Países ricos doam menos da metade das vacinas prometidas
Sem atingir a meta de doações, nações subdesenvolvidas não avançam com suas campanhas de vacinação e viram terreno para novas variantes
Em meio à circulação da variante Ômicron, países ricos e de média renda apressam a aplicação da dose de reforço das vacinas. Enquanto isso, os mais pobres têm menos de 10% de suas populações com uma dose e dependem de doações para acelerar a imunização. No entanto, 2022 começa com menos de 50% das vacinas prometidas entregues em 2021.
Apenas pelo mecanismo Covax, criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a meta era entregar cerca de 2 bilhões de doses doadas pelos países ricos às nações de baixa e média renda até o fim do ano. O número, porém, ficou distante. Menos de 600 milhões de doses foram entregues diretamente à iniciativa - menos de 30%.
Além disso, apenas 300 mil foram de fato distribuídas, segundo dados da Covax reunidos pelo Our World in Data. Quando estabeleceu a meta de 2 bilhões, a OMS contava com o envio de doses de uma enorme fábrica na Índia, mas o país cancelou as exportações após um surto de Delta em maio.
Além da OMS, os países também podem fazer doações diretas por meio de acordos bilaterais, envio pelas próprias fabricantes ou pela União Africana. Somando todos esses mecanismos, o número de doações ultrapassa 810 milhões, cerca de 40% da meta estabelecida pela OMS.
As doações bilaterais foram as que mais se aproximaram das promessas dos países ricos. Segundo dados do FMI, a partir da Covax e de informes dos próprios doadores, cerca de 266 milhões de doses foram acertadas diretamente, sendo que 225 milhões já foram entregues, uma taxa de quase 85%.
Segundo a lista da Covax, os Estados Unidos foram os que mais prometeram doações: 857 milhões, só que mais de 664 milhões ainda não foram entregues. Em seguida vem a União Europeia, com 451 milhões, com menos de 300 milhões entregues.
A China tem preferido fazer doações por meio de acordos bilaterais. O país prometeu 10 milhões de doses à Covax e mais US$ 100 milhões em dinheiro, mas as únicas doações que constam na lista de entregas da iniciativa da OMS são 3 milhões de doses da AstraZeneca saídas de Hong Kong.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, chamou de "vergonha moral" a cobertura vacinal no mundo. A organização tinha como meta que todos os países atingissem a marca de 40% da população vacinada até o fim de 2021. Mas 92 nações não chegaram a este porcentual, em especial os países africanos, onde a média está em 15%.
"Era uma meta plausível. E não ter atingido isso não é apenas uma vergonha moral, mas custou muitas vidas e deu ao vírus a oportunidade de se espalhar e sofrer mutações", lamentou o diretor da OMS.
De acordo com dados do Our World in Data, países considerados de alta renda possuem mais de 70% de sua população totalmente vacinada. Os países de renda média-alta lideram a corrida, com 72%, um fato que se atribui à alta aceitação das campanhas de imunização na América Latina e na Ásia. No fim da fila estão os países de baixa renda, com apenas 4% da população vacinada.
Neste cenário, mais de 80 países anunciaram a aplicação de doses de reforço na sua população, principalmente após a notificação da variante Ômicron, que parece diminuir a eficácia das duas doses. A OMS se apôs à dose adicional no início, alegando ser egoísmo dos países ricos.
No entanto, com o surgimento de uma variante mais transmissível, a organização passou a recomendar a dose apenas para pessoas com problemas imunológicos ou que receberam vacinas de vírus inativados. Ainda assim, diversos países já anunciaram a dose para toda a sua população adulta.
OMS alerta sobre envio de doses com tempo de validade curto
A grande preocupação causada pela desigualdade vacinal é a criação de ambientes propícios para o surgimento de variantes, abrindo caminho para que alguma consiga vencer a barreira das vacinas. A Ômicron foi inicialmente identificada na África do Sul - embora já circulasse em outros países -, onde a taxa de imunizados está abaixo de 27%.
África, América Latina e Ásia são os principais destinos das doações de doses da Covax. A OMS pede para que as doações sejam feitas com antecedência, para facilitar a distribuição e superar dificuldades logísticas. Um grande problema enfrentado pelos mais pobres é o envio de doses com tempo de validade curto, o que exige uma capacidade de distribuição que poucos países têm.
Até julho, mais de 400 mil doses haviam chegado já vencidas em pelo menos oito países africanos, segundo a OMS. A organização passou a pedir que os países enviassem suas remessas com pelo menos dois meses e meio antes do prazo de validade.
O apelo da OMS foi feito no fim de novembro. Mas, dias depois, a agência Reuters revelou que a Nigéria havia recebido 1 milhão de doses da AstraZeneca perto da data de validade. A doação havia sido feita pela Europa via Covax. O país, que tem mais de 200 milhões de habitantes e apenas 4% de vacinados, precisou destruir as doses e anunciou que não aceitará mais remessas com validade curta.
O desperdício também afeta os mais ricos. Segundo dados do Centro de Controle de Doenças (CDC), dos EUA, obtidos pelo canal NBC News, mais de 15 milhões de doses foram jogadas fora no país desde março. Em setembro, 40 mil doses da AstraZeneca precisaram ser descartadas no Reino Unido depois de perderem o prazo.
O Canadá, que no ano passado foi criticado por reservar doses suficientes para imunizar sua população quatro vezes, também já reportou o desperdício de aproximadamente 1 milhão de doses, segundo a imprensa local.
Mesmo administrando doses de reforços, países ricos teriam 1,2 bilhão de doses excedentes em estoques, que podem vencer em um período curto de tempo, segundo a Airfinity, empresa de análise de dados científicos.