Terra Santa prepara-se para a 1ª visita do papa Francisco
Esquema de segurança foi reforçado devido ao aumento das manifestações antirreligiosas ma região; papa não irá a Nazaré e passará menos de sete horas em Belém
Papa deverá ir a campo de refugiados, conversar com peregrinos e encontrar-se com primeiro-ministro de Israel. Aumento de manifestações antirreligiosas leva autoridades a reforçar esquema de segurança.
"Papa Francisco, bem-vindo à Palestina", dizem os cartazes espalhados pela cidade de Belém, na Cisjordânia. Arquibancadas foram montadas para receber os cerca de 10 mil fiéis esperados para a grande missa, que será celebrada na praça em frente à Igreja da Natividade. Entre este sábado (24/05) e a próxima segunda-feira, Francisco visitará a Terra Santa pela primeira vez como pontífice.
"Esta visita acontece num momento importante. Precisamos de alguém como o papa Francisco, que enxergue nossa realidade e dê novo impulso à paz", afirma Vera Baboun, prefeita católica de Belém.
Durante a viagem, o papa pretende promover a reconciliação com as Igrejas cristãs orientais, assim como pregar o diálogo entre as religiões. O argentino Jorge Mario Bergoglio considera importante o encontro com peregrinos simples, ainda que sua intensa programação reserve pouco tempo para isso. Diferentemente de seus antecessores, Francisco não irá a Nazaré, no norte de Israel.
Será uma viagem curta. O papa passará menos de sete horas em Belém. Ainda assim, os palestinos esperam que Francisco consiga sentir um pouco da dura rotina vivida por eles – que poderá ser vista de perto durante a prevista passagem pelo campo de refugiados de Deheishe. Em vez de banquete com autoridades, o papa pretende almoçar com fiéis.
Entre eles estará uma cristã de Gaza, que vai relatar a Francisco a difícil situação na região bloqueada por Israel. A pequena comunidade católica na Cidade de Gaza conta agora com apenas 1.300 integrantes. A viagem do papa tem um valor simbólico para os cristãos árabes que vivem na Terra Santa.
Apenas cerca de 50 mil cristãos vivem na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém Oriental. Em Israel, há cerca de 120 mil cristãos de língua árabe. Muitos cristãos palestinos deixaram o país. Segundo os organizadores da visita do papa, atualmente cerca de 80% deles vivem em diáspora, espalhados pelo mundo, devido à complicada situação política e econômica na região.
"Um cidadão de Belém precisa de autorização das autoridades israelenses toda vez que quiser ir a Jerusalém", diz Baboun. "O muro que está ali separa a ligação espiritual entre Jerusalém e Belém."
A prefeita ressalta que, teoricamente, a distância entre as duas cidades é de apenas 10 minutos de carro. Do lado palestino, porém, "cresce uma geração de jovens que nunca pôde visitar nem a Basílica do Santo Sepulcro nem a Mesquita de Al-Aqsa (local sagrado para o Islã)".
Para o vendedor de falafel Mohammed, cristãos e muçulmanos são igualmente afetados pela ocupação israelense: "Se Deus quiser, esta visita sinalizará a paz. Isso é tudo que espero". Por razões de segurança, no próximo domingo, quando o papa estiver visitando a cidade, o ambulante terá que manter fechado o espaço onde vende a iguaria típica da região.
Forte esquema de segurança
Jerusalém prepara um forte esquema para garantir a segurança do papa. "Vamos mobilizar tudo por 48 horas", garante o agente de polícia Micky Rosenfeld. Praticamente não deverá haver corpo a corpo com a multidão. O centro histórico será fechado. "Mas nunca dá para garantir se o papa vai quebrar o protocolo ou não", comenta-se no Patriarcado Latino de Jerusalém, deixando os profissionais da segurança em pânico.
Pichações de novos grupos anticristãos já causam preocupação em Israel. Antes da chegada do papa, palavras de ódio foram pichadas, supostamente por judeus extremistas, nas paredes de igrejas e mosteiros – assim como também no Instituto católico de Notre Dame, onde Francisco terá um encontro na segunda-feira com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
"Morte aos árabes e aos cristãos, e a todos que odeiam Israel", dizem as pichações em hebraico. Manifestações contrárias a cristãos, muçulmanos e a instituições judaicas seculares têm sido cada vez mais comuns nos últimos meses. Autoridades de segurança israelenses temem um aumento dos ataques durante a visita do papa.
Encontro histórico
O encontro mais importante da agenda de Francisco ocorrerá na noite de domingo, em Jerusalém. O líder da Igreja Católica Romana apertará a mão do chefe da Igreja Ortodoxa, Bartolomeu 1°, na Basílica do Santo Sepulcro – um ato simbólico, que ocorreu pela última vez há 50 anos, no mesmo local. Em 1964, o então papa Paulo 6º e o patriarca ortodoxo Atenágoras foram os protagonistas.
Entre o que testemunharam o encontro em Jerusalém está a freira Frida Nasser. Ela foi uma das jovens cristãs que puderam cumprimentar o papa. Desde então, ela diz, algo mudou na relação entre os católicos e os grego-ortodoxos.
"Quando eu era criança, os sinos de luto tocavam quando uma mulher católica se casava com um homem grego-ortodoxo", conta Nasser, diretora da escola de meninas Terra Sanctae, em Jerusalém. "Hoje já avançamos muito."
Última ceia
Na segunda-feira, o papa vai se reunir com o grande mufti – acadêmico islâmico a quem é reconhecida a capacidade de interpretar a lei islâmica – Mohamad Hussein. O encontro será na Mesquita de Omar, localizada no Monte do Templo, na cidade antiga de Jerusalém.
Em seguida, o papa passará pelo Muro das Lamentações e visitará o memorial do Holocausto Yad Vashem. O encontro com Netanyahu deverá reforçar os laços políticos entre o Vaticano e Israel.
Um dos pontos mais sensíveis da programação também está agendado para segunda-feira, quando Francisco celebrará uma missa na sala da Santa Ceia no Monte Sion, em frente aos portões da cidade histórica.
O local faz parte do complexo considerado santo por judeus, cristãos e muçulmanos e que, por isso, é há anos palco de conflitos. O clima de discórdia que paira sobre as religiões que ali coexistem deverá acompanhar Francisco durante toda a viagem.