O relato sobre 'centenas de igrejas destruídas' em onda de violência na Índia
Líderes cristãos no Estado de Manipur, no nordeste da Índia, dizem que seus locais de culto foram alvo de violência e pedem intervenção do governo.
Grupos cristãos dizem que centenas de igrejas foram destruídas durante uma escalada de violência no Estado de Manipur, no nordeste da Índia.
A violência explodiu depois que um dos principais grupos étnicos da Índia pediu apoio do governo na geração de empregos e distribuição de terras.
Mais de 100 pessoas morreram e 35 mil pessoas foram deslocadas de suas casas pela violência.
"De acordo com nossas informações, 508 igrejas foram destruídas", disse Allen Brooks, porta-voz do United Christian Forum do nordeste da Índia, à BBC. "Estes são os dados que coletamos de padres, pastores e líderes de igrejas de diferentes denominações em Manipur."
"Estamos tristes e chocados com isso."
A BBC obteve uma lista detalhada de igrejas atacadas. Ela foi repassada por outro líder religioso cristão em Manipur, que pediu para permanecer anônimo por temer por sua segurança.
O documento lista mais de 260 igrejas destruídas entre 3 de maio e 2 de junho no Estado, que faz fronteira com Mianmar.
A BBC pediu manifestações do secretário-chefe de Manipur, do diretor-geral da polícia e de um conselheiro de segurança recém-nomeado.
Numerosas ligações e e-mails feitos pela BBC na semana passada não receberam resposta. Mas no passado o governo indiano já acusou grupos cristãos de realizar ataques e também rejeitou um relatório crítico do Congresso dos EUA sobre a liberdade religiosa na Índia.
Uma fonte do governo indiano confirmou ao repórter da BBC Hindi (serviço de notícias da BBC no idioma hindi) Nitin Srivastava que um total de 256 igrejas foram queimadas em todo o Estado na primeira semana de junho, mas acrescentou que 128 templos hindus também foram atacados.
Origem do problema
Confrontos entre os meitei, a maior comunidade do Estado, e o grupo étnico kuki começaram depois que o tribunal superior da capital, Imphal, instou o governo a considerar uma demanda dos meitei de ter seu status de tribo reconhecido.
Essa mudança permitiria que os meitei obtivessem cotas para empregos públicos e vagas no ensino superior. O grupo também poderia obter acesso à terra em áreas tribais designadas.
'Raízes destruídas'
A BBC obteve e verificou a localização de imagens que mostram várias igrejas parcial ou totalmente destruídas.
Um pastor local no distrito de Churachandpur, ao sul de Imphal, disse à BBC que as pessoas vivem com medo.
Naquela localidade, muitas igrejas pertencentes à Associação de Igrejas Evangélicas foram atacadas na primeira onda de violência.
"Minha igreja inclui diferentes grupos indígenas e nós fazemos cultos aos domingos com nossos coloridos vestidos tradicionais, músicas e danças que remontam à história de nossas origens em uma caverna", disse o pastor, que deseja permanecer anônimo para sua segurança.
Ele diz que a Igreja Dopkon ECA, em Churachandpur, foi incendiada em 3 de maio, o dia em que a violência começou. Outras igrejas foram posteriormente atacadas.
"Quando a igreja é destruída, nossas raízes são destruídas", acrescentou.
Ataques direcionados
Um padre kuki — que agora está ajudando cristãos deslocados que vivem na vizinha Assam — deu uma descrição detalhada do ataque à sede de sua igreja.
"Primeiro, uma multidão saqueou a sede da Igreja Cristã Kuki em Imphal. Depois de pegar coisas valiosas, atearam fogo ao prédio", disse o pastor Thangminlun Vaiphei.
Um vídeo de 52 segundos visto pela BBC mostra dois veículos do Exército e uma mangueira de incêndio tentando apagar o fogo.
Vaiphei disse que a igreja foi atacada em 4 de maio e afirmou que, embora uma igreja pertencente a um grupo diferente ao lado estivesse protegida com canhões de água, nenhum esforço foi feito para proteger a igreja kuki.
Ele disse que o prédio, com capacidade para 700 fiéis, foi seriamente danificado e os aposentos dos funcionários foram completamente destruídos.
Uma lista compilada por um pastor meitei que Vaiphei passou para a BBC alega que 271 igrejas meitei foram atacadas. Vaiphei suspeita que as igrejas estão sendo visadas para obter o apoio de grupos hindus de linha dura.
"Um pastor meitei foi pego por uma multidão e foi questionado se ele estava preparado para voltar às tradições animistas. Meu amigo disse a eles que não tinha problemas com a fé de seus antepassados. Então a multidão pediu que ele queimasse uma bíblia, e ele se recusou", disse Vaiphei.
"Depois disso, ele foi espancado gravemente, mas sobreviveu."
Vaiphei disse que alguns moradores kuki deixaram suas casas e estão se escondendo nas colinas por medo de ataques que vem se repetindo.
Coração da comunidade
Khongsai, uma cristã kuki, diz que sua vida mudou radicalmente. Sua igreja e a casa da família foram destruídas em 28 de maio.
Felizmente, ela e seus pais haviam se mudado da vila de Langching, cerca de 45 km de Imphal, dois dias antes.
"É terrível. Eu não conseguia comer ou dormir. Estou muito traumatizada", disse Khongsai. "Sinto falta de ir à igreja e me sinto culpada por não cumprir meu dever como cristã."
Ela se lembra de ir à igreja — que na época tinha apenas um "teto fino de madeira" — desde os quatro anos para aprender salmos em sua aldeia, lar de 130 famílias kuki.
Muitos dos aldeões, como seu pai, serviram no exército indiano.
"A maioria das famílias era pobre e vivia em casas de madeira. Ainda assim, juntaram dinheiro e construíram uma igreja de concreto em 2012. Meus pais e vizinhos perderam tudo", disse ela.
A jovem de 27 anos tem mestrado e almeja ingressar no serviço público. Ela conseguiu chegar a Délhi, enquanto seus pais se mudaram para outro lugar no Estado.
Quando eles fugiram, Khongsai levou seus diplomas e outros documentos com ela. Ela sabia que haveria um ataque depois do que viu em 4 de maio.
"Naquela noite, esses radicais vieram com uma retroescavadeira para atacar as aldeias kuki, mas os meitei locais resistiram à sua entrada, então eles foram para Wapokpi e destruíram a igreja meitei de lá."
Sua aldeia fica perto da área de Sugnu Bazar e os meitei vivem em aldeias vizinhas.
Ela diz que os grupos kuki e meitei tiveram um bom relacionamento no passado e visitavam as igrejas um do outro.
Manipur sofreu muitas décadas de insurgência armada e durante os dias difíceis, ambas as comunidades buscavam refúgio dentro da igreja.
Khongsai culpa um pequeno grupo meitei pela violência.
"Os tumultos ainda estão acontecendo em Manipur. Não acho que seremos capazes de voltar para reconstruir as casas e a igreja."
Crítica
O governo indiano destacou mais de 20 mil militares e policiais para apoiar a polícia de Manipur. Um juiz aposentado do Supremo Tribunal criou um comitê de paz para investigar os crimes.
A Suprema Corte da Índia disse que a decisão da Suprema Corte de Manipur de pedir a classificação da comunidade meitei como tribal foi "absolutamente errada".
Amit Shah, ministro do Interior da Índia, visitou Manipur no fim de maio e também falou com uma delegação da Conferência Episcopal da Índia sobre a violência em curso.
Enquanto isso, em Delhi, Khongsai tenta ir à missa, mas sente falta de casa.
"Isso parte meu coração. Ir à igreja renova nossa fé e nossa determinação. Oramos continuamente. Oramos a Deus para parar qualquer infortúnio."