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Padre belga resiste em mosteiro e ajuda refugiados na Síria

Segundo Daniel Maes, jovens sem esperança são atraídos por grupos extremistas islâmicos, como o EI

31 out 2014 - 09h59
(atualizado às 10h02)
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Monastério de São Tiago Mutilado, em Qara, 90 km ao norte de Damasco, na Síria
Monastério de São Tiago Mutilado, em Qara, 90 km ao norte de Damasco, na Síria
Foto: Divulgação

Depois de 20 anos ensinando Teologia Moral na Bélgica, o padre belga Daniel Maes, 74 anos, decidiu se mudar para a Síria e servir no monastério de São Tiago Mutilado (em árabe chamado Deir Mar Yakub), em Qara, 90 km ao norte de Damasco. Quando Maes deu início ao trabalho em 2010 no monastério da diocese greco-católica de Homs, o conflito armado contra o regime de Bashar Al-Assad e as ameaças do Estado Islâmico (EI) ainda não haviam começado.

<p>Padre Daniel lê a Bíblia no mosteiro na síria</p>
Padre Daniel lê a Bíblia no mosteiro na síria
Foto: Divulgação

O país de 21 milhões de habitantes abrigava uma comunidade de 10% de cristãos, e o mosteiro, datado do século VI, tinha sido reconstruído em 2000. Hoje, mais de três milhões de sírios –muçulmanos, judeus e cristãos– tornaram-se refugiados, segundo indica o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), enquanto 6,5 milhões foram deslocados de suas casas.

Em janeiro de 2013, quando pouco se sabia sobre o EI, o padre Daniel Maes e a madre-superiora do monastério, a libanesa Agnès-Mariam de la Croix, já vinham alertando os países ocidentais de que os rebeldes sírios consistiam em grupos extremistas. “Eles querem impor a lei islâmica e criar um Estado islâmico na Síria”, denunciava Agnes-Miriam. “A rebelião foi sequestrada por mercenários islâmicos que estão mais interessados em lutar uma guerra santa do que em mudar o governo”, alertava. Segundo os religiosos, militantes usando lenços negros na cabeça chegaram a cercar o Monastério de São Tiago Mutilado em novembro do ano passado, numa tentativa de impedir que os cristãos celebrassem o Natal.

Em entrevista ao Terra, o padre Daniel Maes destaca como tiveram que resistir aos ataques de grupos rebeldes e como continuam a dar abrigo e assistência à população local. Maes pede que o Ocidente pare de enviar "combatentes" e "terroristas" e avalia que os extremistas estão se aproveitando do "vazio" sentido por jovens sem esperança.

Terra - Por que o senhor decidiu ir para a Síria?

<p>Mosteiro São Tiago Mutilado recolhe e distribiu alimentos, remédios e cobertores aos sírios</p>
Mosteiro São Tiago Mutilado recolhe e distribiu alimentos, remédios e cobertores aos sírios
Foto: Divulgação
Daniel Maes - Eu visitei este mosteiro no final de 2010 e fiquei surpreso com a criatividade e simplicidade desta vida como um retorno às raízes da antiga vida monástica oriental. A irmã que fundou e reconstruiu este mosteiro, a Madre Agnès-Mariam, me perguntou se eu poderia ajudar a iniciar um seminário para candidatos a padres - que eu aceitei com muito entusiasmo. Comecei com cinco alunos: durante a guerra, três se retiraram e dois continuaram.

Terra - Qual é a situação agora em Qara?

Daniel Maes - A situação agora é relativamente normal. No ano passado, a população aqui tornou-se quase quatro vezes maior devido a muitos grupos de rebeldes. Durante o pesado e dramático ataque em novembro de 2013, toda a população fugiu. Depois disso, o povo voltou. Em um canto da cidade, várias casas foram arrasadas. No restante, houve poucos danos. As lojas estão normalmente abertas e funcionam, as crianças estão brincando na rua. As escolas estão abertas. Por toda a vila se pode ver a bandeira síria e a foto do presidente.

Terra - O senhor sente que o mosteiro está sob ameaça? Por qual grupo(s)?

Daniel Maes - Em novembro (de 2013), o mosteiro foi ameaçado por milhares de rebeldes. Foi extremamente perigoso. Durante uma luta muito difícil entre o exército e os rebeldes, nossos edifícios ficaram seriamente danificados. Não ficou claro por que os rebeldes de repente fugiram para as montanhas e o exército restaurou a segurança. Toda a região de Qalamoun parece agora segura, embora haja, por vezes, ainda ataques, porque os países ocidentais continuam a enviar rebeldes para destruir a Síria.

Terra - Quantas pessoas o mosteiro está hospedando agora? De quais nacionalidades e religiões?

Daniel Maes - Não posso dar muitos detalhes. As comunidades religiosas estão muito vulneráveisNossa pequena comunidade já conta com oito nacionalidades e inclusive estamos vivendo com refugiados muçulmanos, que encontram abrigo nos nossos edifícios.

<p>Sírios recebem donativos do mosteiro</p>
Sírios recebem donativos do mosteiro
Foto: Divulgação
Terra - Você recebe alguma ajuda da Igreja Católica, de algum governo ou ONG? Qual? 

Daniel Maes - Junto com muitos voluntários organizamos três centros de ajuda no centro da Síria. Muitos amigos do exterior e da localidade estão dando ajuda e dinheiro para que tentemos dar assistência às pessoas em necessidade em toda a área de Qalamoun. O mosteiro tem um grande jardim que agora é cultivado por pessoas de fora por causa da segurança. A Rússia nos enviou grandes caminhões com ajuda e especialmente a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho estão enviando contribuições. Também os amigos da Bélgica e da Holanda têm nos ajudado continuamente. Mas as necessidades são muito maiores.

Terra - O que o senhor acha que as pessoas de fora da Síria poderiam fazer para melhorar a situação atual?

Daniel Maes - Parem de mandar e encorajar terroristas. E que todos os combatentes estrangeiros vão para casa e deixem este povo viver, em respeito à sua soberania.

Terra - Em Antuérpia chama atenção o caso do jovem belga Brian De Mulder, filho de brasileira, que foi educado em escola católica, converteu-se ao islamismo por radicais e foi para a Síria. Por que tantos jovens belgas e de outros países da Europa se deixam converter a um tipo extremo de Islamismo e vão lutar na Síria?

Daniel Maes - A violência do Ocidente está criando mais violência e jovens sem esperança são atraídos por grupos extremistas. Isto prova também a fraqueza da convicção cristã no Ocidente e em nosso país, que nega suas raízes cristãs. O vazio é imediatamente preenchido pelos extremistas.

Terra - O que poderia ser feito para ajudar esses jovens a voltarem para a Bélgica? O senhor tem esperança que eles se recuperem e tenham de novo uma vida normal?

Daniel Maes - Se encontrarem pessoas com uma visão equilibrada sobre os valores humanos e cristãos e com o verdadeiro amor em seus corações, eles vão entender o significado de suas vidas. Podemos orar para que encontrem essas pessoas.

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Fonte: Especial para Terra
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