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Por que a vitória do 'não' em plebiscito na Itália pode ter consequências em toda a Europa

5 dez 2016 - 06h40
(atualizado às 08h16)
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Renzi renunciou ao cargo após vitória do 'não'
Renzi renunciou ao cargo após vitória do 'não'
Foto: Getty Images

O primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, anunciou sua renúncia na noite de domingo após ser derrotado em um plebiscito para reformar a constituição.

Com 100% da urnas apuradas, o 'não' venceu o 'sim' por 60% contra 40%. O comparecimento às urnas foi de 70%.

"Perdi e digo isso em voz alta, mesmo com um nó na garganta, porque não somos robôs", disse Renzi ao anunciar a renúncia.

"Boa sorte a nós todos", acrescentou.

Em pauta estava a maior reforma constitucional do país desde 1948. Se fosse aprovada, resultaria na modificação de 46 dos 138 artigos da Constituição italiana.

Seria uma transformação com consequências importantes para o país e para a União Europeia.

Poderes

O legislativo italiano vive o chamado "bicameralismo perfeito" ─ Senado e Câmara têm praticamente os mesmos poderes.

A reforma pretendia, entre outros objetivos, mudar drasticamente o papel do Senado, limitando seus poderes, reduzindo o número de senadores de 315 para 100 e transformando a casa em uma câmara de representação territorial ─ membros não seriam eleitos por voto direto, mas por intermédio de representantes municipais e regionais.

A proposta também pressupunha aumentar o poder do governo central frente aos governos regionais.

Além disso, vinculava essas mudanças à nova lei eleitoral, que entrou em vigor em julho, dando automaticamente ao partido mais votado 340 assentos na Câmara de Deputados (55% do total).

O governo e os defensores da reforma argumentavam que a iniciativa pretendia reduzir custos, agilizar o processo legislativo e aumentar a estabilidade política na Itália, um país que desde a 2ª Guerra Mundial já teve 63 governos.

Por outro lado, opositores da proposta questionavam a falta de consenso político e social para passar uma reforma dessa proporção. Eles criticavam o aumento dos poderes do governo e o que consideravam uma redução do poder de representação dos eleitores, especialmente no Senado.

Eventual instabilidade política na Itália poderia ter repercussões na União Europeia
Eventual instabilidade política na Itália poderia ter repercussões na União Europeia
Foto: Getty Images

Risco de instabilidade

As preocupações com a vitória do "não" refletem o risco de que esse resultado desencadeie um período de instabilidade política na terceira maior economia da zona do euro em um momento delicado para a União Europeia, que em junho foi sacudida pela decisão do Reino Unido de sair do bloco de 28 nações, também em plebiscito - um processo que ficou conhecido como "Brexit" e que causou a renúncia do premiê David Cameron.

No domingo, assim que Renzi anunciou sua renúncia, a moeda do bloco comum caiu para o menor patamar frente ao dólar em 20 meses, a US$ 1,0505.

Renzi ─ diferentemente de Cameron ─ não convocou o plebiscito de forma voluntária: após não ter recebido o apoio de pelo menos dois terços no Parlamento, o voto popular se tornou obrigatório para levar adiante a reforma constitucional.

Mas, assim como o britânico, Renzi ligou seu destino ao resultado final da consulta e, por isso, havia afirmado que renunciaria caso sua proposta fosse derrotada.

Luigi Di Maio (2º da esq. para direita) é membro do Movimento Cinco Estrelas e vice-presidente da Câmara de Deputados italiana
Luigi Di Maio (2º da esq. para direita) é membro do Movimento Cinco Estrelas e vice-presidente da Câmara de Deputados italiana
Foto: Getty Images
Destino de Matteo Renzi estava ligado a resultado de plebiscito
Destino de Matteo Renzi estava ligado a resultado de plebiscito
Foto: Getty Images

Movimento Cinco Estrelas

Alguns analistas especulam que a vitória do "não" pode ser um primeiro passo rumo à desintegração do euro.

Isso porque investidores não gostam de incertezas, e a renúncia de Renzi pode gerar implicações de longo prazo para a a Itália, que ainda não se recuperou totalmente da crise de 2008 - a economia do país encolheu 12% desde aquele ano.

Atualmente, a dívida pública do país equivale a 133% do PIB (Produto Interno Bruto, ou a soma de todas as riquezas produzidas por um país) e é a segunda maior de toda a Europa, atrás apenas da Grécia.

Os bancos italianos também são uns dos mais problemáticos de toda a chamada zona do euro. Seus balanços estão repletos de dívidas ruins ─ ou seja, empréstimos que não devem ser pagos integralmente.

A falência de uma dessas instituições financeiras pode precipitar uma crise de maiores proporções e prejudicar a retomada da economia, alastrando-se por todo o bloco.

Antes de conhecer o resultado do plebiscito, Wolfgang Münchau, editor do jornal britânico Financial Times, escreveu que a vitória do não "levantaria dúvidas sobre a participação da Itália na zona do euro".

Um dos argumentos citados por Münchau é de que a recusa à reforma constitucional pode ser aproveitada em termos eleitorais pelo Movimento Cinco Estrelas, partidário do "não".

Esse partido político, encabeçado pelo comediante Beppe Grillo e classificado como populista, já defendeu a realização de um plebiscito para que a Itália abandone o euro.

Coalizão denominada "Direita Unida" também se manifestou contra plebiscito
Coalizão denominada "Direita Unida" também se manifestou contra plebiscito
Foto: Getty Images
Manifestantes protestam a favor do 'não'
Manifestantes protestam a favor do 'não'
Foto: Getty Images

Próximos passos

Renzi vai entregar sua renúncia ao presidente da Itália, Sergio Mattarella, na tarde desta segunda-feira, após uma última reunião com seu gabinete.

Mas Matarella pode pedir a ele que permaneça no cargo até o Parlamento aprovar o orçamento do ano que vem, no fim deste mês.

Apesar das pressões da oposição, eleições antecipadas são pouco prováveis.

Em vez disso, o presidente italiano pode nomear um governo interino liderado pelo partido de Renzi, o Partido Democrático, que continuaria no poder até as próximas eleições, em 2018.

Nesta hipótese, o ministro das Finanças, Pier Carlo Padoan, é o favorito para suceder Renzi.

Renzi chegou ao poder em fevereiro de 2014, apelidado de Il Rottamatore ("O Desmantelador"). Permaneceu no cargo por dois anos e deixa o Palazzo Chigi, sede do governo italiano, ainda muito jovem, aos 41 anos. Ironicamente, ele venceu as eleições prometendo amplas reformas.

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