O que se sabe sobre explosão que deixou mortos em hospital de Gaza
Pelo menos 471 pessoas morreram no ocorrido, segundo autoridades palestinas
Esta reportagem está sendo atualizada de acordo com novos desdobramentos.
Uma explosão em um hospital em Gaza na noite da última terça-feira (17/10) inflamou ainda mais as tensões na região e gerou uma guerra de versões entre Israel e grupos palestinos
O Hamas imediatamente acusou Israel pelo ataque e as autoridades de saúde de Gaza afirmaram que centenas pessoas teriam sido mortas no local.
Segundo Israel, a explosão teria ocorrido na área de estacionamento do hospital após um foguete lançado pelo grupo extremista Jihad Islâmica que tinha como alvo seu território ter falhado e atingido o local. Israel também afirma que o número de mortos no incidente teria sido inflado pelo Hamas.
A Jihad Islâmica, por sua vez, negou responsabilidade pelo incidente.
Israel apresentou vídeos e um áudio para reforçar sua versão dos fatos.
A BBC continua tentando verificar de maneira independente o que aconteceu na noite de terça-feira. Esse esforço inclui uma equipe baseada em Gaza, mas o acesso ao local do incidente é limitado.
Explosão
A explosão no hospital Al-Ahli Arab, na Cidade de Gaza, ocorreu por volta de 19h de terça-feira, horário local.
Imagens ao vivo da rede de mídia Al-Jazeera, transmitidas às 18h59, horário local, mostraram uma luz brilhante subindo nos céus acima de Gaza. Ele pisca duas vezes antes de mudar de direção e então explodir. Uma explosão estão pode ser vista em solo em um local mais distante, seguida de uma explosão maior perto de onde está o operador de câmera.
Pouco depois, vídeos divulgados pela mídia local e internacional mostraram o caos fora do hospital. Imagens mostravam vítimas cobertas de sangue e gravemente feridas sendo carregadas em macas no escuro.
Em um primeiro momento, surgiram relatos de que partes da estrutura do hospital teriam sido destruídas, mas essas informações não foram posteriormente confirmadas.
Com o passar do tempo, a repercussão em torno do incidente começou a crescer:
- O Ministério da Saúde da Faixa de Gaza afirmou que as mortes chegavam às centenas; posteriormente falaram em quase 500 até anunciarem 471 vítimas;
- A ONG Médicos Sem Fronteiras, que tem profissionais no hospital, descreveu a explosão como "um massacre";
- A Jordânia anunciou o cancelamento de uma reunião em Amã na qual deveriam participar o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, opositor do Hamas.
O episódio ocorreu em meio aos ataques aéreos israelenses à Faixa de Gaza que até agora deixaram mais de 4 mil mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.
O Hamas e outros grupos extremistas como a Jihad Islâmica, por outro lado, continuam a lançar foguetes contra o território israelense.
A nova onda de conflitos na região teve início após um brutal ataque sem precedentes do Hamas no último dia 7 de outubro ter matado mais de 1.400 israelenses, incluindo idosos, mulheres e crianças. Segundo o governo de Israel, 199 pessoas também foram tomadas como reféns.
O que se sabe e o que não se sabe?
Não é a primeira vez que Israel e Hamas apresentam versões conflitantes sobre incidentes.
A BBC entrou em contato com 20 centros de pesquisas, universidades e empresas com capacidade de analisar armamentos para que avaliassem o incidente. Nove ainda não responderam, cinco não quiseram comentar, mas a reportagem ouviu especialistas dos seis restantes.
Foi perguntado se os indícios disponíveis - incluindo o tamanho da explosão e os sons ouvidos anteriormente - poderiam ser usados para determinar a causa do ocorrido no hospital.
Até agora, as avaliações são inconclusivas. Três especialistas dizem que a explosão não é consistente com o que se esperaria de um típico ataque aéreo israelense com munição pesada.
J. Andres Gannon, professor assistente da Universidade Vanderbilt, nos EUA, diz que as explosões terrestres pareceram ser pequenas, o que significa que o calor gerado pelo impacto pode ter sido causado por sobras de combustível de foguetes, e não pela explosão de uma ogiva.
Justin Bronk, pesquisador sênior do Royal United Services Institute, com sede no Reino Unido, concorda.
Embora seja difícil ter certeza em um estágio tão inicial, diz ele, indícios parecem indicar que a explosão foi causada pela parte de um foguete que falhou e atingiu o estacionamento, causando um incêndio de combustível.
Gannon diz que não é possível determinar se o projétil atingiu o alvo pretendido a partir das imagens que viu. Ele acrescenta que os flashes no céu provavelmente indicam que o projétil era um foguete com motor que superaqueceu e parou de funcionar.
Valeria Scuto, analista-chefe de Oriente Médio na Sibylline, uma empresa de avaliação de riscos, observa que Israel tem capacidade para realizar outras formas de ataque aéreo por drones, podendo utilizar mísseis do tipo Hellfire.
Esses mísseis geram uma quantidade significativa de calor, mas não deixariam necessariamente uma grande cratera.
Mas ela diz que imagens mostram um padrão de incêndios no hospital que não era consistente com esta explicação.
Indícios nas imagens do local
A BBC combinou detalhes dos edifícios e a estrutura do hospital Al-Ahli com imagens de satélite para tentar estabelecer qual parte do hospital foi de fato o local da explosão.
As evidências disponíveis sugerem que a explosão ocorreu no pátio que faz parte do complexo hospitalar.
Imagens do solo após a explosão não mostram danos expressivos aos edifícios vizinhos. O que as imagens mostram são marcas causadas por calor de chamas e carros queimados.
O hospital pertence e é administrado pela Igreja Anglicana.
O cônego Richard Sewell, reitor do St. George's College em Jerusalém, disse à BBC que cerca de 1.000 pessoas deslocadas pelos conflitos estavam abrigadas no pátio quando a explosão ocorreu, e cerca de 600 pacientes e funcionários estavam dentro do prédio.
As vítimas
O repórter da BBC Rushdi Abualouf esteve no hospital Al-Ahli horas depois do incidente. Testemunhas relataram a ele cenas de devastação e disseram que corpos ainda estavam sendo recolhidos.
A BBC ainda está analisando imagens e filmagens das vítimas para determinar o que elas podem revelar sobre a explosão a partir da natureza dos ferimentos.
A reportagem da BBC teve acesso a imagens extremamente violentas de vítimas e sobreviventes no local da explosão, que mostram ferimentos de altíssima gravidade.
O patologista Derrick Pounder, membro fundador da Physicians for Human Rights no Reino Unido e especialista em lesões de conflito, viu algumas das imagens.
"O padrão geral de ferimentos dispersos é o que seria esperado de estilhaços resultantes de uma explosão", disse ele.
Mas ele também disse que não era possível distinguir claramente todos os ferimentos com número limitado de imagens disponíveis.
O Ministério da Saúde palestino disse na quarta-feira que 471 pessoas morreram na explosão.
As Forças de Defesa de Israel afirmaram que este número foi deliberadamente inflado, mas não divulgou a sua própria avaliação de quantos morreram.
Devido à falta de acesso ao local por parte de organizações independentes, é difícil confirmar o número de mortos.
Dúvidas e indícios
Um dos indícios mais relevantes do incidente é a cratera deixada pela explosão.
As forças armadas de Israel afirmam que a ausência de uma grande cratera, ou danos causados pela explosão em edifícios adjacentes, provaria que a explosão não foi causada pelas suas armas.
Outra parte importante das evidências que não puderam ser analisadas de maneira independente são possíveis fragmentos de mísseis.
Os projéteis são frequentemente identificáveis pelos destroços e podem ser usados para determinar sua origem. Mas, neste caso, a BBC não teve acesso a esses indícios.
O governo de Israel divulgou uma gravação do que afirmou ser uma conversa interceptada entre dois militantes do Hamas reconhecendo que o hospital foi atingido por um projétil disparado pela Jihad Islâmica.
Não é possível confirmar a veracidade desta gravação de forma independente.