O que são as bombas de fragmentação proibidas que a Rússia é acusada de usar na Ucrânia
Esse tipo de explosivo gera uma ameaça mesmo após o fim do conflito e a maior parte das vítimas são civis - em grande parte crianças.
A Rússia está sendo acusada de usar bombas de fragmentação em ataques na Ucrânia. Esses armamentos são formados por um dispositivo que abre e libera um grande número de explosivos menores (submunições).
Imagens gravadas em um ataque russo em Kharkiv, a segunda maior cidade do país, mostram explosões características desse tipo de arma. Além disso, a entidade Human Rights Watch afirma que uma bomba de fragmentação russa atingiu um hospital em Vuhledar, na região de Donestk, matando 4 civis e deixando pelo menos 10 feridos.
Uma das características desse tipo de artefato bélico é o grande número de vítimas. Isso porque as submunições liberadas pelas bombas de fragmentação se espalham para todos os lados em grande velocidade e atingem uma grande área em vez de acertar um alvo preciso.
Costumam ser atiradas de médias e grandes altitudes e podem se desviar do alvo. Elas podem ser de diversos tipos - anti-infantaria, anti-tanque, incendiárias, entre outras.
As submunições são feitas de modo a explodiram no ar ou em contato com o alvo, mas elas têm um alto índice de não acionamento - ou seja, muitas não explodem imediatamente.
Isso acaba criando uma espécie de campo minado na área atingida, com grande número de bombas não acionadas que têm o potencial de explodir anos depois, ferindo e matando civis.
Devido ao grande número de vítimas e dos terríveis efeitos em populações civis, esse tipo de armamento é profundamente criticado por entidades de direitos humanos e oficialmente condenado por mais de 100 nações.
A maior parte das vítimas dessas bombas são civis, segundo o relatório anual de 2021 do grupo Landmine & Cluster Munition Monitor (monitoramento de minas terrestres e munição de fragmentação).
Em 2020, todas as vítimas de bombas de fragmentação registradas - durante e depois do conflito - foram civis. E crianças foram quase metade (44%) das mortes em que se sabia a idade das vítimas, segundo dados do relatório.
Proibição internacional
Em 2008, um tratado internacional que proíbe todo uso e produção desse tipo de armamento foi criado na Convenção de Munições de Dispersão.
Ao todo, 110 Estados aderiram à convenção, entre eles Japão, Reino Unido, Alemanha, Austrália, África do Sul, França e Canadá. O documento entrou em vigor em 2010 e foi considerado um "triunfo de valores humanitários".
"Este novo instrumento é um grande avanço para as agendas humanitárias e de desarmamento globais e nos ajudará a combater a insegurança e o sofrimento generalizados causados por essas armas terríveis, principalmente entre civis e crianças", disse em 2010 o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
No entanto, o fato de potências como EUA, Rússia e China não terem assinado o tratado diminui sua força em evitar o uso desse tipo de bomba.
Histórico de Uso
As bombas de dispersão foram desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas seu histórico maior de uso começa na Guerra do Vietnã (1955-1975).
Ao longo dos 20 anos de guerra, os EUA lançaram bombas que dispersaram outros 260 milhões de explosivos (submunições). Como cerca de 80 milhões deles não explodiram, algumas áreas se tornaram campos minados, com grande número de civis feridos décadas depois da guerra.
Esse tipo de armamento foi utilizado em guerras subsequentes por pelo menos 25 países, de acordo com o monitoramento do grupo Landmine & Cluster Munition Monitor. Entre eles, Estados Unidos, Israel, Rússia e Arábia Saudita.
Um alto oficial do governo dos EUA, Stephen Mull, disse em 2008 que as bombas de fragmentação fazem parte da estratégia de guerra americana.
Alguns dos países que usaram esse tipo de armamento durante o século 20 posteriormente assinaram o tratado de proibição - entres eles a França e o Reino Unido.
O uso de bombas de fragmentação por Israel em 2006, durante a guerra entre o Estado e o grupo Hezbollah no Líbano, foi o que desencadeou um aumento de campanhas pela proibição do armamento - o que levou à convenção em 2008.
A ONU estima que Israel dispersou cerca de 4 milhões de bombas no sul do Líbano durante os três últimos dias da guerra - depois de um acordo de cessar-fogo.
Há registro de uso de bombas de fragmentação também na guerra das Malvinas (1982), na guerra do Afeganistão (2001), na Geórgia em 2008, em ambas as guerras do Iraque (1993 e 2003-2006), na guerra da Síria (2012-), na Etiópia em 2021, entre outros conflitos.
A invasão da Rússia também não é a primeira vez que elas são usadas na Ucrânia. Em 2014, a Human Rights Watch acusou o governo da Ucrânia de usar bombas de fragmentação em Donetsk, área em disputa com a Rússia - o que o governo da Ucrânia nega.
Brasil produz e exporta bombas de fragmentação
O Brasil é um dos cerca de 16 países que produzem bombas de fragmentação, diz o Landmine & Cluster Munition Monitor.
O país não assinou a Convenção de Munições de Dispersão e, à época, a posição do Itamaraty foi de que as bombas de fragmentação "são necessárias para a defesa do país".
Em 2016, uma coalizão liderada pela Arábia Saudita usou bombas de fragmentação produzidas no Brasil durante a guerra no Iêmen, segundo a Human Rights Watch. Em dezembro, os explosivos atingiram duas escolas na cidade de Saada e mataram dois civis. Pelo menos 6 pessoas ficaram feridas, incluindo uma criança.
Na época, a Human Rights Watch disse que o Brasil deveria assinar o tratado que proíbe o armamento e cessar totalmente a produção e exportação de bombas de fragmentação.
"As bombas de fragmentação são armas proibidas que nunca devem ser usadas em nenhuma circunstância devido aos danos infligidos a civis", disse Steve Goose, membro da Human Rights Watch e então líder da Coalização Contra Munições de Dispersão.
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