O Irã punirá os ataques de ácido com a forca, afirmou neste domingo o presidente do país, Hassan Rohani, após uma onda de agressões a mulheres que causou indignação no país e acusações aos setores mais radicais, zelosos de impor a "moralidade" nas ruas.
"Atos horríveis" e "incidentes desumanos que só podem ser perpetrados por uma pessoa má", foram as palavras utilizadas por Rohani sobre a série de ataques com ácido ocorrida na cidade de Isfahan (que desfigurou quatro mulheres, segundo a polícia, e mais de uma dezena, de acordo com ativistas dos direitos humanos), na reunião semanal do Conselho de Ministros.
"O governo encarregou três ministérios (Inteligência, Interior e Justiça) de abordarem o assunto. Nossa gente deve saber que não haverá perdão e que usaremos todo nosso poder para garantir que os culpados sejam punidos. Estamos preparando uma lei junto com o Poder Judiciário para que quem cometa esse crime receba pena capital", acrescentou.
O Irã tenta interromper estes ataques e apaziguar a indignação social com punições, promessas de mão dura e o controle dos meios de comunicação para aplacar as vozes que os relacionam com as "campanhas para promover a virtude e impedir o vício", impulsionadas pelos setores mais radicais do país que querem controlar as roupas das mulheres para que sejam "suficientemente castas".
Esta semana a polícia reprimiu várias manifestações convocadas na internet contra a intransigência dos extremistas e detiveram defensores dos direitos humanos e ativistas que condenaram os ataques nas redes sociais.
Bibi Aisha: a jovem afegã Bibi Aisha tornou-se mundialmente conhecida após seu rosto ter sido desfigurado aos 18 anos pelo marido, na província de Uruzgan, Afeganistão. O homem era simpatizante do Talibã e cortou a orelha e o nariz dela por ter reclamado aos seus pais sobre maus tratos dos sogros. Ela havia protestado contra o costume de seu país, adotado por sua família, que a deu como presente ao noivo quando tinha apenas 12 anos. Em agosto de 2010, Bibi Aisha foi capa da Time. Ela passou por uma cirurgia de reconstrução do nariz após o incidente
Foto: Time / Divulgação
Banaz Mahmod: a morte da jovem Banaz Mahmod, pelo chamado crime de honra, causou comoção mundial após a produção do filme-documentário "Banaz: A Love Story", de 2012, dirigido por Deeyah Khan. A jovem curda, de 20 anos, foi estrangulada em janeiro de 2006 no sul de Londres pelo pai e tio, nascidos no Iraque. O corpo dela foi encontrado enterrado dentro de uma mala no jardim da casa da família. Antes da morte, ela procurou a polícia dizendo estar sendo perseguida. "Estão me seguindo. Se alguma coisa me acontecer, são eles", disse aos oficiais. Banaz foi morta por ter se apaixonado por um homem, que não era aquele para quem estava prometida
Foto: Daily Mail / Reprodução
Cartaz do filme-documentário "Banaz: A Love Story", de 2012, dirigido por Deeyah Khan. O filme conta a história da jovem de 20 anos que foi assassinada pela família por, supostamente, ter se apaixonado por um homem
Foto: Wikipédia
Waris Dirie: assim como 99% das meninas da Somália, a somaliana Waris Dirie teve a genitália mutilada quando tinha apenas 5 anos. Ela conta que aquele foi o pior dia de sua vida e que quase morreu por causa do sangramento após o corte. Dirie fugiu da Somália quando tinha 13 anos, pois teria de se casar com um homem bem mais velho, em troca de 5 camelos. Ela fugiu para Londres onde, aos 18 anos, iniciou carreira de modelo. Depois de contar sua história publicamente, a ex-top model foi convidada a ser Embaixadora da ONU contra a prática de mutilação. Em 2002, ela abriu uma fundação que luta contra a mutilação genital feminina em vários países do mundo - a Desert Flower Foundation (Fundação Flor do Deserto)
Foto: Arquivo Fundação Flor do Deserto / Divulgação
Filme "Desert Flower" conta a história de Dirie, uma mulher somaliana que foge de seu país para Londres, por causa de um casamento forçado aos 13 anos; ela se tornou top model e causou uma "revolução" ao levantar o tema da mutilação genital pelo mundo
Foto: Arquivo Fundação Flor do Deserto / Divulgação
Malala Yousafzai: a estudante paquistanesa ficou internacionalmente conhecida por seu ativismo pelos direitos à educação e das mulheres, iniciado ainda quando criança. Em 2009, com quase 12 anos, Malala escreveu para a BBC, com um pseudônimo, detalhando sua vida dentro do regime do Talibã. Malala foi baleada na cabeça e pescoço em 9 de outubro de 2012, durante uma tentativa de assassinato, por talibãs armados, quando voltava para casa em um ônibus escolar. Ela passou inconsciente por quase dois meses, em estado crítico, porém, com a melhora do quadro, foi enviada para o Queen Elizabeth Hospital, em Birmingham, Inglaterra, para a reabilitação intensiva. Hoje, Malala vive no Reino Unido, após o Talibã reiterar desejo de matar ela e seu pai
Foto: AP
Hatun Surucu: era uma mulher curda que vivia na Alemanha, cuja família era originalmente de Erzurum, na Turquia. Surucu foi assassinada em Berlim em 2005, com 23 anos, por seu irmão mais novo, em um crime de honra, pois havia se divorciado do primo, a quem foi forçada a se casar aos 16 anos
Seu assassinato inflamou um debate público sobre o casamento forçado de famílias muçulmanas. Em outubro de 1999, Surucu fugiu da casa de seus pais em Berlim, encontrando refúgio em uma casa de cuidados a mães menores de idade. A curda frequentou a escola e se mudou para seu próprio apartamento no bairro de Tempelhof, em Berlim. Na época de seu assassinato, ela estava no final de um curso para se tornar um eletricista e namorava um alemão
Foto: Die Welt / Reprodução
Songol Surucu, irmão de Alpaslan e Mutlu Surucu, faz o sinal de vitória para os fotógrafos enquanto espera por seus dois irmãos fora de um tribunal em Berlim depois terem sido absolvidos da acusação da morte de sua irmã, Hatun Surucu, em 13 de abril de 2006. Um terceiro irmão, Ayhan Surucu, que era menor de idade na época do crime, confessou e foi condenado a 9 anos de prisão
Foto: Getty Images
Farzana Iqbal: a paquistanesa de 25 anos foi apedrejada até a morte por sua família do lado de fora de um dos principais tribunais do Paquistão no dia 27 de maio de 2014. Sua sentença de morte por honra aconteceu por ter se casado com o homem que amava.
Ela estava esperando a abertura da Alta Corte na cidade de Lahore, leste do país, quando um grupo de dezenas de homens a atacou com tijolos. O pai dela, dois irmãos e um ex-noivo (que é seu primo) estavam entre os agressores. Todos os suspeitos, exceto o pai, escaparam.
Farzana sofreu severos danos na cabeça e morreu no hospital. Seu marido disse que a polícia assistiu à cena e não fez nada para impedir os agressores. Ela estava grávida.
Foto: Reuters
Amina Bibi: a paquistanesa de 17 anos morreu no dia 14 de março de 2014 após atear fogo no próprio corpo depois de a polícia ter soltado 3 dos 5 homens que teriam a estuprado no mês anterior. A adolescente teria recorrido a ativistas de seu país para tentar recorrer à decisão do tribunal de Muzaffargarh, leste do país. Sem conseguir agir, ela colocou se imolou em frente a uma delegacia de polícia como forma de protesto.
Foto: Reuters
Meriam Yahia Ibrahim Ishag: a sudanesa de 27 anos foi condenada à forca em seu país por apostasia e adultério no dia 15 de maio de 2014. O tribunal deteve a mulher, que estava grávida e deu à luz na prisão, por ser cristã e não aceitar se converter ao islamismo. Ela terá a sentença cumprida dentro de dois anos. Meriam é casada com um homem cristão.
A condenação à morte da jovem por um tribunal de Cartum provocou uma onda de indignação e protestos. Segundo militantes de direitos humanos, a jovem, presa há 4 meses, permanecerá detida no presídio para mulheres de Ondurman, maior cidade do Sudão.
Foto: Daily Mail / Reprodução
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Antes destes ataques, que desfiguraram o rosto e provocaram graves danos a várias mulheres, alguns clérigos pediram em seus sermões que os fiéis fizessem cumprir o código de vestimenta islâmico em sua interpretação mais estrita, "chamassem a atenção" e "advertissem" as mulheres que o descumprissem.
Os representantes políticos dessas posições tentam aprovar no parlamento uma lei que promove a "vigilância moral" nas ruas e que protege quem se dedica a recriminar as mulheres.
Em setembro o grupo radical Ansar-e el Hezbollah anunciou que tinha organizado patrulhas populares em Teerã para controlar a moralidade, especialmente das jovens, mais relaxadas no cumprimento do hiyab, que exige cobrir todo o corpo, exceto rosto, mãos e pés.
Essas patrulhas de civis estariam destacadas nas ruas para corrigir as mulheres que estiverem com o cabelo ou os antebraços ligeiramente descobertos ou com a ampla camisola que cobre seus corpos justa demais.
O governo cortou rapidamente a iniciativa assinalando sua ilegalidade, mas os setores mais conservadores continuaram a insistir na necessidade de controlar mais a vestimenta das mulheres nas ruas.
Após os ataques de Isfahan, o destacado clérigo da cidade Mohamad Rahbar, que recentemente tinha pedido que advertissem as mulheres "incorretamente" vestidas, se viu obrigado a suavizar suas instruções e especificar que se referia a fazê-lo "com palavras, não com ácido", e de maneira "afetuosa e cortês".
As autoridades fazem o possível para impedir que essas campanhas e posições sejam consideradas causa dos ataques e advertiram que abrirão ações contra os meios de comunicação que relacionarem as duas questões.
O chefe do Poder Judiciário, aiatolá Sadeq Amoli Lariyani, hoje criticou duramente os veículos que fizeram essa correlação e pediu que "não se contamine o clima social", especialmente em um momento no qual o parlamento debate uma lei para promover a virtude, informou a agência "Tasnim".
"Qual é a conexão entre o iluminador e divino dever de promover a virtude e prevenir o vício e um crime de alguém que não tem a menor ideia sobre humanidade e fé?", questionou.
O assessor de Cultura de Rohani, Reza Akrami, também acusou hoje que os que relacionam os ataques de ácido com o hiyab e a castidade de "criar discórdia" e "prejudicar a sociedade", enquanto o presidente do parlamento, Ali Lariyani, pediu que não se politizem os ataques às mulheres.
"Este odioso fenômeno social está sendo usado como pretexto para fazer políticas, relacionando-o com a questão de impedir o vício e promover a virtude", denunciou.