Os tesouros arqueológicos que o EI não conseguiu destruir e até 'ajudou' a revelar
Só em Mossul, no Iraque, foram destruídos 66 sítios arqueológicos; mas a boa notícia é que arqueólogos que voltaram à região para avaliar danos encontraram preciosidades que não tinham sido descobertas antes.
A rica herança arqueológica do Iraque sofreu perdas irreparáveis em regiões que estiveram sob controle do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico. Como seus combatentes estão recuando, equipes do Museu Britânico puderam estar entre as primeiras a poder avaliar in loco a extensão da destruição.
Quando proclamou seu califado, no verão de 2014, milhares de sítios arqueológicos no Iraque caíram nas mãos de seus integrantes - e foram palco, quase que imediatamente, de atos terríveis de vandalismo, muitos deles filmados e divulgados mundo afora, como a destruição de artefatos do Museu de Mossul e a explosão de partes do sítio de Nimrud, antiga capital da Assíria.
Agora, os arqueólogos que retornaram a áreas retomadas do EI estão se deparando com locais de importância histórica transformados em estacionamentos, estátuas destruídas e manuscritos desaparecidos.
Mas também há boas notícias. Muitos artefatos não puderam ser destruídos por falta de tempo e, melhor ainda, em meio a ruínas da destruição causada por combatentes, foram encontrados novos tesouros. E ainda há as incríveis descobertas feitas recentemente em áreas no Iraque que o EI não conseguiu ocupar.
Santuário de Nebi Yunus
Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, recentemente liberada após uma extensa operação militar, é de grande importância histórica.
Nos arredores dela está a cidade assíria de Nínive, do século 7 a.C., que no passado abrigou palácios, templos e mansões - e que teve 70% de sua área destruída pelo EI.
Partes de seus muros foram derrubados por escavadeiras, e portões que haviam sido descobertos em escavações e restaurados, vieram abaixo.
Magníficos touros alados que guardavam a entrada do portão de Nergal foram mutilados e o santuário de Nebi Yunus (onde está a tumba do profeta Jonas, que teria vivido em Nínive após o encontro com a baleia narrado no Velho Testamento) sofreu um dano maior do que o esperado e corre risco de desmoronar por causa de túneis abertos por combatentes.
Apesar dessas notícias horríveis, há algo a se comemorar.
Em Nebi Yunus, parece que o EI foi afastado na hora certa. Forças do Exército iraquiano encontraram uma rede de túneis que seguiam uma trilha de esculturas milenares que revestiam os muros do palácio - e que, apesar de terem sofrido danos nas escavações, o EI não teve tempo de destruir.
Os achados nos túneis (relevos, esculturas e placas com inscrições cuneiformes) são espetaculares.
Os relevos são excepcionais, retratando cenas religiosas e de cultos e o que parece ser uma semideusa ou uma suma sacerdotisa.
Barbárie em Nimrud
Na cidade histórica de Nimrud, 30 quilômetros ao sul de Mossul, escavações que começaram em meados do século 19 e continuaram até 1992 revelaram alguns dos mais importantes monumentos da arte assíria.
Desde março de 2015, o local tem sido sistematicamente destruído pelo Estado Islâmico.
O EI derrubou, usando retroescavadeiras, o monumento Zigurate, uma antiga pirâmide, e agora seus restos estão destruídos ou escondidos sob escombros.
A organização extremista também destruiu os lamassus (esculturas de touros alados) e a entrada do templo de Nabu junto com as estátuas de peixe que a rodeavam.
Escavadeiras e explosivos foram usados para destruir o Palácio de Assurnasirpal 2º, rei da Assíria entre 883 e 859 a.C..
O arqueólogo iraquiano Faleh Noman, designado pelo governo de seu país para conduzir a avaliação dos sítios arqueológicos, chamou a destruição de "barbárie".
"A entrada principal do palácio que leva à sala do trono foi totalmente destruída e o lamassu demolido", afirmou. Segundo ele, marretas foram usadas para danificar os relevos.
Patrimônio vira armamento
Apenas na região de Mossul, oficiais iraquianos acreditam que ao menos 66 sítios foram destruídos. Também ocorreram saques, e muitos dos túneis cavados pelos extremistas tinham o propósito de levar a relíquias que pudessem ser vendidas no mercado negro. É o patrimônio histórico transformado em armamento.
Essa situação levou o governo iraquiano a apelar por ajuda internacional, o que resultou na criação de um projeto do Museu Britânico para treinar arqueólogos iraquianos.
O treinamento incluiu dois projetos de campo em áreas que nunca foram ocupadas pelo EI - no sul do Iraque na cidade de Tello e em uma área curda no norte, em Darband-i Rania.
Tello, o moderno nome árabe para a antiga cidade suméria de Girsu, é uma das cidades mais antigas conhecidas no mundo e um megasite arqueológico das dimensões de Nínive e Nimrud.
Ali, após a descoberta das inscrições cuneiformes, foi revelada ao mundo a existência dos sumérios, que inventaram a escrita há 5 mil anos e podem ter desenvolvido a primeira democracia - bem antes dos gregos antigos. Também foram descobertas relíquias de arquitetura monumental como a da ponte de Girsu - tida como a mais antiga do mundo já encontrada -, que será restaurada.
Escavações realizadas no coração do distrito sagrado, conhecido como Colina do Palácio, no final de 2016 e início de 2017 - mais de 80 anos após os pioneiros franceses terem descoberto as ruínas de um palácio helenístico - foram capazes de desenterrar milagrosamente uma extensa muralha de tijolos de barro pertencente ao templo de Ninurta (também chamado Ningirsu).
Dedicado ao deus da tempestade, esse foi um dos lugares sagrados mais importantes da Mesopotâmia.
No entanto, até agora só se sabia de sua existência através de textos em escrita cuneiforme; sua descoberta representa um marco da mais alta importância na história da pesquisa arqueológica no Iraque.
Nesse complexo religioso de mais de 4 mil anos, descobrimos o que parece ser a parte principal de um santuário: a entrada decorada, a "cella" - com um altar para oferendas e corredores marcados por colossais pedras incritas, e restos de pavimentos e tijolos.
Ruínas dessa superestrutura revelaram cerca de 100 cones, retratando a reconstrução do templo por governantes sumérios.
Outra descoberta rara foram fragmentos de uma pedra fundamental de mármore do governante sumério Ur-Bau.
Esses objetos e outros artefatos foram levados ao Museu do Iraque em Bagdá.
Por onde passou Alexandre, o Grande
Houve também descobertas importantes no norte do Iraque, com foco na cidade antiga de Qalatga Darband, na região de Darband-i Rania, uma passagem no extremo oeste das montanhas Zagros, pela qual Alexandre o Grande passou em 331 a.C..
Uma grande quantidade de blocos de calcário esculpidos espalhados pelo local indicam a presença substancial de ruínas, enquanto imagens aéreas de drones sugerem a existência de grandes construções enterradas. Também foram descobertas ruínas do que parece ter sido um templo de culto a divindades greco-romanas.