que a própria Síria e só oferece uma esperança mínima à população do país.

O primeiro objetivo é fazer recuar a tendência de "normalização" do uso de armas químicas em qualquer guerra.

O tabu contra o seu uso tem sido surpreendentemente forte desde o final da Primeira Guerra Mundial. A Convenção sobre Armas Químicas de 1993 tem sido uma das medidas de desarmamento mais eficazes da história moderna. A Síria é signatária.

Em 2013, o presidente americano Barack Obama afirmou que iria manter esse tabu como uma "linha vermelha", mas não o fez. E apesar das negativas contundentes do governo de Assad, há inúmeras evidências de que as forças sírias, com conivência russa, têm usado armas químicas regularmente contra seu próprio povo desde então.

Muitos políticos ocidentais acham que o ataque em Douma não pode ficar sem resposta. Tornou-se um caso de teste para o estado de direito internacional, que está sob forte pressão em muitas frentes.

Criança é tratada em hospital em Douma, no leste de Ghouta, na Síria, após suspeita de ataque químico
Criança é tratada em hospital em Douma, no leste de Ghouta, na Síria, após suspeita de ataque químico
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Além disso, alguns argumentam que uma ação militar efetiva representaria uma aceitação de que as potências ocidentais retornaram ao jogo da política do Oriente Médio em um momento em que a região está em colapso.

A campanha contra o chamado Estado Islâmico (EI) sempre foi um espetáculo geopolítico, e a influência ocidental sobre o que vem acontecendo do Líbano ao Iêmen tem declinado fortemente.

É claro que é tentador - e compreensível - aos líderes ocidentais para que não se envolvam nisso. Mas enquanto eles desviavam o foco para o combate ao Estado Islâmico, o futuro da área estava sendo determinado pelo Irã, Rússia e em parte também pela Turquia.

O que é melhor para os interesses de longo prazo das potências ocidentais: se envolver ou se manter distante da constelação de poderes saindo de controle? Esse é o cálculo que está sendo feito.

E a esperança para a população síria é de que uma campanha militar eficaz possa empurrar o presidente Assad de volta às negociações para que a guerra termine de forma mais humana do que com uma vitória cruel.

Usar a força militar nunca é fácil, mas só pode ser eficaz se for parte de uma estratégia política coerente e realista.

Sobre este artigo

A análise foi encomendada pela BBC a um especialista que trabalha para uma organização externa.

O professor Michael Clarke é pesquisador sênior do Royal United Services Institute for Defence and Security Studies (Rusi), um grupo de especialistas britânico nas áreas de defesa e segurança, e diretor associado do Instituto de Estudos Estratégicos.

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