Como críticas a protestos pró-Palestina derrubaram ministra britânica
Suella Braverman disse que atos pró-Palestina eram protestos de ódio; saída abriu caminho para retorno do ex-premiê David Cameron ao governo.
Demitida nesta segunda-feira (13/11) do posto de secretária do Interior do governo britânico, Suella Braverman é conhecida por fazer declarações controversas. E é possível que uma dessas declarações tenha custado seu cargo.
Em 30 de outubro, ao se referir a manifestações pró-palestinos ocorridas no Reino Unido após o início da guerra em Gaza, ela afirmou:
"Só há uma maneira de descrever esses protestos: são protestos de ódio."
Ocupante de um cargo equivalente ao de ministro no Brasil, Braverman pronunciou essas palavras numa reunião de emergência do governo sobre a crise em Gaza. Naquele instante, debatia-se se as palavras de ordem proferidas naquelas manifestações equivaliam a ataques antissemitas.
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Vários protestos têm ocorrido em Londres depois que homens armados do Hamas lançaram um ataque sem precedentes contra Israel a partir da Faixa de Gaza, em 7 de outubro, matando mais de 1.400 pessoas e fazendo mais de 200 reféns.
Em resposta, Israel tem promovido ataques em Gaza desde então. Mais de 11.000 pessoas foram mortas em Gaza, de acordo com o ministério da saúde administrado pelo Hamas.
Havia pressões entre políticos conservadores para que a polícia de Londres impedisse uma manifestação pró-Palestina que estava agendada para o último sábado, mas o protesto ocorreu.
Em 8 de Novembro, o jornal britânico Times publicou uma coluna de Braverman onde ela repetiu a frase sobre os protestos pró-palestinos - e também acusou a polícia metropolitana de Londres de parcialidade. Segundo a então secretária, a polícia estava sendo mais dura com algumas manifestações do que com outras.
Ela afirmou que manifestantes agressivos de direita "receberam com razão uma resposta severa", enquanto "turbas pró-Palestina" foram "amplamente ignoradas".
As afirmações geraram acusações de que Braverman estaria fazendo uma interferência política no policiamento - ação vedada a autoridades do governo britânico.
Os comentários de Braverman foram condenados por ex-policiais e parlamentares, que a acusaram de "criar divisão deliberadamente".
Muitos no universo político então passaram a defender que ela fosse demitida - caso do primeiro-ministro da Escócia, Humza Yousaf, para quem a situação da secretária se tornara "insustentável".
Yousaf acusou-a de "alimentar as chamas da divisão".
Quatro dias depois - e após confrontos entre manifestantes e a polícia em Londres - ela foi despedida.
O primeiro-ministro, Rishi Sunak, no entanto, não revelou a causa da demissão.
A saída de Braverman abriu o caminho para uma manobra surpreendente: o retorno do ex-primeiro-ministro David Cameron ao governo.
O posto de Braverman foi ocupado por James Cleverly, que antes era o secretário de Assuntos Externos - e com isso Cameron entrou no posto antigo de Cleverly.
O novo cargo de Cameron equivale, no Brasil, ao de ministro das Relações Exteriores. Ele foi o primeiro-ministro britânico entre 2010 e 2016.
Cameron afirmou que, embora tenha discordado de "algumas decisões individuais" de Sunak, acredita que o premiê seja um líder forte e capaz.
Cameron foi o responsável por desencadear o maior acontecimento da política externa britânica da última geração - o Brexit (saída da Grã-Bretanha da União Europeia).
No entanto, Cameron não queria que o Brexit ocorresse: ele propôs um referendo na esperança de que seu argumento a favor da permanência na União Europeia triunfaria. Ele deixou o posto de premiê após sua tese ser derrotada nas urnas.
O atual premiê, Rishi Sunak, era um defensor do Brexit. Os dois políticos pertencem ao Partido Conservador - grupo que, após o Brexit, ficou dividido entre os que queriam e os que não queriam a ruptura.
Para Chris Mason, editor de Política da BBC News, a nomeação de Cameron permite a Sunak argumentar que está reunindo novamente os políticos conservadores.
Para James Landale, correspondente diplomático da BBC, a volta de Cameron ao governo traz riscos e benefícios ao governo liderado por Sunak.
Os deputados da oposição criticaram o papel de Cameron no escândalo que envolveu a empresa de serviços financeiros Greensill Capital, ocorrido durante a pandemia da Covid-19.
Cameron, que em 2018 se tornou consultor da empresa, foi acusado de fazer lobby junto ao governo britânico para que ela pudesse obter empréstimos governamentais.
Uma investigação conduzida pelo próprio governo concluiu que Cameron não havia violado nenhuma regra no episódio.
Landale diz que o retorno de Cameron ao governo tampouco agradou as alas do Partido Conservador favoráveis ao Brexit.
Quando era primeiro-ministro, ele realizou o referendo do Brexit ; defendeu relações mais estreitas com a China; e apoiou a intervenção militar na Líbia, que deixou o país árabe em frangalhos.
Mas ele também traz peso político, segundo Landale. Ele pode ser o quarto secretário de Relações Exteriores do governo britânico em quatro anos - mas é bem conhecido no cenário internacional.
Isso posto, Landale questiona: "O antigo primeiro-ministro vai usar o seu inquestionável peso político para mudar a política externa do Reino Unido?"
O correspondente aponta que Cameron "é amigo de Israel há muito tempo, mas no passado também esteve disposto a ser sincero e crítico" com os israelenses.
Ele defendeu a aprovação de uma legislação para garantir que o Reino Unido sempre destinasse 0,7% de sua renda nacional à ajuda externa - um compromisso que Rishi Sunak reduziu para 0,5%.
Na época, Cameron criticou a redução.
"A nomeação de Cameron traz riscos e benefícios potenciais", diz Landale. Um de seus antecessores em Downing Street (onde trabalha e mora o premiê britânico), Lord Rosebery, disse certa vez que ter um ex-primeiro-ministro no gabinete era "um luxo passageiro e perigoso".