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'Noivas do Estado Islâmico': o caso da britânica que se diz arrependida e quer voltar para casa

A jovem de 22 anos, que deixou Londres aos 15 para ingressar no grupo do Estado Islâmico, diz que pode ser útil na luta contra a radicalização de jovens.

16 set 2021 - 15h23
(atualizado às 19h00)
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A jovem Shamima Begum, que trocou o Reino Unido pela Síria quando ainda era adolescente, disse que se arrependerá pelo resto da sua vida de ter ingressado no grupo extremista Estado Islâmico e se ofereceu para ajudar o Reino Unido a combater o terrorismo.

Hoje Shamima Begum tenta retomar sua cidadania britânica
Hoje Shamima Begum tenta retomar sua cidadania britânica
Foto: BBC News Brasil

Em entrevista à BBC, ela disse que pode ser "útil para a sociedade" e que seria um desperdício deixá-la "apodrecer" em um acampamento sírio.

A jovem de 22 anos é acusada de desempenhar um papel ativo no Estado Islâmico, algo que ela nega. Ela vive hoje em um acampamento de refugiados na Síria.

Neste ano, ela perdeu sua cidadania britânica, depois que o governo do Reino Unido declarou que ela é uma ameaça à segurança nacional. Shamima Begum vem tentando recuperar sua cidadania nos tribunais britânicos, mas até agora ela sofreu uma série de derrotas jurídicas.

O governo britânico afirma que a decisão de retirar a cidadania da jovem não a deixa na condição de apátrida, o que seria proibido no direito internacional, já que ela teria também cidadania de Bangladesh, país de origem da sua família.

No entanto, Bangladesh recentemente manifestou que ela não é considerada cidadã do país.

Radicalizada aos 15 anos

Shamima Begum nasceu no Reino Unido, filha de pais de descendência de Bangladesh.

Ela tinha 15 anos quando ela e duas outras estudantes do leste de Londres viajaram para a Síria para ingressar no Estado Islâmico, atraídas pelas ideias radicais do grupo.

Uma das outras garotas que viajava com ela, Kadiza Sultana, teria sido morta em um bombardeio, e o paradeiro da terceira, Amira Abase, é desconhecido.

A fuga das jovens, que viajaram contra a vontade de seus parentes e usaram identidades falsas, foi destaque em 2015 na imprensa britânica, que publicou fotos das estudantes secundárias deixando o país pelo aeroporto de Gatwick. Todas elas estudavam na mesma escola em Londres.

Em seu auge, o grupo extremista Estado Islâmico chegou a controlar um território do tamanho do Reino Unido (ou do Estado de São Paulo) que se estendia entre a Síria e o Iraque. Mas em 2019, o grupo havia sido derrotado por forças sírias, com ajuda militar dos EUA e Reino Unido. Ainda há até hoje combatentes remanescentes em atividade.

Shamima Begum conversou com a BBC em 2019 e se disse arrependida
Shamima Begum conversou com a BBC em 2019 e se disse arrependida
Foto: BBC News Brasil

Begum e suas amigas viajaram para a Turquia e depois para a cidade de Raqqa, na Síria. Lá ela se casou com um holandês recrutado pelo Estado Islâmico, com quem teve três filhos.

Em 2019, ela foi localizada, grávida de nove meses, em um campo de refugiados sírios. Seu bebê acabou morrendo de pneumonia. Begum disse que já havia perdido seus outros dois filhos antes disso e que seu marido estava em uma prisão onde há vários homens sendo torturados, depois que ele se entregou a um grupo de combatentes sírios.

Cidadania perdida

Depois que ela foi encontrada, o então ministro do Interior, Sajid Javid, cancelou sua cidadania britânica por motivos de segurança.

Begum entrou com um recurso contra a decisão, e um tribunal britânico decidiu que ela deveria ser autorizada a retornar ao Reino Unido para apresentar seu caso, porque ela não poderia fazê-lo vivendo em um campo perigoso no norte da Síria.

No entanto, o Ministério do Interior argumentou que permitir que ela voltasse criaria "riscos significativos para a segurança nacional". A Suprema Corte do Reino Unido decidiu que o governo tem o direito de impedir que Begum retorne ao Reino Unido — mas também ordenou que a batalha legal sobre sua cidadania seja interrompida até que ela encontre uma maneira de participar do processo legal.

No passado, ela havia dito que o atentado à bomba em 2017 em um show da cantora Ariana Grande, em Manchester, no qual 22 pessoas - incluindo crianças - foram mortas em um ataque reivindicado pelo Estado Islâmico, foi semelhante a ataques militares contra o Estado Islâmico. Na ocasião, ela disse que atentado terrorista em Manchester havia sido uma "retaliação".

"Nauseada"

Questionada pela BBC como ela se sente por ter feito parte de um grupo que cometeu genocídio e assassinato ao redor do mundo, a jovem disse: "Isso me deixa nauseada, realmente. Isso me faz eu me odiar."

Begum também disse que só agora se sente confortável para falar sobre seus verdadeiros sentimentos.

"Eu tenho essas opiniões há muito tempo, mas só agora me sinto confortável para expressar minha opinião real", disse.

Ela disse que se tivesse permissão para voltar ao Reino Unido, ela poderia aconselhar sobre as táticas usadas pelo Estado Islâmico para recrutar as pessoas a irem para a Síria. Ela disse que pode ser útil no esforço contra a radicalização de jovens.

Segundo ela, é "uma obrigação" sua evitar que outras jovens destruam suas vidas como ela fez ao seguir o Estado Islâmico.

Nesta semana, Begum apareceu em um programa de TV da rede ITV e fez um apelo direto ao primeiro-ministro Boris Johnson para se tornar "um trunfo" na luta contra o terrorismo.

Em entrevista realizada em um campo de refugiados sírios, ela disse que "não há provas" de que ela foi uma peça-chave no planejamento de atos terroristas e que está preparada para provar sua inocência na justiça.

"Eu sei que existem algumas pessoas que, não importa o que eu diga ou faça, não vão acreditar que eu mudei ou que quero ajudar", disse ela.

"Mas para aqueles que têm até mesmo um pingo de misericórdia, compaixão e empatia em seus corações, eu digo a vocês do fundo do meu coração que lamento cada decisão que tomei desde que entrei na Síria e viverei com isso para o resto da minha vida."

"Ninguém pode me odiar mais do que eu me odeio pelo que fiz e tudo o que posso dizer é 'sinto muito' e 'por favor me dê uma segunda chance'."

Ela disse que "preferia morrer a voltar para o Estado Islâmico" e acrescentou: "O único crime que cometi foi ser burra o suficiente para ingressar no Estado Islâmico".

"Vocês não viram o que eu vi"

Sajid Javid, atual ministro da Saúde que decidiu revogar a cidadania da jovem quando ele era ministro do Interior, disse que não há chance de que Begum possa voltar ao Reino Unido para lutar por sua cidadania perdida.

Ele disse que a decisão de privá-la de sua cidadania britânica é "moralmente certa, absolutamente certa, mas também legalmente correta para proteger o povo britânico".

"Não vou entrar em detalhes do caso, mas digo que vocês certamente não viram o que eu vi", acrescentou.

"Se você soubesse o que eu sei, porque você é uma pessoa sensível e responsável, você teria tomado exatamente a mesma decisão - disso eu não tenho dúvidas", disse Javid, em entrevista a outra rede de notícias.

Um porta-voz do Ministério do Interior disse: "A principal prioridade do governo continua sendo a manutenção de nossa segurança nacional e a segurança do público".

O grupo de direitos humanos Liberty havia considerado a decisão de revogar a cidadania de Begum "um precedente extremamente perigoso". Segundo o grupo, o direito a um julgamento justo não pode ser retirado apenas por "capricho" em governos democráticos.

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