Os pontos fortes e fracos de Kamala Harris como candidata democrata
Vice-presidente americana pode ampliar vantagem dos democratas entre eleitores progressistas, negros e mulheres, mas pode ser criticada por seu papel no combate à imigração na fronteira com México.
Após Joe Biden anunciar a decisão de desistir de concorrer à reeleição para presidente dos Estados Unidos, a possibilidade de Kamala Harris ser sua substituta na votação marcada para 5 de novembro ganhou força.
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Em uma postagem nas redes sociais, Biden declarou seu "total apoio e endosso para que Kamala seja a candidata de nosso partido este ano" e acrescentou: "Democratas — é hora de nos unirmos e derrotar Trump. Vamos fazer isso."
Atual vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, de 59 anos, foi a primeira mulher a ocupar esse cargo.
Ela respondeu ao apoio de Joe Biden dizendo que fará "tudo ao meu alcance para unir o Partido Democrata - e unir nossa nação - para derrotar Donald Trump e sua agenda extrema".
A chapa do Partido Democrata deve ser oficializada apenas na Convenção Nacional da agremiação, em 19 de agosto. Mas as especulações sobre quem representará a legenda na disputa contra o ex-presidente Donald Trump estão a todo vapor.
Kamala Harris é o nome que ganhou mais força até o momento. Gretchen Whitmer, governadora de Michigan, e Gavin Newsom, governador da Califórnia, haviam sido indicados como possíveis opções nas semanas antes do anúncio oficial da desistência de Biden.
Newsom publicou uma mensagem de apoio a Harris após a divulgação da decisão do presidente. Whitmer saudou a decisão de Biden, mas não deixou claro se tentará a nomeação.
Mas afinal, quais são os pontos fortes e fracos de uma possível candidatura de Kamala Harris, segundo analistas e institutos?
O que pesa a favor
A idade avançada de Joe Biden esteva no centro da campanha de Donald Trump. Hoje com 81 anos, o democrata foi o presidente mais velho a assumir o cargo, em 2021, aos 78.
Ele foi declarado "apto para exercer suas funções" no início de 2024 por um médico da Casa Branca, mas as críticas de opositores e as preocupações de aliados persistiram.
Os sinais do seu envelhecimento se tornaram mais evidentes recentemente — incluindo a voz mais suave, os lapsos de memória e uma aparente maior dificuldade para andar, que seu médico atribui parcialmente à artrite.
Com isso, a campanha republicana se dedicou a focar na idade e fragilidade do democrata.
O argumento 'forte versus frágil' apareceu com frequência em eventos nas últimas semanas, assim como as tentativas de retratar Trump como uma opção mais enérgica e jovem.
Mas essa tática não terá o mesmo impacto contra a vice-presidente Kamala Harris. Ela tem 59 anos, quase 20 a menos que Trump, que teria 82 ao final de um segundo turno.
Analistas descrevem Harris como uma pessoa em forma e enérgica, e a confirmação de sua candidatura pode virar o jogo totalmente em relação ao uso político da diferença de idade na campanha.
E apesar de ter tido baixos índices de aprovação durante seu mandato como vice-presidente, apoiadores de Kamala Harris apontam ainda para seu passado como promotora de justiça enquanto Trump já foi condenado pela Justiça. Isso seria favorável à imagem da democrata.
Harris estudou Direito e iniciou sua carreira na promotoria do condado de Alameda, na Califórnia. Tornou-se promotora-chefe em San Francisco em 2003, antes de ser eleita a primeira mulher negra procuradora-geral da Califórnia. No cargo, ganhou reputação como estrela ascendente do Partido Democrata, até ser eleita ao Senado americano.
As pesquisas de opinião também indicam a possibilidade da vice-presidente se sair melhor do que Joe Biden entre alguns eleitores específicos.
Uma sondagem da CNN do início de julho sugeriu que Harris teria um desempenho melhor do que Biden com eleitores independentes e mulheres.
Enquanto 50% das eleitoras do sexo feminino apoiariam a vice-presidente contra Trump, apenas 44% fariam o mesmo no caso de Biden. A mesma pesquisa aponta que 43% dos americanos que se definem como independentes (não afiliados a nenhum partido) estariam dispostos a votar em Harris, contra 34% no atual presidente dos EUA.
Filha de mãe indiana e pai jamaicano, ela também vai melhor do que Biden nas pesquisas entre eleitores negros, latinos e jovens — círculos eleitorais cruciais e que, segundo seus aliados, ela seria capaz de atrair como candidata.
Entre o eleitorado em geral, uma pesquisa da CBS News e YouGov realizada na última semana mostra Harris com uma ligeira vantagem em relação ao atual presidente Biden frente a Trump.
O republicano estava à frente da advogada por três pontos (51% a 48%), enquanto superava Biden por cinco (52% a 47%) entre os eleitores prováveis (a margem de erro da pesquisa era de 2,7 pontos).
Mas muitos especialistas descartam tais pesquisas e apontam que o sentimento dos eleitores mudará com a renúncia de Biden. Alguns acreditam que os eleitores começarão a avaliar outros candidatos além de Harris.
Um pesquisador de opinião democrata próximo à campanha de Biden reconheceu que Harris pode ter mais potencial para expandir a base eleitoral do partido do que o presidente, mas é cético em relação à diferença que ela faria.
As pesquisas que a comparam com Trump neste momento "não significam nada", diz ele, que pediu anonimato porque não estava autorizado a falar com a imprensa.
E a possibilidade de Harris realmente aumentar a participação dos eleitores negros mais jovens é outra questão incerta. "Este é simplesmente um daqueles momentos de esperar para ver", acrescenta o pesquisador.
O que pesa contra?
Se por um lado a campanha de Trump será obrigada a abandonar o argumento 'forte versus frágil' que se aproveitava da idade avançada de Biden, os republicanos podem focar em outros pontos do histórico de Harris na política.
Analistas veem a possibilidade de Trump e seus aliados vincularem Harris às falhas percebidas do governo atual. Não importa quem seja o candidato, os republicanos certamente culparão os democratas por encobrir as fraquezas relacionadas à idade de Biden - e por colocar a nação em risco.
Harris também fracassou em sua própria tentativa de concorrer à Presidência, quando perdeu a corrida pela nomeação democrata contra Biden em 2020.
E embora a ex-promotora não seja de maneira alguma da ala progressista do partido, ataques republicanos anteriores sugerem que eles também podem pintá-la como de "esquerda radical".
Analistas apontam ainda que o histórico de Harris no controle da imigração na fronteira com o México pode ser usado contra ela.
Biden designou Harris para liderar os esforços relacionados à imigração durante um período em que houve recorde de entrada de imigrantes pela fronteira com o México. O objetivo desses esforços tem sido tratar das causas fundamentais da migração da América Latina, como a pobreza e a violência nos países de origem dos migrantes.
Mas Harris foi acusada de não avançar significativamente na questão e criticada por levar seis meses para planejar uma visita à fronteira após assumir o cargo. Os republicanos inclusive a apelidaram de "czarina da fronteira" por seu papel.
Em seus esforços, ela anunciou no ano passado US$ 950 milhões em promessas de empresas privadas para apoiar as comunidades da América Central. Compromissos semelhantes feitos anteriormente totalizaram cerca de US$ 3 bilhões.
Ela também tentou aprovar no Congresso um acordo bipartidário que, na prática, permitiria o fechamento da fronteira se as travessias atingissem um limite estabelecido e financiaria milhares de novos agentes de segurança de fronteira.
Mas o acordo foi derrubado pelos congressistas republicanos, incentivados por Donald Trump.
Ao mesmo tempo, as posições de Harris sobre temas como aborto e o atual conflito na Faixa de Gaza podem pesar contra ela na distribuição de votos por Estado, segundo especialistas.
Durante seu tempo como vice-presidente, ela se firmou como a principal voz do governo no que diz respeito ao direito ao aborto e liderou a campanha "Luta pelas Liberdades Reprodutivas", defendendo o direito das mulheres de tomarem decisões sobre seus próprios corpos.
Harris destacou os danos causados pela proibição do aborto e pediu ao Congresso a restauração das proteções do caso Roe v. Wade, que garantiam o direito ao aborto nos EUA até serem anuladas pela Suprema Corte em 2022.
Em março deste ano, ela fez o que se acreditava ser a primeira visita oficial de um presidente ou vice-presidente a uma clínica de aborto. Ela também apoiou consistentemente o direito ao aborto durante seu período no Senado
O apoio ao direito ao aborto após a decisão do Supremo provou ser um sucesso para os democratas durante as eleições de meio de mandato de 2022 e o partido espera reconquistar mais eleitores em novembro ao manter esse tema como prioridade.
Mas há temores de que a posição de Kamala Harris possa prejudicá-las em Estados mais conservadores e onde há maior população cristã.
Em uma pesquisa Gallup realizada em maio, 32% dos eleitores disseram que votariam apenas em um candidato que compartilhasse suas opiniões sobre o aborto, um recorde desde que o instituto incluiu essa questão em suas sondagens, em 1992.
Em outra pesquisa, realizada em abril pelo Pew Research Center, 63% dos adultos entrevistados disseram que o aborto deveria ser legal no país em todos ou na maioria dos casos, enquanto 36% afirmaram que deveria ser ilegal em todos ou na maioria dos casos.
Entre as pessoas que se declaram não afiliadas a nenhuma religião, os favoráveis ao aborto na maior parte dos casos chegam a 86%. Ao mesmo tempo, 73% dos evangélicos protestantes brancos acreditam que o aborto deveria ser ilegal em todos ou na maioria dos casos.
Sua defesa do direito ao aborto também poderia ser definitiva em uma corrida contra Trump pelos chamados 'swing states', os Estados em que a população é dividida politicamente e não há um histórico de vitórias de um único partido.
Por fim, analistas acreditam que apesar de sua capacidade de atrair mais eleitores negros e do sexo feminino, Kamala Harris disputaria também contra o preconceito da sociedade americana.
Em mais de dois séculos de democracia, os eleitores nos EUA elegeram apenas um presidente negro e nunca uma mulher, algo que faz até alguns eleitores negros duvidarem de uma candidatura bem-sucedida da vice-presidente.
"A raça e o gênero dela serão um problema? Com certeza", disse LaTosha Brown, estrategista política e cofundadora do Fundo Black Voters Matter, à agência Reuters.