As imagens e gráficos que mostram o que sobrou de Mossul após a feroz ofensiva para expulsar o Estado Islâmico
Ruínas exibe custos da guerra; veja devastação causada por batalha entre forças do Iraque - apoiadas pelos EUA - e o grupo extremista que controlava a 2ª maior cidade do país desde junho de 2014 e foi expulso em julho passado.
O conflito brutal para libertar Mossul, no norte do Iraque, do grupo extremista conhecido como Estado Islâmico, deixou milhares de mortos e a cidade em ruínas, com sobreviventes sem ter onde morar ou morando em destroços. Quanta devastação foi causada pela batalha entre as forças iraquianas - apoiadas por ataques aéreos liderados pelos Estados Unidos - e o grupo rebelde, e o que vai acontecer daqui para frente?
Ao fim de nove meses de batalha por Mossul, sua população se viu encarando uma crise humanitária em escala catastrófica.
As estimativas do número de mortos variam muito, de milhares para dezenas de milhares. Mais de um milhão de pessoas - o equivalente à população de Dublin, na Irlanda - deixaram suas casas desde que a ofensiva começou, em outubro do ano passado.
Bairros inteiros foram destruídos, corpos permanecem debaixo de ruínas e as ruas estão repletas de munições não detonadas e minas terrestres. Veja abaixo, algumas fotos e gráficos mapeando a devastação de grandes partes da cidade.
Danos às edificações, Mossul, julho de 2017
Análise de imagens de satélite mostra milhares de construções e mais de 100 km de avenidas severamente danificados ou destruídos.
Grande parte da segunda maior cidade do Iraque, controlada pelo Estado Islâmico desde junho de 2014, foi reduzida a ruínas.
A tomada de Mossul é vista agora como a maior batalha urbana vista desde a Segunda Guerra Mundial.
Todas as partes da cidade experimentaram algum tipo de dano, segundo a avaliação mais recente das Nações Unidas. A parte oeste, reconquistada em julho, sofreu mais do que a parte leste — tirada do Estado Islâmico seis meses mais cedo.
Mais da metade dos 54 distritos residenciais da parte oeste de Mossul foi afetada de forma significativa.
A ONU aponta 15 deles como "gravemente danificados", o que significa que a maior parte das construções está inabitável.
Outros 23 distritos estão "moderadamente danificados", o que significa que metade das edificações foi destruída ou está estruturalmente inadequada. Outros 16 distritos estão "levemente danificados".
Enquanto uma análise da ONU com imagens de satélite sugere que cerca de 10 mil construções foram severamente danificadas ou completamente destruídas, acredita-se que o real nível de destruição seja maior.
Levando em conta os danos a vários andares dos prédios, o que não é visto por satélite, a ONU estima agora que o número real de construções prejudicadas é três vezes maior: 32 mil.
Lise Grande, coordenadora humanitária da ONU no Iraque, diz que serão necessários anos para que estas áreas voltem ao normal.
Reconstruir a cidade e fazer com que civis retornem às suas casas será "extremamente desafiador", alerta, estimando um custo de aproximado de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 3,1 bilhões).
Danos às edificações, outubro de 2016 a julho de 2017
Números baseados em análise da ONU com imagens de satélite
1. Antes da ofensiva
135 edificações danificadas (50% públicas, 21% residenciais).
Antes da ofensiva das forças iraquianas, muitos prédios públicos estavam danificados - incluindo o acampamento militar al-Ghazlani, o aeroporto de Mossul e a universidade da cidade.
2. Primeiros cinco meses da ofensiva
1.240 edificações danificadas (47% residenciais).
Alvos estratégicos, como avenidas e fábricas, foram atingidos na primeira fase da batalha. Todas as cinco pontes cruzando o Rio Tigre foram atingidas. Pouco menos da metade das construções atingidas era de residências.
3. Oito meses depois
4.356 edificações danificadas (70% residenciais).
Nos três meses entre março e junho deste ano, o número de edificações danificadas cresceu quase quatro vezes - de 1.240 a 4.356. Sete de dez destas construções eram residenciais.
4. Quase nove meses depois
9.519 edificações danificadas (85% residenciais).
Nas últimas semanas do conflito, mais de 5 mil locais foram destruídos. Cerca de 98% destes eram prédios residenciais — majoritariamente na Cidade Antiga. A icônica Grande Mesquita de al-Nuri também foi destruída.
A análise inicial feita pela ONU das imagens de satélite sugere que residências foram o tipo de construção mais danificado, com ao menos 8.500 edificações residenciais severamente danificadas ou completamente destruídas, a maior parte delas na Cidade Antiga. Os números certamente irão aumentar quando a avaliação de danos for conduzida em solo.
Aproximadamente 130 km de avenidas também foram danificados - dos quais 100 km ficam no oeste da cidade.
Ataques aéreos da coalização também destruíram todas as pontes que ligavam as partes leste e oeste da cidade sobre o Rio Tigre - com o objetivo de limitar a possibilidade dos jihadistas se abastecerem e fortalecerem suas posições no leste.
O aeroporto da cidade, a estação de trem e hospitais também estão em ruínas.
Funcionários iraquianos estimam que aproximadamente 80% do principal complexo médico de Mossul foi destruído. O local era o maior centro de atenção à saúde na província de Nineveh, abrigando vários hospitais, uma escola de medicina e laboratórios.
Tipos de edificações destruídas
Números baseados em análise da ONU com imagens de satélite.
Nas últimas semanas da batalha para libertar a cidade do Estado Islâmico (EI), a Cidade Antiga em particular foi atingida seriamente.
As forças do EI foram forçadas a recuar em direção à área, densa em construções, após serem encurraladas por forças ligadas do governo iraquiano.
À medida que a batalha se intensificou, muitos dos moradores da área ficaram isolados dentro de suas casas. Quando eles finalmente puderam sair, muitos estavam desnutridos, doentes e traumatizados.
Amira, de 10 anos, estava entre estas pessoas. Depois que um morteiro atingiu sua casa, ferindo suas pernas e matando a sua mãe, ela ficou sozinha.
"Eu fiquei chamando a minha mãe, gritando para que ela me ajudasse, mas ela não me respondia... Eu não conseguia me mexer".
Com seu pai e irmãos longe, tentando fugir, Amira ficou ali por três dias.
"Eu não tinha comida nem água", conta. "Nos três dias e noites eu estava sozinha, gritando para todo mundo, mais ninguém me escutava. 'Mamãe', eu gritava, mas sem respostas. Eu não sabia que ela estava morta até que fui resgatada".
Agora, Amira está recebendo tratamento, mas não sabe ainda o que aconteceu com seu pai e irmãos.
Mas muitos tiveram destinos semelhantes ao de Amira e sua família.
Imagens de satélite sugerem que mais de 5.500 dos 16 mil prédios residenciais na Cidade Antiga foram severamente danificados ou completamente destruídos. Estima-se que cerca de 490 casas foram destruídas nas últimas semanas da ofensiva.
Os números reais, mais uma vez, são possivelmente maiores.
Grande parte da Cidade Antiga foi abatida
Entre as construções icônicas da cidade que foram destruídas estava a antiga Grande Mesquita de al-Nuri. Foi ali que, em julho de 2014, o líder do Estado Islâmico (EI), Abu Bakr al-Baghdadi, exigiu fidelidade após o EI declarar o seu "califado".
A Grande Mesquita de al-Nuri está em ruínas
Segundo forças iraquianas, ela foi explodida pelo Estado Islâmico em junho de 2017. O EI diz que a mesquita foi destruída em um ataque aéreo liderado pelos Estados Unidos, mas não há evidências disto.
Grande Mesquita de al-Nuri, julho de 2014
Grande Mesquita de al-Nuri, julho de 2017
O minarete de al-Habda, do século 12, um dos pontos turísticos mais famosos da Cidade Antiga, havia sobrevivido mais de oito séculos de invasões e conquistas. Ele finalmente sucumbiu em 22 de junho de 2017.
Minarete de al-Hadba, 20 de junho de 2017
Minarete de al-Hadba, 22 de junho de 2017
O êxodo civil
Mas quem sofreu mais com a tragédia de Mossul foi a população.
Ainda não se sabe quantas pessoas foram mortas.
A última estimativa da ONU, de janeiro, falava em 2.463 pessoas, mas desde então, a Anistia Internacional já afirmou que houve 5.805 óbitos somente por ataques aéreos. Enquanto isso, um relatório da inteligência curda revelou ao jornal britânico Independent que 40 mil pessoas perderam suas vidas.
Mas com corpos ainda sendo recuperados, pode demorar para que o número completo seja conhecido.
Além disso, um milhão de civis deixaram a cidade - cerca de metade da população anterior ao conflito - desde o começo da ofensiva a Mossul em outubro passado, segundo estimativas da ONU. Mais da metade deles são crianças e aproximadamente 700 mil saíram da parte oeste de Mossul, a área mais afetada pela batalha.
Foi a maior evacuação organizada na história moderna.
No início de agosto, mais de 800 mil pessoas ainda eram consideradas desalojadas pela Organização Internacional para as Migrações (IOM, na sigla em inglês), mais da metade delas abrigadas em acampamentos ou refúgios de emergência.
Outros voltaram à cidade, estão alugando moradia em outros locais, alojados com amigos e familiares ou vivendo em edificações danificadas pela guerra.
Mais de 440 mil pessoas estão vivendo em acampamentos
O êxodo mais significativo ocorreu nos últimos meses da ofensiva na cidade. Nos oito meses entre o meio de outubro do ano passado e meados de junho, 7 mil famílias deixaram suas casas em Mossul, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (IOM).
No mês seguinte, esse número cresceu para mais de 125 mil famílias - equivalente a uma cidade do tamanho de San Francisco, nos Estados Unidos. Este número hoje é de aproximadamente 140 mil.
No entanto, o aumento deste número decorre, em parte, do ajuste de dados feito pela IOM diante de informações de grupos locais.
Enquanto muitos deixaram Mossul, a maior parte daqueles cujas casas foram destruídas não saíram, na verdade, da cidade. Mais de 100 mil famílias permanecem desalojadas dentro da própria Mossul.
A população do leste da cidade dobrou, segundo organizações parceiras da ONU, com famílias do oeste escolhendo viver com amigos ou familiares no outro lado da cidade - em vez de se mudarem para acampamentos.
Entre os que fizeram esta escolha está Jumana Najim Abdullah, uma cabeleireira de 35 anos, que foi viver com a família no leste.
Jumana, uma mãe divorciada, foi banida de trabalhar durante o domínio do Estado Islâmico. Mas ela conseguiu ganhar algum dinheiro cortando o cabelo de clientes conhecidos, sob a segurança de suas casas. Agora, com a saída dos rebeldes, ela se mudou para um apartamento alugado e abriu seu próprio negócio, o Salão Jumana.
"Me senti muito orgulhosa. As pessoas me alertaram de que isto poderia ser perigoso e que eu poderia sofrer consequências, mas por sorte não tive problemas."
E agora, com sua filha de volta à escola, Jumana pretende permanecer na área leste da cidade.
"Apesar de este não ser o meu lar original, ficarei aqui agora", conta. "Nossa antiga casa, no oeste de Mossul, foi destruída."
Diferente de Jumana, muitas famílias escolheram sair da cidade para escapar dos conflitos. Destas, 3 mil foram para a capital, Bagdá.
Erbil, a uma hora e meia de carro a leste de Mossul, abriga 2 mil famílias desalojadas, enquanto outras mil se dirigiram ao sul, no distrito de Salah al-Din - uma viagem menor do que a ida para Bagdá.
Quando e para onde as pessoas escaparam
Quando a ofensiva para recuperar Mossul começou, em outubro, o Estado Islâmico ainda controlava grandes áreas do norte do Iraque, então aqueles que conseguiram escapar no início do conflito foram para o sul.
À medida que o Exército iraquiano fechava o cerco à Cidade Antiga, tornou-se mais seguro para as famílias se estabeleceram em cidades vizinhas, como Erbil e os subúrbios a sul de Mossul.
Com a recaptura da cidade, em julho, se tornou mais possível diagnosticar a escala das consequências da guerra. Em nove meses de conflito, 126 mil famílias foram desalojadas.
Mossul: E agora?
Agora que a cidade foi reconquistada, autoridades iraquianas e seus parceiros se dedicam a reerguer a antes efervescente metrópole.
Mas o desafio é enorme, especialmente no oeste.
Enquanto a reconstrução deve levar anos e custar bilhões de dólares, as autoridades iraquianas estão, agora, focando em tornar a cidade segura o suficiente para que seus moradores retornem.
Isto significa remover corpos, lidar com remanescentes do Estado Islâmico e gangues, reinstalar serviços essenciais e retirar objetos explosivos.
Desde que as operações de limpeza começaram, em outubro do ano passado, cerca de 1,7 mil pessoas foram mortas ou feridas por explosivos, segundo o Serviço de Ação Anti-Minas da ONU.
Nina Seecharan, diretora do Grupo Consultivo de Minas no Iraque, afirmou em julho que a organização britânica não via um uso de minas terrestres em tamanha escala nos últimos 20 anos.
Uma equipe da Organização Internacional para as Migrações encontrou explosivos em corredores e no estacionamento de hospitais.
Mas muitos apontam que não são apenas as necessidades físicas que precisam de atenção em Mossul.
A cidade é majoritariamente sunita e, com um governo xiita em Bagdá, haverá questões de confiança, responsabilidade e inclusão no meio do caminho da reconstrução.
A ausência de um "diálogo político significativo" poderia levar a novos episódios de violência, apontou no mês passado, em reunião do Conselho de Segurança da ONU, o representante especial Jan Kubis.
Há, no entanto, pequenos sinais de que as pessoas estão começando a se reunir para levantar e colocar em funcionamento a cidade.
Projetos para que hospitais e escolas sejam abertos rapidamente, apoiados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estão empregando moradores para ajudar na limpeza e no reestabelecimento de prédios.
Ibrahim Mustafa, que está participando de uma dessas limpezas no bairro de al-Zuhur, acredita que esta poderia ser a salvação da cidade.
"Aqui em Mossul, tudo foi embora - nossos empregos, nossas casas, nosso sustento - mas ainda temos nossas almas. Todos os nossos vizinhos se ajudam. Reconstruir nossa cidade é uma forma de fazer isto".
Escrito por Lucy Rodgers, Nassos Stylianou & Daniel Dunford. Design por Joy Roxas. Imagens não creditadas da devastação de Mossul: Getty. Imagens dos acampamentos: Reuters. Entrevista de 10 minutos com Amira: Organização Internacional para as Migrações; imagem: Raber Aziz. Imagem e entrevista com Jumana Najim Abdullah: ACNUR.