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Os refugiados que escaparam da guerra no Afeganistão e enfrentam outra na Ucrânia

Três afegãos que fugiram do caos e da violência, depois que o Talebã tomou Cabul, falaram à BBC sobre o drama de tentar buscar um outro lugar seguro. Estima-se que cerca de 5.000 afegãos vivam na Ucrânia, incluindo 370 retirados em agosto de 2021, quando o Talebã retomou o controle do país.

1 mar 2022 - 07h19
(atualizado às 09h35)
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Fazila Haidari fugiu da ofensiva do Talebã e hoje vive na Ucrânia com sua irmã
Fazila Haidari fugiu da ofensiva do Talebã e hoje vive na Ucrânia com sua irmã
Foto: Fazila Haidari / BBC News Brasil

"A situação no Afeganistão, quando o Talebã tomou o poder, era melhor do que a que estou vendo aqui na Ucrânia. Nós estamos fugindo de novo, mas desta vez para um destino desconhecido", diz Haidar Seddiqi, um oficial militar afegão de 36 anos que acabou na Ucrânia depois que o grupo fundamentalista tomou a capital afegã, seis meses atrás. "Eu escapei de Cabul para a Ucrânia para salvar minha vida e encontrar paz. Eu nunca nem imaginei que isso [guerra] poderia me seguir até aqui. Somos uma nação desesperada."

Depois de 15 anos servindo as Forças Armadas do Afeganistão, Seddiqi foi para a Ucrânia com apenas um par de uniformes. Ele não teve nem tempo para fazer uma mala. Ele afirma que parece que "você está fugindo para buscar refúgio do vento, e de repente uma tempestade te atinge".

Seddiqi, ex-oficial militar, fugiu do Afeganistão após a queda de Cabul
Seddiqi, ex-oficial militar, fugiu do Afeganistão após a queda de Cabul
Foto: Haidar Seddiqi / BBC News Brasil

Seddiqi tinha apenas três anos de idade quando a invasão soviética do Afeganistão chegou ao fim. Sua geração cresceu em um país em guerra: a primeira vez que o Talebã tomou o poder, a invasão americana e recentemente a volta do Talebã ao controle, em agosto de 2021. Ele diz que tem convivido com guerras e buscado refúgio por toda sua vida.

Agora na Ucrânia, ele está chocado sobre como "a história se repete" para ele e agora tem dúvidas se a guerra um dia vai parar de "persegui-lo".

Estima-se que cerca de 5.000 afegãos vivam na Ucrânia, incluindo 370 retirados em agosto de 2021, quando o Talebã retomou o controle do país. Enquanto o território ucraniano se transforma em um campo de batalha, diversos países tentam evacuar seus cidadãos e levá-los a um lugar seguro, mas os afegãos acreditam terem sido "abandonados e esquecidos".

'Por sua conta'

Na manhã da quinta-feira, 24 de fevereiro, a população ucraniana acordou com o forte som de sirenes e explosões, quando a Rússia iniciava sua invasão de larga escala do país.

Muitos afegãos que haviam fugido para a Ucrânia recentemente em busca de paz — incluindo Seddiqi — ficaram surpresos com um ataque militar no lugar que eles "menos esperavam".

Autoridades do campo disseram aos refugiados para caminhar e buscar segurança
Autoridades do campo disseram aos refugiados para caminhar e buscar segurança
Foto: Haidar Seddiqi / BBC News Brasil

Ele descreve como viu seu campo de refugiados em meio a um caos quando acordou para sua oração matinal. "Estava no noticiário. As pessoas começaram a gritar, até que as autoridades no campo abriram as portas e disseram para fugirmos."

Seddiqi afirma que cerca de 250 refugiados de diferentes países viram-se "no meio do nada" — eles foram simplesmente informados de que deveriam salvar suas vidas. Ele estima estar a 47 quilômetros de distância da estrada principal mais próxima e que o grupo terá de caminhar o trecho todo, porque seu pedido por transporte foi negado.

"Oficiais do campo nos disseram que, a partir de agora, 'vocês estão por sua conta'", afirma Seddiqi.

Vídeos produzidos no local mostram famílias carregando seus pertences em sacolas plásticas, caminhando numa área rural, cercados de árvores sem folhas, próximo à cidade de Chernihiv.

A maior parte dos refugiados está tentando alcançar a parte oeste da Ucrânia. Aqueles já em cidades desse lado estão fugindo em direção às fronteiras, enquanto o país inteiro é alvo de ataques.

A afegã Fazila Haidari quando trabalhava como comissária de bordo
A afegã Fazila Haidari quando trabalhava como comissária de bordo
Foto: Fazila Haidari / BBC News Brasil

'Achávamos que estaríamos seguros aqui'

Fazila Haidari, de 26 anos, também acordou na manhã da quinta-feira, dia 24, com o son das sirenes. "É como quando o Talebã atacou Cabul. Eu me lembro que as pessoas estavam desesperadas, e havia caos. Agora estou vendo pessoas fugindo e tentando deixar a Ucrânia. Eu não consigo acreditar que isto esteja acontecendo", Haidari disse à BBC por meio de mensagens no WhatsApp.

Ela estava escrevendo a partir de um pequeno apartamento que ela compartilha com sua irmã Shogufa, de 24 anos, em Lviv, na parte ocidental da Ucrânia. As irmãs trabalhavam como comissárias de bordo e deixaram o Afeganistão para a Ucrânia durante a tomada do poder pelo Talebã.

"Minha irmã não falou nada desde a manhã. Nós duas estamos em choque. Nós simplesmente não sabemos o que fazer e para onde fugir."

Haidari e sua irmã estavam aguardando na Ucrânia até serem reacomodadas em um outro país. Agora, tem buscado ajuda, desesperadamente, contatando qualquer pessoa que elas conheçam.

"Nós achamos que seria seguro aqui, mas veja a situação. Nós temos ligado para a Acnur [agência da ONU para refugiados] e outras organizações, mas ninguém atende nossas ligações."

Metade de sua família ainda está no Afeganistão, vivendo com medo sob o Talebã, e agora se preocupa com a segurança de suas filhas.

"Nós ainda estávamos em choque por causa do que aconteceu em Cabul, preocupadas com nossa família. Agora a Ucrânia está sob ataque, e a minha família está preocupada com a gente. Eu estava feliz por ter sobrevivido ao Talebã, mas agora eu estou imaginando se sair de Cabul foi a decisão certa, porque estou no meio de uma outra guerra."

Ahmad Sajad enviou esta foto perto da fronteira com a Polônia
Ahmad Sajad enviou esta foto perto da fronteira com a Polônia
Foto: Ahmad Sajad / BBC News Brasil

'Não sei para onde mais fugir'

"Eu realmente me sinto arrasado, me sinto sem casa e me sinto realmente pobre", disse Ahmad Sajad (nome fictício) à BBC.

Ele era um alto oficial do governo afegão, no auge de sua carreira em Cabul seis meses atrás, quando o Talebã tomou o poder. Ele disse que na quinta-feira, dia 24, não podia acreditar em seus olhos quando viu um míssil cair perto de seu apartamento.

"Nós viemos aqui para viver em paz. Nós nunca esperávamos que o horror fosse se repetir. Estou em Kiev agora, e as pessoas estão correndo em qualquer direção", disse Sajad. "Há longas filas perto de supermercados, postos de combustíveis e caixas eletrônicos. Isso é exatamente o que vimos em Cabul apenas alguns meses atrás."

O caos visto quando o Talebã tomou Cabul em 2021 incluiu filas nas portas de bancos
O caos visto quando o Talebã tomou Cabul em 2021 incluiu filas nas portas de bancos
Foto: AFP / BBC News Brasil

Sajad e outros que chegaram à Ucrânia vindos do Afeganistão há seis meses sentem-se agora perdidos. "Não falamos a língua, nossos passaportes estão com o governo, e não podemos ir para nenhum lugar. Mesmo se quisermos ir embora, eu não sei para onde fugir."

Afegãos em redes sociais reagiram rapidamente aos acontecimentos na Ucrânia por causa da recente tomada do país pelo Talebã e também porque invasão russa traz memórias da ocupação soviética do Afeganistão em 1979, que deixou centenas de milhares de vítimas e um êxodo de milhões de pessoas.

"O problema agora é que ninguém está aqui para nos ouvir ou cuidar de nós. Eu me sinto arrasado, não temos embaixada ou um governo ou mesmo uma identidade. Não temos ninguém do nosso lado."

Seddiqi diz que ele e outros refugiados ficaram abandonados na estrada
Seddiqi diz que ele e outros refugiados ficaram abandonados na estrada
Foto: Haidar Seddiqi / BBC News Brasil

'Verei meus filhos de novo?'

Haidar Seddiqi e seus colegas de campo, incluindo uma família de seis pessoas, com três crianças, estão exaustos devido a sua caminhada em busca de segurança. Eles andaram mais de 75 quilômetros durante a noite e haviam acabado de chegar ao centro de Chernihiv, que agora é uma zona de conflito.

Na manhã de sexta-feira, dia 25, ele enviou uma mensagem de voz dizendo que eles estavam caminhando em grupos pequenos para garantir que não se tornem alvos de bombardeios. Ele pedia que a comunidade internacional e as Nações Unidas não se esqueçam de pessoas como ele.

"E se houver um ataque aqui ou algo acontecer com a gente? O que aconteceria com a minha família no Afeganistão? E se eu morrer, quem diria a eles se eu estou vivo ou morto? Será que eu verei meus filhos de novo?"

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