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Países em que população não cumpre regras foram mais afetados pela covid-19, diz psicóloga americana

Em entrevista à BBC News Brasil, a psicóloga americana Michele Gelfand, professora da Universidade de Maryland, afirma que países como Brasil e Estados Unidos, cuja as populações culturalmente não costumam seguir regras sociais, estão sofrendo mais com a pandemia.

19 fev 2021 - 17h07
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Praias do Brasil têm ficado constantemente lotadas mesmo com recomendações de distanciamento social
Praias do Brasil têm ficado constantemente lotadas mesmo com recomendações de distanciamento social
Foto: EPA / BBC News Brasil

A pandemia de covid-19 já deixou mais de 107 milhões de infectados e mais de 2,3 milhões de mortos ao redor do mundo. Mas enquanto alguns países, como o Brasil ou os Estados Unidos, foram duramente atingidos, outros, como Cingapura ou Taiwan, foram mais bem-sucedidos ao limitar o número de casos e mortes.

Uma das explicações para essa disparidade, segundo a psicóloga americana Michele Gelfand, professora da Universidade de Maryland, pode estar nas diferenças culturais entre esses países em relação à rigidez das normas sociais e à disposição da população em seguir regras.

Em um estudo comparando dados de 57 países, publicado pela revista científica Lancet Planetary Health, Gelfand e sua equipe argumentam que nações com cultura mais "solta", onde as normas sociais são mais flexíveis, registraram cinco vezes o número de casos e mais de oito vezes o número de mortes do que aquelas com cultura mais rígida.

Entre esses países, ela destaca o Brasil, que tem o terceiro maior número de casos do mundo, com mais de 9,6 milhões de infectados, e o segundo maior número de mortos, com mais de 233 mil óbitos.

"O Brasil tem desempenho muito ruim em casos e mortes per capita, assim como Estados Unidos, Reino Unido e outros países", diz Gelfand à BBC News Brasil.

Sua análise inclui dados até outubro do ano passado e leva em consideração variáveis de controle como subnotificação de casos de covid-19, desenvolvimento econômico, desigualdade, densidade populacional, migração, fatores climáticos, eficiência governamental, intervenções governamentais não farmacêuticas (como lockdowns) e outras dimensões de variações culturais.

Enquanto nações com alto nível de rigidez cultural registravam, até 16 de outubro de 2020, média de 1.428 casos e 21 mortes por milhão de habitantes, nos países com alto nível de flexibilidade a média era de 7.132 casos e 183 mortes por milhão. Os dados mais recentes indicam que o Brasil já registra 1.096 mortes por milhão de habitantes.

Para Michele Gelfand, diferenças culturais em relação ao cumprimento de regras podem explicar impacto da pandemia em alguns países
Para Michele Gelfand, diferenças culturais em relação ao cumprimento de regras podem explicar impacto da pandemia em alguns países
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

Ameaças coletivas

Gelfand salienta que todas as culturas têm normas de comportamento social, sejam explícitas ou implícitas, mas há diferenças na maneira como a população adere a essas regras.

Enquanto em alguns países as normas são seguidas rigorosamente, mesmo que não sejam escritas, e há punição para quem quebrá-las, em outros as regras são mais fracas e há uma postura mais flexível e permissiva.

A psicóloga observa que as variações estão ligadas ao histórico de ameaças sociais e ecológicas enfrentadas por essas culturas.

"Em comparação a culturas mais soltas, culturas rígidas tendem a ter taxas históricas mais altas de desastres naturais, prevalência e doenças, escassez de recursos e invasões", diz o estudo.

A rigidez das normas em uma sociedade levaria a uma maior ordem e capacidade de cooperação e coordenação mais rápida, o que representa uma vantagem na busca por sobrevivência diante de grandes ameaças coletivas ao longo da história.

As culturas mais flexíveis, por outro lado, sem esse histórico significativo de riscos passados, demorariam mais para cooperar diante de uma ameaça coletiva.

Entre os fatores que costumam levar a uma cultura mais maleável Gelfand cita a diversidade da população, como no caso do Brasil.

Bar lotado no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, logo após reabertura de bares e restaurantes na cidade em julho do ano passado
Bar lotado no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, logo após reabertura de bares e restaurantes na cidade em julho do ano passado
Foto: Andre Coelho/Getty Images / BBC News Brasil

Adesão às normas

A crise global de saúde provocada pela covid-19 permitiu que Gelfand testasse a teoria.

Segundo a psicóloga, apesar de nem todas as culturas "soltas" terem se saído mal e nem todas as culturas "rígidas" terem sido bem-sucedidas, os resultados comprovam que nações com normas mais rigorosas tiveram mais sucesso em limitar o número de casos e mortes por covid-19.

Conforme dados atualizados até esta semana, a Espanha tem 1.362 mortes por covid-19 por milhão de habitantes. Estados Unidos registram 1.450 mortes, Itália, 1.529 mortes, e Reino Unido, 1.686 mortes por milhão. Todos esses países são classificados na análise, ao lado do Brasil, como tendo culturas "soltas".

Em comparação, são apenas 52 mortes por milhão no Japão, 29 por milhão de habitantes na Coreia do Sul, cinco por milhão em Cingapura e 0,4 por milhão em Taiwan, que estão entre os países considerados na análise como tendo cultura "rígida".

Gelfand destaca o exemplo de Taiwan, onde houve grande adesão voluntária às normas de distanciamento social e uso de máscaras, permitindo controlar a pandemia sem fechar a economia inteiramente.

Essa resposta rápida e coordenada por parte da população também foi verificada em outros países bem-sucedidos citados no estudo.

"Em contraste, países como o Brasil, os Estados Unidos e a Espanha tiveram dificuldade em conter o vírus, e seus cidadãos estavam mais propensos a desrespeitar as regras adotadas", diz a análise.

Medo e papel dos governantes

Um dos pontos analisados por Gelfand é o quanto as pessoas em determinado país sentem medo do coronavírus.

"Você imaginaria que, durante uma ameaça coletiva, as pessoas ficariam preocupadas, o que facilitaria um endurecimento", afirma.

Mas, enquanto nas nações consideradas "rígidas" 70% disseram estar com muito muito medo de pegar o vírus, nas culturas classificadas como "soltas" esse índice foi de 49%, mesmo diante do impacto mais forte da pandemia nesses países.

Sem medo do vírus, muitos continuaram a ignorar as regras recomendadas pelas autoridades de saúde, como evitar aglomerações, manter distanciamento social e usar máscaras.

Muitas vezes os governantes também podem interromper o sinal de ameaça, afetando como a população percebe o risco e sua disposição de seguir normas. Gelfand cita o exemplo de líderes que minimizaram a gravidade da covid-19, como nos Estados Unidos, no Brasil e no Reino Unido.

Ela ressalta que o nível de rigidez cultural não é o único fator associado ao desempenho de um país diante da pandemia. Gelfand sugere que aspectos como as crenças pessoais dos governantes sobre a gravidade da covid-19, o nível de polarização política e a qualidade da mensagem das autoridades sobre o vírus sejam analisadas em pesquisas futuras.

A psicóloga cita o caso da Nova Zelândia, um país encaixado na categoria de culturas "soltas", mas que teve bom desempenho no combate à pandemia, com cinco mortes por milhão de habitantes.

"A Nova Zelândia é um ótimo exemplo, com uma liderança muito forte e muita união nacional", afirma.

Bolsonaro diversas vezes desdenhou do distanciamento social e do uso de máscaras de proteção como ferramentas para frear a disseminação do coronavírus
Bolsonaro diversas vezes desdenhou do distanciamento social e do uso de máscaras de proteção como ferramentas para frear a disseminação do coronavírus
Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino / BBC News Brasil

Ameaças futuras

Gelfand observa que a natureza da ameaça representada por um vírus também afeta a maneira como as pessoas percebem o risco, o que torna ainda mais importante a mensagem passada pelos governantes.

"No caso de uma guerra, é mais difícil negar a ameaça. Mas se é um vírus e você não pode ver, fica mais fácil ignorar", diz a psicóloga. "É necessária uma mensagem clara e consistente de que isso é uma ameaça real."

Ela ressalta que as culturas com uma postura mais relaxada não estão condenadas a se sair mal diante de ameaças, desde que a população esteja disposta a sacrificar um pouco de sua liberdade.

Gelfand sugere que as autoridades sejam francas a respeito dos riscos do coronavírus, mas também salientem que é possível superar o desafio e deixem claro para as pessoas que o sacrifício será temporário.

"Intervenções para endurecer (as regras) durante a pandemia podem ser bem-sucedidas se forem moldadas de acordo com as circunstâncias de cada país", afirma.

Para a psicóloga, as lições da pandemia e dos países que foram bem-sucedidos podem servir para enfrentar ameaças futuras.

Gelfand salienta que ambos os tipos de cultura têm pontos positivos e negativos. Enquanto culturas mais rígidas costumam ter mais ordem, menor criminalidade, maior coordenação e autocontrole, nas mais flexíveis há menos ordem, mas, ao mesmo tempo, maior tolerância e criatividade.

Assim, nações "culturalmente ambidestras" poderiam se beneficiar das vantagens dos dois tipos de cultura, endurecendo as regras quando necessário e relaxando quando o risco passar.

"Contar tanto com a adesão rigorosa às normas conjuntas para conter o vírus quanto com a experimentação para encontrar soluções técnicas criativas poderá ser uma estratégia de adaptação à covid-19", afirma.

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